quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A experiência indígena entre historiadores profissionais (2005/2009)

Uma das principais estratégias para o desenvolvimento da educação pela tolerância é a disseminação de informação atualizada sobre a pluralidade cultural. Este trabalho foi produzido dentro desse espírito. Com ele, queremos subsidiar a reflexão do professor sobre a sua prática, propondo e respondendo duas questões relacionadas ao uso da história dos – indivíduos, grupos, sociedades – indígenas na formação de pessoas, ou seja, na escolarização básica: (1) o que os historiadores têm afirmado, nos últimos cinco anos, sobre os indígenas que habitam o Brasil? (2) Que proposições podem ser transpostas ao cotidiano da sala de aula para viabilizar a aplicação do artigo n. 26-A da lei n. 11. 645 de fevereiro de 2008 – que trata da história e da cultura indígena em “todo o currículo escolar” dos ensinos fundamental e médio, público e privado?
Essas questões são aqui respondidas mediante o enredamento das teses mais recorrentes, veiculadas por trabalhos acadêmicos apresentados no maior fórum brasileiro de discussão historiográfica – o Simpósio Nacional de História, promovido pela Associação Nacional dos Historiadores nos anos 2005, 2007 e 2009. A nossa intenção – ainda que apresentemos alguns conceitos ao início de cada tópico deste trabalho – não é fazer a crítica das estratégias teórico-metodológicas das formas de abordar a experiência indígena. Esses balanços ou estados da arte podem ser acessados nos dossiês e nas revistas especializadas de historiadores (Cf. MONTEIRO, 2001, CUNHA, 1998) e antropólogos (Cf. OLIVEIRA, 1993, VIVEIROS DE CASTRO, 1999).
O inventário de teses também não é exaustivo. Trata-se de um recorte bastante amplo para flagrar as proposições de pesquisadores que atuam nos mais diversos níveis do trabalho acadêmico, muito diferente, portanto, do que fizemos em outra ocasião, reunindo teses dos pesquisadores consagrados por sua trajetória na pesquisa sobre a história indígena e do indigenismo (Cf. FREITAS, 2010).
O que nos estimulou a empreender esse inventário foi a constatação de que as formações inicial e continuada – sobretudo, do professor de história –, em relação ao tema, em geral, deixam muito a desejar. Nos cursos de graduação, rareiam os especialistas e fora deles, da mesma forma, é insipiente o número de pesquisadores que se ocupam em traduzir a pesquisa de ponta para situações didáticas. Pensamos que a divulgação acadêmica focada nas teses pode qualificar melhor os usos do livro didático de história e potencializar as narrativas locais como fonte para as aulas que abordam a experiência indígena.
O inventário das teses, apresentado a seguir, ganhou a forma de cinco conjuntos relativamente homogêneos: (1) o fenômeno do protagonismo indígena; (2) as representações construídas por não acadêmicos sobre os indígenas; (3) as representações dos indígenas sobre si mesmos, ou seja, a discussão sobre as suas identidades – incluindo-se os processos de etnogênese; (4) as denúncias em torno do não cumprimento de direitos indígenas – que resultou nas práticas do etnocídio, genocídio e esbulho da terra; e (5) a descrição dos modos de vida, ou seja, da organização social, política e religiosa e de temas destacados neste mundo da cultura – educação, trabalho e territorialidade.
Nas considerações finais, abordamos compreensivamente as possibilidades de transposição dessas teses para o ensino de história, seja nos planos de estudo, seja nos livros didáticos. Da mesma forma, enfrentamos o problema do “erro” conceitual, eventualmente flagrado pelos professores nos materiais didáticos. Que fazer com um livro do aluno, por exemplo, que nega a existência de indígenas em nossa região?
Conheçamos, então, de início, o conjunto de proposições que reúne o maior número de trabalhos apresentados nos simpósios da ANPUH: as teses sobre o protagonismo indígena.

1. Protagonismo indígena[1]
Os historiadores continuam afirmando que o processo de expansão européia marcou a experiência brasileira – feudal, escravista ou capitalista –, ainda que tal experiência fosse caracterizada, nas últimas duas décadas, pelo interesse em novos atores – negros, indígenas, mulheres, crianças –, questões – sexualidade, família, religiosidade etc. –  e abordagens  – mentalidades (Cf. SCHWARTZ, 2009, pp. 180-182).
Essa mudança, da história social para a história cultural, junto à militância de intelectuais, ao poder reivindicatório das instituições indígenas e às aproximações teóricas entre a história e a antropologia (Cf. MONTEIRO, 2001, p. 5) provocaram desdobramentos nas formas de historiar a vivência indígena.  Tal experiência, hoje, não têm sido interpretada, apenas, pelo binômio vencedor/vencido ou mediante a ideia de oposição entre barbárie e civilização. Limitada a esse dualismo, a vida indígena seria – e foi –, durante certo tempo, marcada por um perverso mecanismo de vitimização. E vitimização, seja de origem teórica, seja de origem moral (Cf. CUNHA, 1992, p. 17), paradoxalmente, obscurece a ação dos indígenas, suprime sua condição de sujeito histórico (Cf. COELHO, 2009, p. 275), sua historicidade e, até, humanidade, impedindo, além disso, o conhecimento de uma parcela significativa da história do Brasil (Cf. MONTEIRO, 2001, p. 5).
Historiadores, hoje, tendem a adotar as noções de protagonismo[2], agente, ator e sujeito histórico. Eles descobriram o que as sociedades diferenciadas já tinham conhecimento e, há muito tempo, haviam incluído em suas cosmogonias (Cf. CUNHA, 1992, p. 18): indígenas, seja em dimensão pessoal – membro do grupo, chefe – ou coletiva – etnia, ONG ou gênero – pensam, agem e sentem de maneira singular. São produtores e portadores de cultura(s), são construtores de trajetórias históricas, tomam decisões, são vítimas, são algozes, e também vítimas e algozes ao mesmo tempo – na verdade, ao tempo que lhes convém. A historiografia interpreta os contatos interétnicos como fenômenos de resistência, adaptação e transformação cultural capitaneados, inclusive, pelos povos indígenas (Cf. FLECX, 2005, p. 1).
A primeira grande tese sobre protagonismo é a de que os indígenas fizeram alianças com os mais diversos personagens, por uma grande variedade de motivos e com durações diferenciadas. Missioneiros do Sul fizeram acordos com portugueses – em luta contra os espanhóis –   flecheiros da aldeia de São Miguel, com portugueses  – contra holandeses. Os Jandui e os Potiguara aliaram-se aos holandeses – contra os portugueses –, rebelando-se, depois, contra os próprios aliados – holandeses. Já os Xavante, Xerente, Akroa e Xacriaba, Paiaguá, Guaicuru fizeram alianças entre si e com os colonos na região de Cuiabá (MS). No século XIX, os Carnijó acordaram com membros da elite local de Águas Belas (PE) em período eleitoral e, no XX, lideranças indígenas de Olivença (BA) fizeram alianças com o Partido Comunista para derrotar, por armas, os fazendeiros e as autoridades policiais.[3]
Evidentemente, a temática das alianças não é original. A historiografia já noticiara os acordos entretidos entre indígenas e europeus na conhecida guerra entre portugueses e franceses pela posse do território que deu origem ao Rio de Janeiro. Mas, a narrativa desses episódios, agora, enfatiza o poder de articulação política dos indígenas. O que estava em jogo era a defesa da liberdade, da terra, o direito de ficar próximo aos seus familiares, de educar seus filhos e livrar-se dos recrutamentos militares compulsórios. Era também o desejo de eliminar grupos rivais ou obter a melhor vantagem nas relações de troca que motivavam os acordos entre parceiros. Assim, não foram somente os europeus que colocaram as constantes rivalidades entre grupos indígenas a seu favor. Estes também souberam, ao seu modo, aproveitar-se dos embates entre portugueses, espanhóis, holandeses e franceses para auferir alguma vantagem.
Outra tese recorrente nos trabalhos recentes trata dos usos que os indígenas fizeram dos instrumentos de subordinação que lhe foram impostos. Eles assumiram fardas, patentes militares, cargos de vereadores, alferes, sargento-mor dos índios, capitães e mestre de campo. Solicitaram remunerações e títulos de nobreza no período monárquico e, no século XX, até engrossaram as fileiras das ligas camponesas (PE). Assim, ofícios, cartas, petições, e voto – em suma, instrumentos criados pela cultura não indígena –, tornaram-se portadores de reivindicações fundadas na legislação que defendia, sobretudo, os direitos indígenas.
Muitos desses pedidos foram satisfeitos. Os Parangaba (CE) requisitaram sesmarias (1707), os Cariri (CE) requisitaram terras e remuneração (1714), uma vez que contribuíram para a conquista e a colonização do sertão. Ainda no período colonial, o líder da Vila de Barcelos (BA) denunciou o escrivão por não escolarizar crianças indígenas e tentar escravizar o restante da população. Felipe Camarão, em caso bastante conhecido, foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo e respectiva remuneração, lutando para que tais privilégios fossem transmitidos aos seus herdeiros. Esses casos demonstram que a legislação portuguesa no Brasil, principalmente aquela voltada para os indígenas, não foi aplicada ao pé da letra. Ela dependia dos interesses e limitações dos funcionários da coroa e moldava-se, também, pela vontade e destreza política de grupos e lideranças indígenas.
A terceira tese recorrente dá conta de processos de resistência e de ação direta, protagonizados pelos indígenas.  A resistência operou-se no plano simbólico na forma de apropriação e administração dos sacramentos. Os Guarani, por exemplo, efetuavam a confissão, mas o faziam segundo suas conveniências – os mais simplórios comportamentos desviantes eram motivos para a confissão. Eles sabiam da importância desse rito para os jesuítas – por isso confessavam –, mas não entendiam a confissão como arrependimento ou reconciliação com Deus. Em outras ocasiões, os próprios jesuítas, flexibilizaram pontos da sua doutrina sobre o casamento indígena para que algumas metas da Companhia fossem atingidas.
Batizar-se e casar-se dentro das prescrições católicas do século XIX, assumir pequenas funções públicas ou privadas – porteiros, vaqueiros – também foram considerados pelos historiadores como atos de resistência. Eram formas de sobrevivência numa época em que a identidade indígena fora contestada e negada pelos documentos provinciais.
Em tempos republicanos, a adesão aos programas públicos de saúde e educação, além das tentativas de recuperação da língua, dança, atividade cerâmica, são também exemplos nesse sentido. Isso se deu com os povos Kinikinau.
A forma clássica de resistência, a mais conhecida, porém, foi o uso de estratégias de confronto. Ela pode ser observada já nos primeiros contatos com os europeus. Assim, entre os estudiosos, a imagem harmônica dos encontros entre indígenas e estrangeiros – o quadro da primeira missa, por exemplo – é contraposta à descrição de comportamentos diferenciados. No Ceará, Piauí e Maranhão (1500), os indígenas esconderam-se ao perceberem a presença europeia. Mas, no Amazonas, foram agressivos, matando sete ou oito espanhóis (1501). No decorrer do período colonial abundaram os casos de resistência por emboscada e no republicano é exemplar o caso dos Guajajara (MA), que mataram todos missionários capuchinhos (1901).
Outras formas de resistência – tradicionalmente, consideradas como delituosas – são flagradas nos séculos XIX e XX. Na Comarca de Garapuava (PR), ela se deu em forma de assaltos e furtos de ferramentas agrícolas dos colonos. No século seguinte, são conhecidos os casos de ocupação, mentira/fuga, resistência, dos Kaingangs (RS), contra a apoderamento ilícito das suas terras; dos indígenas de Dourados (MS), contra a transferência forçada das suas terras – destinadas a projetos de colonização –; e dos Kaiowá, contra o retorno aos antigos campos de colonização.
Pelos exemplos, portanto, pudemos perceber que a historiografia sobre a experiência indígena apresenta três teses circunscritas à ideia de protagonismo: indígenas fizeram alianças e com motivos e atores os mais diversos, empregaram os instrumentos de subordinação como ferramentas de reivindicação dos seus direitos e reagiram à dominação europeia, em muitos momentos, inclusive, com o uso da violência física. Dizendo de outro modo, indígenas não foram, em todos os espaços e tempos da experiência brasileira, dispersos, apolíticos e ingenuamente submissos.

2. Representações construídas sobre os indígenas
O segundo conjunto de informações sobre a história indígena e do indigenismo sintetiza-se na idéia de representação[4]. Esta categoria ganhou status de conceito básico na comunidade de historiadores nas últimas duas décadas. A crítica à verdade histórica fundada na ideia de um real/ passado preexistente ao trabalho do historiador – “contar as coisas como verdadeiramente aconteceram” – e a valorização das práticas discursivas no exame das fontes históricas – o real/passado é também uma construção lingüística, mediada por interesses do historiador (Cf. CHARTIER, 1990, p. 17) – orientam grande parte dos trabalhos.
São, portanto, estratégicos os estudos das imagens construídas sobre os indígenas, seja nos textos escritos, seja nas artes visuais – gravura, desenho, pintura, escultura, fotografia e cinema. Eles contribuem para a compreensão acerca da origem e da sobrevivência dos estereótipos negativos por sucessivas gerações. São fundamentais para o entendimento da história dos contatos havidos entre indígenas e não indígenas, além de servirem como ferramentas de combate a determinadas visões distorcidas e supostamente desinteressadas.
Assim, uma história das representações sobre os indígenas, ou ainda, uma história dos exageros e das omissões (Cf. BURKE, 2004, pp. 53-57), sobretudo, de europeus – gestores, legisladores, literatos e artistas – na “construção do outro” – indígena – é tema de destaque na historiografia recente. Os resultados da pesquisa, por outro lado, reafirmam o que já se havia constatado acerca da imagem construída sobre os indígenas ao longo do processo histórico brasileiro. São elaborações baseadas – explicita ou implicitamente –, hora no evolucionismo, hora no providencialismo e, mais recentemente, no funcionalismo.
No período colonial, é possível encontrar a idéia de que os indígenas eram “selvagens integrados à natureza” como anunciou o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. A base dessa representação estava na classificação binária de Lineu, que fundamentava a divisão dos homens em: (1) separados da natureza ou civilizados e (2) integrados à natureza ou selvagens – situados em escala inferior. Para o citado naturalista, por exemplo, os Caraíba não possuíam inteligência, sendo, então, comparados aos camponeses e negros.
Jesuítas do século XVII também construíram representações. O fundamento era a teologia católica do período, que apontava a inferioridade do indígena. Dessa forma, foi infiel o povo Guarani, convertido através de uma pedagogia fundada na dicotomia sermão/castigo. Foram bárbaros, feras e hereges os Tabajara da serra de Ibiapina (CE), por estarem contaminados com a religião holandesa, segundo o Padre Vieira.
Expulsos os jesuítas, já no período pombalino, indígenas foram concebidos, legalmente, como “crianças” que necessitavam de “tutela”. A noção de “minoridade civilizacional” foi legitimada pela política indigenista conhecida como Diretório dos índios.
No início do século XIX, as temáticas do status civilizacional e do status jurídico perante o Estado brasileiro foram relacionadas por José Bonifácio e o Deputado Geral Montezuma. Para o primeiro, os indígenas estavam em “estado selvático” em condição “primitiva”. Eram “preguiçosos” e “traiçoeiros”, mas passíveis de civilização e cidadania. Lembremos que na legislação pombalina, indígenas ganharam a condição de “súditos e vassalos do rei”. O Deputado Montezuma, em 1924, ao contrário, não estendia a condição de cidadania – posse de direitos – aos indígenas, já que não reconheciam e nem respeitavam as prerrogativas (?) e deveres estabelecidos pelo Estado português.
Entre os gestores e legisladores provinciais, também podemos encontrar representações sobre os indígenas. Alguns empregaram os argumentos cientificistas, a exemplo do presidente Francisco de Souza Martins (CE). Para ele, os indígenas tinham a “inteligência menos desenvolvida” que os europeus. Outros gestores e legisladores simplesmente negaram o direito à identidade, ou seja, questionam a existência dos indígenas. Esse foi o caso da Assembléia Provincial do Ceará, que os declarou inexistentes em 1830, e do presidente da mesma província que, em 1863, concluiu: não há indígenas. Eles migraram ou misturaram-se com outras etnias.
Nos tempos republicanos, intelectuais como José Veríssimo, Manoel Bonfim e Graça Aranha construíram representações fundadas em pressupostos também evolucionistas. O primeiro lançou mão do determinismo mesológico para explicar as razões da ociosidade, indolência, promiscuidade, imoralidade, maus hábitos alimentares e mau comportamento à mesa”, manifestados pelos indígenas. No romance Canaã, de Graça Aranha, indígenas são incivilizados e incivilizáveis. Para Roquete Pinto, indígenas estavam na idade da pedra, uma representação semelhante à de Olavo Bilac e Manuel Bomfim – no livro de leitura Através do Brasil – que descrevem os indígenas como ferozes e atrasados na escala evolutiva.
Entre os artistas vigorou a idéia de pureza cultural e de personagens paralisados no tempo. Foram os casos do fotógrafo Jesco Von Puttkamer, que registrou a experiência dos indígenas xinguanos, e também dos vários construtores de monumentos públicos que retratam indígenas pelo Brasil afora. Algumas obras de arte primam pelo descritivismo e esforçam-se para retratar cenas que provoquem imediata identificação do público não indígena, tais como: canibalismo, nudez e arte utilitária. Outras retratam indígenas em posições estáticas em contraposição ao dinamismo das posições de personagens não indígenas (cavalgando, por exemplo). Tal é a representação do “Monumento aos pioneiros de Boa Vista” (RR).
Entre os religiosos do século XX, ainda podem ser encontradas as noções de indígenas com “pouca civilidade”, necessitando de salvação. Esse foi caso do Padre Arlindo, na segunda metade do século XX. Ainda mais radicais foram as posições dos missionários capuchinhos (MA), envolvidos com os povos Guajajara em 1901. Eles reproduziam as representações de um ideólogo da Restauração católica – Joseph De Maistre –, para quem os indígenas eram “a porção mais degenerada da humanidade”, ou seja, estavam situados abaixo do pecado capital.
Por fim, a imprensa. Esta ainda constrói representações fundadas em noções evolucionistas. Nas décadas de 1920 e 1930, o jornal O Malho concebia os indígenas como primitivos e incivilizados. Em meados do século, a revista O Cruzeiro difundia imagens de flechas atiradas contra aviões da Força Aérea Brasileira – FAB, atrapalhando o progresso do Brasil central. Tais impressos reproduziam, dessa forma, as noções correntes entre os colonos da região: indígenas eram bárbaros, flagelados indóceis, tenazes e ferozes. Essa imagem dos Xavante, por exemplo, somente será contestada nos livros e nos filmes de Lincoln de Souza, Sílvio da Fonseca e Gentil de Vasconcelos.
Recentemente (2005), o jornal O Progresso, de Dourados (MS), denunciou a desnutrição de crianças indígenas. No entanto, sem discutir as questões estruturais – como o problema da demarcação das terras –, representou os indígenas como “primitivos” e “silvícolas”.
Vemos, então que as representações construídas sobre os indígenas e inventariadas pelos pesquisadores confirmam os resultados de investigações realizadas ao longo dos últimos 20 anos que denunciaram a vinculação não acadêmica da imagem dos indígenas a três situações-limite: (1) indígenas não existem; (2) indígenas existem e são ferozes – devem ser catequizados/exterminados/civilizados pela educação e pelo trabalho/incorporados ao panteão do passado local como signo de bravura; (3) indígenas existem e são mansos – devem ser protegidos/devem ser conservados em seu estado original.

3. Identidades indígenas
O terceiro conjunto de informações destacadas refere-se à(s) identidade(s) indígena(s), isto é, aquele(s) elemento(s) virtual(is), mas fundamental(is) para a sobrevivência de qualquer grupo (Cf. LÉVI STRAUSS, 1977, p.) – indígena ou não indígena. Por essa definição, um indivíduo (pessoal ou coletivo) é indígena quando afirma que é (indígena), quando é reconhecido pelos outros como tal (indígena) e mantém relações ancestrais com os povos pré-colombianos (Cf. CASTRO, 2006, p. 41).
No entanto, a resposta ao que deva “ser um indígena” – a exemplo da definição acima – foi preocupação maior entre os antropólogos. Deles surgiram as respostas mais sofisticadas, motivadas pela provável “extinção” do seu objeto – as “sociedades primitivas” a partir da segunda guerra mundial (Cf. NOVAES, s.d, pp. 37-60). Também dos antropólogos foram extraídos os argumentos para a defesa dos direitos indígenas no Brasil dos anos 1970 e 1980 e, curiosamente, para o questionamento do direito de a etnologia determinar os processos de identificação indígena (Cf. CASTRO, 1999).
Se quisermos observar melhor tais motivações – a extinção do objeto, o engajamento em prol das questões indígenas e a reflexão da entnologia sobre suas limitações – basta pensar sobre essas duas questões já incorporadas ao senso comum dos brasileiros: (1) o que acontece com determinado grupo quando elementos “estranhos” – alimentação, utensílio, culto religioso – são “introduzidos” no seu modo de vida? (2) Qual o destino de um grupo que entra em contato com a sociedade não indígena – ou mesmo quando se submete a outro grupo indígena?
Duas foram as principais respostas, orientadas, respectivamente pelas correntes funcionalista e interacionista: (1) o grupo sofre processos de descaracterização cultural que o leva à extinção; (2) o grupo desenvolve estratégias de sobrevivência, se adapta e constrói um novo modo de vida. Esta última tendência está presente nos poucos estudos dos historiadores que se propõem, especificamente, a traduzir a noção de identidade dos indígenas no Brasil, como veremos ao final deste tópico. Os trabalhos discutem construção/(re)significação dos mitos fundadores e também as questões atuais que orientam as lutas por identidade diferenciada.
Entre os primeiros, difunde-se a tese de que os mitos fundadores indígenas não são estáticos. Eles são atualizados pelos grupos em situação de crise, de ameaça à sua existência. O mito da guerra entre os tupinambá foi atualizado a partir do contato com os jesuítas. Um elemento “estranho” – o branco como personagem – foi introduzido e o mito ganhou novo sentido. A guerra, então, passou a ser explicada da seguinte forma: um branco amaldiçoou os indígenas com a guerra por eles se recusarem a seguir o deus cristão.
No século XIX, D. Pedro é o personagem “estranho” – transformado em “ancestral mítico de uma das metades tribais” dos Xerente. O monarca adquiriu tal status por ter supostamente doado terras para esses povos.
Do século XIX ao XX, podemos dar como exemplo a (re)significação da identidade corporal dos Kaingang – antes mediadas pelos jogos Kanjire e Pinjire. Considerados violentos e até bárbaros, pelos não indígenas, tais simulações de guerra entre grupos étnicos diferentes foram substituídas pelo futebol.
Os mitos são (re)significados e as questões orientadoras das lutas por espaço diferenciado também. No período colonial, os Guaicuru tornaram-se cavaleiros e os Payaguá se destacaram no comércio e na fabricação de armas de fogo. Evidentemente, sabemos que o trabalho com cavalos e com o ferro são apropriações indígenas originadas do contato com os europeus. Mas isso não foi impedimento para que tais práticas constituíssem a identidade dos povos citados.
As trocas também ocorreram entre os próprios grupos indígenas. Ainda na colônia, é exemplar o caso dos Guarani que introduziram a horticultura, novos hábitos alimentares e a organização de aldeias a partir de grandes famílias, efetivando um processo conhecido como “guaranização” dos grupos do seu entorno.
No período republicano é também clássico o exemplo das lideranças indígenas de Roraima, no final do século XX, que introduziram novas práticas cultura – fazer roça, comer verdura, trabalhar em sistema cooperativo – como estratégia de ocupação territorial – limites. A identidade, requisitada nesse momento de crise, está intimamente ligada à questão da demarcação da terra.
 Se observarmos os verbos empregados – substituir, atualizar, apropriar-se e (re)significar –, será mais simples entender que a concepção de identidade continua centrada na idéia contrastiva – indígena é aquele que se afirma e é reconhecido como tal. Mas os pressupostos requisitados para “ser” e “aceitar” a identidade indígena não são estáticos, ou seja, fundados em traços ditos puros, que remetem a um tempo distante da experiência européia. Com a ideia de etnogênese[5], a identidade indígena passa a ter o dinamismo que tem a identidade dos não índios, ou seja, mutável, incorporadora de elementos vários ao longo das nossas vidas. No entanto, são os acadêmicos, dominantemente, quem oferecem a última palavra, ou seja, o que os indígenas são ou parecem ser.

4. Denúncias de práticas genocidas e etnocidas
Os historiadores dos últimos anos também se esmeraram na denúncia das práticas do genocídio e do etnocídio. Tais palavras, já incorporadas ao senso comum, são anunciadas nos dicionários da língua portuguesa como o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico ou população (genocídio) e destruição dos modos de vida de certa população, etnia ou comunidade (etnocídio).
Entre os historiadores colhidos por nossa amostra, por outro lado, não é comum distinguir entre uma prática e outra. Além disso, critica-se a idéia de que o contato, as trocas e a imposição de modos de vida tenham resultado, necessariamente, na morte de culturas. Alguns tendem a falar em etnogênese, como vimos no tópico anterior.
Independentemente dessas opções teóricas, historiadores reconhecem que as práticas etnocidas e genocidas foram e são, ao modo dos dicionários, ações, mediadas por determinadas técnicas – podemos assim dizer –, que partem de determinados sujeitos históricos sob as mais diferentes justificativas. É isso que os historiadores buscam informar em tom de denúncia, na maioria dos casos.
No período colonial, religiosos, militares, gestores, sertanistas foram os grandes protagonistas. Nos primeiros contatos, doenças contagiosas como a varíola e a catapora provocaram a morte de milhares de indivíduos. Em seguida, a busca por mão-de-obra e a política indigenista de catequese e de proteção aos fazendeiros e jesuítas contribuíram para o aniquilamento de populações.
Dos religiosos, são conhecidas as clássicas estratégias – o sermão e o castigo. A idéia de salvar as almas e civilizar os infiéis fundamentou a mudança dos modos de vida indígenas. Novas formas de organização do tempo e do espaço foram introduzidas, como também os padrões de vida familiar – combate à nudez e à poligamia –, educação dos filhos, trabalho e cosmogonia.
Das ações militares, em defesa de religiosos e colonos, foram comuns o extermínio, escravização e o aldeamento de indígenas. Um dos pioneiros nesse sentido foi o Governador Geral Mem de Sá.
No governo do Marquês de Pombal, a política indigenista previa o descimento dos índios por métodos “brandos, suaves, boas palavras, persuasão e prudência”, mas os governadores, na segunda metade do século XVIII, fizeram largo uso das armas de fogo. A legislação – Diretório dos índios (03/05/1757) –, por sua vez, proibia o uso das línguas nativas, a nudez, uso do álcool – juremas –, habitação coletiva e os nomes próprios/pessoais de origem indígena.
A reunião compulsória de vários grupos, resultante da transformação das aldeias em vilas, a distribuição de títulos (oficiais de ordenanças dos índios) e salários também foi grande fator de mudanças nos modos de vida indígena no período pombalino. A introdução de práticas não coletivistas de produção, no território que corresponde ao atual Rio Grande do Norte, é exemplo dessas alterações.
No século XIX, as denúncias também focalizam a política indigenista imperial. Neste caso, a destruição de comunidades, índios aldeados e indígenas “errantes” foi justificada por diferentes formas. Em São Paulo era a carência de mão-de-obra e o perigo dos indígenas “errantes”; no Rio de janeiro, era a ausência de terras e no Maranhão, ausência de terras e de mão-de-obra.
Visando a ocupação de terras indígenas, fazendeiros e gestores desenvolveram estratégias complementares. Os primeiros interpretavam as leis de proteção indígena a seu favor. O poder público, em contrapartida, negligenciava os serviços de tombamento e de medição das terras, além de não promoverem a contagem da população indígena, fortalecendo argumentos dos fazendeiros de que determinados aldeamento estavam em decadência ou extintos.
No período republicano, por fim, as principais ações que resultaram em processos de genocídio, etnocídio e ocupação das terras ganharam a forma de confinamento em reservas (SPI), transferência de áreas para a construção de barragens e hidrelétricas, projetos agropecuários de exportação e extração de madeira e garimpo. Para alguns, o confinamento seria uma forma encontrada pelo Estado no sentido de liberar a terra e evitar o conflito entre empresários e indígenas.
O desdobramento desse tipo de ação foi, entre os Kaiowá e Guarani (MS), por exemplo, a mudança brusca na organização social – alteração do horário e das formas de trabalho –, da relação com a natureza – redução da diversidade agrícola e extrativista – e com o mundo sobrenatural – extinção de práticas agrícolas e, consequentemente, de práticas religiosas.
A educação fornecida por ordens religiosas também foi outro fator de mudança nos modos devida. O trabalho dos Salesianos no Mato Grosso, por exemplo, provocou a quebra nas formas de transmissão dos valores indígenas e o desprestígio dos anciãos do povo Xavante.
Observamos, então, que a denúncia de práticas genocidas e etnocidas são objetos recorrentes entre os historiadores das questões indígenas e, não obstante às mutações acerca das definições do “ser” ou “não ser” indígena – apropriadas da etnologia praticada no Brasil nos últimos 30 anos –, atores, motivações e técnicas diversas tem sido eleitas como responsáveis pela destruição de diversos grupos ao longo dos últimos cinco séculos.

5. Modos de vida
Modos de vida é uma locução genérica empregada aqui como sinônimo de cultura em sua acepção mais larga possível. Ela atravessa a obra de pensadores do esclarecimento ou do esclarecimento renovado que concebem o homem como dotado de determinadas capacidades distintivas em relação aos demais seres vivos.
Entre os historiadores, dois significados são costumeiramente utilizados. Cultura como a capacidade humana de atribuir sentidos ao mundo (Cf. GEERTZ, 1978, p. 57) e cultura como modos padronizados de agir, pensar e sentir. Ambos, entretanto, são intercomplementares. Cultura como capacidade de atribuir sentido é mais amplo e inclui tudo que o homem faz. Se a vida humana é uma eterna atribuição de sentido – nomear, entender, comunicar –, todos os homens fazem e têm cultura.
Cultura como modos padronizados de agir, pensar e sentir, por sua vez, detalha melhor essa potência – de atribuir sentido. Ela inclui também os artefatos que resultam de tais capacidades –pensar, agir e sentir: hábitos de comer, morar, vestir trabalhar, organizar-se política e socialmente e relacionar-se com o sobrenatural. A esse conjunto de capacidades padronizadas e também aos artefatos e fenômenos que delas resultam  é o que chamamos genericamente de modos de vida.
Mas o que os historiadores têm dito acerca dos modos indígenas de viver? Historiadores seguem consensos (ainda que temporários) antropológicos: a cultura é coletiva, plural e dinâmica. Em outras palavras, não existe cultura de um só indivíduo, cada grupo possui a sua cultura e a cultura de cada grupo modifica-se em ritmos e processos diferenciados: apagando, incorporando, inventando, mesclando ações, sentimentos, pensamentos e artefatos.
Essa filiação antropológica dos conceitos e objetos no universo da cultura talvez justifique o fato de os historiadores pouco mergulharem no campo. Modos de vida são discutidos em forma de denúncia, como vimos no tópico anterior – práticas etnocidas de religiosos, militares, gestores e colonos. O interesse maior dos historiadores recai sobre as representações da educação escolar indígena e as formas de produção da sua riqueza/existência.
O trabalho é a categoria mais freqüente. Duas intenções ocupam os historiadores: desmontar a idéia de indolência e de fragilidade dos indígenas, denunciar o trabalho escravo e informar as variedades de ocupações através dos séculos. Sobre a primeira tarefa, há esforço para reler as informações dos intérpretes coloniais e provinciais. Indígenas sempre trabalharam, do contrario, como sobreviveriam? O problema é que os intérpretes dos seus modos de vida – afirmam os historiadores – nunca contabilizaram o tempo gasto nas ações de caça, agricultura e extrativismo; nunca levaram em conta os tempos de espera, o respeito às condições climáticas e a confecção dos instrumentos de trabalho.
O trabalho compulsório também foi denunciado pelos historiadores. Do período colonial, são clássicas as imagens de indígenas cortando madeira e armazenando-a nas embarcações europeias. Em Minas Gerais, entre os séculos XVIII e XIX, indígenas atuaram como escravos temporários, trabalhadores alugados aos fazendeiros. Os lucros da empreitada eram revertidos para os administradores dos aldeamentos. Indígenas também substituíram escravos negros na extração do ouro no território do atual Mato Grosso, foram vaqueiros no Mato Grosso do Sul e escravos agrícolas em São Paulo, no século XVIII, produzindo milho e feijão para o abastecimento da região das minas. Indígenas exploraram salinas, reformaram e construíram fortes, plantaram mandioca, criaram gado, cortaram madeira para tinturaria e plantaram cana de açúcar, tudo a serviço dos holandeses no Ceará do século XVII. Indígenas foram, também, soldados, como os Potiguares nas guerras de Pernambuco, sob o comando de Felipe Camarão.
No século XIX, indígenas trabalharam como comerciantes de víveres, cavalos e canoas, soldados, informantes – mensageiros –, guias, transportadores de pessoas e de cargas, coveiros e agricultores, a exemplo dos Guayaná e Terena e, provavelmente, Bororo e Chamacoco na Guerra do Paraguai. Foram também vaqueiros sob a forma de camaradagem – Terena (MS) –, sapateiros, alfaiates, tecelões e vendilhões em Ilhéus (BA), atuaram na abertura e manutenção de estradas, pacificação de grupos “hostís”, intérpretes e bugreiros (RS), na derrubada da mata para o plantio do café, produção de alimentos, tecidos e aguardente (RJ), como carregadores de terra, soldados, marinheiros, caçadores de quilombos – Puris –, pescadores e marisqueiros (ES).   
A segunda dimensão da vida indígena mais recorrente é a educação. Sobre o tema também há copiosa denúncia sobre algumas práticas etnocidas e o adestramento dos indígenas ao mundo do trabalho, como as iniciativas governamentais de educação escolar (MS).
A maioria, entretanto, anuncia reivindicações e conquistas indígenas, a exemplo da atuação dos professores indígenas em Dourados (MS), desde a década de 1960, a conquista do direito à educação escolar diferenciada, consolidado na Constituição de 1988, e dos planos dos professores Tremembé (CE), que reivindicam uma universidade indígena, dirigida por indígenas, no início do século XXI.
Historiadores discutem, por fim, a função da escola nas comunidades indígenas. Para os indígenas recém graduados (MT), é um espaço de transformação e de fortalecimento da identidade étnica segundo. Para os Guarani (SC), apesar de proporem o fortalecimento da língua e da tradição, as escolas tem papel secundário diante da educação, linguagem e economia presentes nas atividades da comunidade.
Raros são os trabalhos que tratam de temas como as formas de organização social – famílias, aldeias, conjunto de aldeias e seu território, conjunto de aldeias e territórios –, sentido da guerra, o caráter lúdico do cotidiano indígena – apropriado em favor da catequese jesuítica –, formas de organização temporal e espacial – modificados com as intervenções religiosas –, a idéia de territorialidade – concebida sobre costumes migratórios, visitas a parentes –, a origem e as transformações dos mitos, como já comentados no terceiro tópico deste texto.
Em síntese, no que diz respeito aos modos de vida, os historiadores tem se ocupado, predominantemente, em afirmar que os indígenas sempre trabalharam (não eram indolentes), apesar do escravismo a que foram submetidos, e gozaram de boa saúde (não eram frágeis). As teses relativas à educação escolar informam sobre a pluralidade de apropriações desse mecanismo não indígena. Por um lado é instrumento de controle estatal. Por outro, é instrumento de emancipação e conquistas, havendo inclusive grupos que pleiteiam a criação de instituições gerenciadas por indígenas em todos os níveis de escolarização.

Conclusões
Enfim, o que os historiadores têm afirmado recorrentemente nos últimos sete anos, sobre a experiência indígena no Brasil? Por meio de uma centena de exemplos, aproximadamente, pudemos perceber que os acadêmicos se esforçam para apresentar os indígenas como sujeitos históricos no passado e no presente. E exemplificaram tal condição, afirmando que indígenas fizeram alianças com motivos e atores os mais diversos, empregaram os instrumentos de subordinação como ferramentas de reivindicação dos seus direitos e reagiram à dominação europeia.
Historiadores também afirmam que as culturas são marcadas por intensa atividade para a produção da existência, ou seja, indígenas trabalham e nunca foram originalmente frágeis de saúde. Indígenas também reproduzem os seus modos de vida e mantém diferentes relações com a escola disciplinarizada, ou seja, contestam sua função controladora, ao mesmo tempo em que a consideram um instrumento de emancipação.
A respeito dos critérios de identificação, historiadores defendem a ideia de que são indígenas os que se afirmam e são reconhecidos como tal. Suas identidades tem caráter dinâmico e mutável – como as identidades dos não indígenas.
Não obstante o reconhecimento de que os indígenas são protagonistas, trabalhadores e produtores de suas identidades, os historiadores reconhecem o grande poder que os acadêmicos e o Estado exercem sobre esses processos de legitimação. Da mesma forma, continuam denunciando o etnocídio e o genocídio e a manutenção de conceitos evolucionistas que cercearam e ainda impedem o reconhecimento do direito ao passado e ao futuro dos indígenas.
A respeito das possibilidades de transposição didática dessas teses, é necessário refletirmos sobre algumas questões. A primeira delas: é necessário preencher todo o currículo com a experiência indígena, em termos espaciais e temporais? Penso que não. A experiência indígena deve ser chamada à cena didática quando os objetivos do projeto pedagógico, as demandas do alunado e a produção historiográfica local assim o exigirem.
Outra dúvida é quando à presença dos indígenas na escola. Será mesmo necessário por os alunos em contato com sujeitos que se assumem como tal? Correndo o risco da condenação acadêmica, eu ouso afirmar que não. A aprendizagem de conteúdos conceituais e atitudinais, como também a apreensão de valores – solidariedade, alteridade, tolerância, entre outros –, independem do contato físico com os objetos de conhecimento. Se assim o fosse, não compreenderíamos as ideias iluministas que forjaram os sentidos de igualdade de oportunidades e de direitos sob os quais se eleva o nosso sistema educacional. A presença física de indígenas na escola, em muitos casos, pode reforçar em vez de combater preconceitos.
Outra questão frequente nos cursos de formação continuada e que desafia a reflexão dos pesquisadores, sobretudo do ensino de história, refere-se aos limites da atualização historiográfica. Devemos incorporar ao ensino escolar todos os problemas, objetos e abordagens, ou seja, todas as teses produzidas no mundo acadêmico? É evidente que não. O mundo acadêmico tem suas próprias regras e uma delas é a liberdade para avançar – diria um leigo – a esmo, experimentar sem a necessidade de cumprir uma função social de caráter imediato. Esse traço distintivo da ciência nos obriga a reconhecer que nem todo o material produzido pela academia deverá e, mais importante, poderá figurar nos currículos, nos livros didáticos e nos planos de aula. Aqui, novamente, as demandas do alunato e as orientações do projeto pedagógico da escola estabelecem os limites da transposição.
Relacionada a essa limitação está a dúvida sobre as formas de explorar a diversidade dos indígenas que habitam o território nacional. Como abordar os direitos indígenas e ao mesmo tempo tratá-los em sua diversidade? As duas situações exigem, paradoxalmente, um tratamento homogeneizante e diferenciador. Coloquem-se na posição do elaborador de currículos ou do autor de livro didático: como distribuir a experiência de 240 grupos sem hierarquizá-los? Qual espaço atribuir a cada um, sabendo-se que as informações são dispersas e desiguais? Como evitar o emprego das palavras índio e indígena? Uma boa estratégia para a resolução desse problema é por os olhos no local. Homogeneizar e diferenciar são mais factíveis quando nos detemos à experiência do entorno do aluno.
Agora uma última questão para pensar: se não somos obrigados a incorporar, apresentar, consumir, preencher todo espaço e todo o tempo do currículo etc. – como defendo aqui – por que exigir do livro didático uma atualização olímpica em relação à produção acadêmica? Devemos excluir da sala de aula um livro que omite, por exemplo, a experiência indígena local? Para esse problema, proponho o que a vivência de muitos professores do ensino básico indica: um livro ruim será um excelente instrumento de aprendizagem se o professor estiver bem informado e engajado na tarefa de desenvolver as capacidades de conhecer, compreender e criticar do seu aluno. Assim, ao flagrar um erro de datação tópica ou cronológica, ao detectar uma interpretação incompatível com o nosso sistema de pensamento – uma identidade indígena a partir de critérios evolucionistas, por exemplo – o professor pode estimular os alunos a questionar e a apontar as contradições do discurso veiculado pelo material. Erros factuais podem ser corrigidos com mais e mais pesquisa.
A experiência dos mestres também indica que se a organização dos temas é pobre estética e cognitivamente, o professor pode explorar as mesmas questões mediante o uso de outras linguagens – sonora, visual – ou gêneros – artigos de jornal, depoimentos escritos. Se, por fim, os conceitos e teses disseminados pela pesquisa de ponta são requeridos pelo projeto pedagógico e pelas demandas do alunado, mas não estão contemplados no material didático, o professor pode elaborar atividades para desenvolvê-los junto aos alunos.
Em suma, o saber dos mais experientes professores indica que o compromisso com a aprendizagem do aluno e a informação atualizada são a chave para transpor as teses da pesquisa de ponta e contornar as deficiências de todos materiais didáticos que nos são apresentados ou impostos.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A experiência indígena entre os historiadores profissionais (2005/2009): possibilidades de transposição didática. Palestra proferida na Universidade Regional do Cariri – URCA. Crato, 30 ago. 2012. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/08/a-experiencia-indigena-entre.html>.
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OLIVEIRA, Jorge Eremiltes de, PEREIRA, Levi Marques. "Duas no pé e uma na bunda": da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da terra indígena Buriti. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
PINHEIRO, Niminon Suzel. Terra não é troféu de guerra. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
PIRES, Fabiana Pinto. Punições corretivas nas reduções jesuíticas do Rio da Prata (século XVII). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
PRESSOTTI, Thereza Martha. A conquista dos sertões do Cuiabá e d Mato Grosso: os numerosos reinos de gentios e a "guerra justa" aos Paiagua (1719/1748). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
ROCHA, Lecy Figueiredo. Ka Ba Boe Ba? - A indagação da nação Bororo diante das guerras e conflitos travados contra seus co-irmãos Cabaçais (1750/1843). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
RODRIGUES, Valéria Nogueira. De Guaikuru a Kadiwéu: conflito e transculturação. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
SANTOS, Francisco Jorge dos. Dois governadores, duas políticas indigenistas diferenciadas sob o mesmo diploma legal na segunda metade do século XVIII, na Amazônia portuguesa. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Associação Nacional de História, 2009. 1 CD-ROM.
SILVA, Tarcísio Glauco da. Junta de Civilização e Conquista dos Índios e Navegação do Rio Doce: fronteiras, conflitos e apropriação de espaços (1808/1822). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
TORRES-LONDOÑO, FERNANDO. Os jesuítas e a cristianização dos tupis nas missões de Mayanas. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.

Modos de vida
AGUIAR, José Otávio. Garapé: a guerra entre os índios Puri e Coroado nos sertões do Rio Pomba. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
ALMEIDA, Rosely Batista Miranda de. A guerra do Brasil com o Paraguai: a presença de grupos indígenas no conflito (1860/1870). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
AMANTINO, Márcia. A escravidão indígena e suas variações: Minas Gerais - séculos XVIII e XIX. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
BORGUES, Jóina Freitas. Documentos, cacos cerâmicos e fragmentos de Memória: os Tremembés descalços sobre mosaicos de suas histórias. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2009. 1 CD-ROM.
BRAGA, Márcio André. Discurso e prática indigenista no Rio Grande do Sul do século XIX. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Apropriações e influências do mito do Pay Sume na evangelização feita pelos jesuítas na América do Sul nos séculos XVI e XVII. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Culturas em contato e a tradução resignificadora do mito do Sumé. 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
CHAVES, América portuguesa: conquista e povoamento do extremo oeste.SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
CONCEIÇÃO, Taíse Ferreira da. Edificando sobre fundamento alheio: a catequese calvinista no Brasil colonial (1630/1654). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
FASSHEBER, José Ronaldo Mendonça. Kanjire X Estado: um etno-desporto Kaingang e a colonização brasileira no século XIX. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
FUGIMOTO, Juliana. A leitura Tupinambá da alteridade: o mito sobre a origem da guerra. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
GIROTTO, Renata Lourenço. O Serviço de Proteção aos Índios e a política indigenista republicana junto aos índios da Reserva de Dourados e Panambizinho na área da educação escolar (1929/1968). 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
GODOY, Silvana Alves. A vida de Itu e os negros da terra - séculos XVII e XVIII. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
LEMOS, Cesar de Miranda e. Fontes para um debate: os índios na urbanidade carioca no início do oitocentos. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
LOPES, Marta Maria. Grupos indígenas na fronteira oeste do Mato Grosso e suas relações com os militares brasileiros
MARCIS, Teresinha. O cotidiano das famílias indígenas da comarca de São Jorgue dos Ilhéus através dos documentos - 1758/1820. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
MARTINS, Guilherme Saraiva. A revolta indígena de 1643/1644 no Ceará: alianças e conflitos no Brasil holandês. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Associação Nacional de História, 2009. 1 CD-ROM.
MARTINS, Maria Cristina Bohn. Acerca da guerra e da paz nas crônicas jesuíticas das reduções: o caso da conquista espiritual de Montoya. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
MEDEIROS, Iraci Aguiar e GITAHY, Leda. A relação movimento indígena/Universidade: análise de uma experiência de formação de professores indígenas. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Associação Nacional de História, 2009. 1 CD-ROM.
MORAIS, Marcus Vinicius de. O primeiro conflito no Novo Mundo: o real e o imaginário. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Guerra e paz no Espírito Santo: caboclismo, vadiagem e recrutamento militar das populações indígenas provinciais (1922/1875). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
MOREIRA, Vânia Maria Lousada. Entre índios ferozes e negros do mato: sentimentos da construção da ordem nos sertões do Espírito sAnto durante a primeira metade do século XIX
OLIVEIRA, Jorgue Eremiltes de, PEREIRA, Levi Marques. "Duas no pé e uma na bunda": da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da terra indígena Buriti. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
PERALTA, Inez Garbuio e KASSAB, Yara. O desvelar das interações cotidianas entre jesuítas e indígenas brasileiros no século XVI: privilegiando o lúdico. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
RAMINELLI, Ronald. Honra e privilégio da família Camarão - 1630/1720. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
ROSA, Helena Alpini. A presença da escola na comunidade Tekoa Guarani: trajetória histórica. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
SABEH, Luiz Antonio. Colonização salvífica: o empreendimento missionário de Manoel da Nóbrega na América Portuguesa - 15491560. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
SCHALLENBERGER, Erneldo. O Guarani sem fronteiras na expansão das fronteiras sobre o Gauirá. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
SILVA, Giovani José da. Os índios Kadiwéu na História: problematizando fontes. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
SPOSITO, Fernanda. Conflitos entre indígenas e paulistas na ocupação dos extremos da Província de São Paulo (1822/1845). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
TORRES-LONDOÑO, FERNANDO. Os jesuítas e a cristianização dos tupis nas missões de Mayanas. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
TROQUEZ, Marta Coelho Castro. Professores índios na reserva indígena Francisco Horta Barbosa (Dourados-MS): a especificidade destes atores sociais e históricos. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.
TROQUEZ, Marta Coelho. Educação. Educação escolar indígena em dourados (MS: as instituições e os professores índios. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.
VIEIRA FILHO, Raphael Rodrigues. Contatos e solidariedades: negros e Payaya no sertão de Jacobina-BA. 24, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: Associação Nacional de História, 2007. 1 CD-ROM.





[1] Esta pesquisa pautou-se pelo exame de todos os trabalhos completos publicados nos Anais eletrônicos do XV Simpósio da Associação Nacional de História, ocorrido em São Leopoldo, no ano 2005. Foram selecionados, lidos e fichados todos os textos que contemplavam os indicadores “índio”, “índios”, “indígena”, “indígenas”. A leitura incorporou, portanto, os trabalhos que não fizeram parte do tradicional Grupo de Trabalho “História indígena”, organizado pelo professor John Monteiro. De cada texto foram selecionadas as proposições principais. Tais proposições foram categorizadas segundo as cinco tendências contemporâneas mais recorrentes no estudo da história indígena e do indigenismo (como descrito na introdução acima).
[2] Protagonista era o principal ator entre os três elementos clássicos do teatro grego (protagonista, coro e figurante). Ele encenava o papel mais importante. Em torno dele construía-se o enredo. (Cf. HOUAISS, 2007; MOSSÉ, 2004, p. 266). Historiadores empregam protagonista com mesmo sentido de sujeito histórico. Sujeito histórico é aquele que tem a idéia, toma a decisão de executá-la e a executa efetivamente. O responsável pela ação, portanto, pode não ser o mesmo sujeito, pode mesmo migrar do pessoal ao coletivo e vice-versa. (Cf. AROSTEGUI, 2000, p. 330).
[3] Para não poluir visualmente o texto – e, assim, facilitar a leitura –, relacionei todas as referências ao final, classificando-as tematicamente.
[4] Representações são os modos “como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é constituída, pensada, dada a ler”. Seu estudo volta-se para as “classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo real. [...] As representações do mundo social [...] são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam” (Chartier, 1990, pp. 16-17).
[5] Revisando a literatura a respeito, John Monteiro apresenta duas definições para etnogênese e as sintetiza: 1. Jonathan Hill (1996) – etnogênese inclui estratégias culturais e políticas de atores nativos, buscando “criar [e renovar] identidades duradouras num contexto mais abrangente de descontinuidades e de mudanças radicais”, [entendida, não somente] a partir das “relações entre sociedades subalternas e as estruturas de dominação de poder”, [mas também] nos conflitos internos e entre povos indígenas e afro-americanos’. 2. Gary Clayton Anderson (1999) – etnogênese “está radicada no processo no qual ‘pequenos bandos transformaram as suas culturas para se unir a outros grupos, abandonando as suas línguas, suas práticas sociais e mesmo processos econômicos para atender as demandas da nova ordem”. Tais processos envolviam a incorporação de elementos de outras etnias [...], bem como a “reinvenção e incorporação” de práticas e de tecnologias dos europeus, como o cavalo e o comércio. [...] as novas perspectivas passam a enfatizar a ação consciente e criativa de atores nativos, ação essa informada tanto por cosmologias arraigadas quanto por leituras da situação colonial [...]. (MONTEIRO, 2001, p. 56-57).

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