segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Perspectivas desenvolvimentais, aprendizagem e possibilidades de progressão a partir da obra de Lev Semenovich Vigotsky

Contando e escrevendo histórias
Na última postagem, afirmei que os desenvolvimentistas são os estudiosos das “continuidades sistemáticas e mudanças do indivíduo que ocorrem deste a concepção...até a morte” (Shaffer, 2005, p. 2).
Escrevi também, com apoio na literatura específica, que diferentes noções de homem têm originando várias teorias, não apenas do desenvolvimento, mas também da educação e da aprendizagem escolar, a exemplo da teoria congnitivo-desenvolvimental de Jean Piaget e da sócio-cultural de Lev Semenovich Vigotsky (1896/1934). Neste texto, tratarei de possíveis contribuições de Vigotsky para os trabalhos de progressão dos conteúdos de História
Da mesma forma que Piaget, Vigotsky não pautou as suas investigações por objetivos educacionais. Sua pesquisa não mirava, especificamente, a resolução de problemas práticos do cotidiano do professor, embora o seu trabalho tenha se desenvolvido no período imediatamente posterior à Revolução Russa (1917), “numa sociedade que procurava eliminar o analfabetismo e elaborar programas educacionais que maximizassem as potencialidades de cada criança” (Cole e Scribner, 2003, p. 13; Cf. John-Steiner e Souberman, 2003, p. 175).
Seus anseios, mais amplos, dizemos hoje, eram revolucionários e utópicos: a construção de um novo homem e de uma nova cultura, sociedade, ciência (inclusa a Psicologia) e instrução (Cf. Cubero e Luque, 2004, p. 94). Na realização desses planos, Vigotsky centrou grande parte da sua obra nas teses do materialismo histórico e do materialismo dialético,[1] como explicitado nesse fragmento:
Nuestra ciência no podía ni puede desarrollarse en la vieja sociedad. Ser dueños de la verdad sobre la persona y de la propia persona es imposible mientras la humanidad no sea dueña de la verdad sobre la sociedad y de la propia sociedad. Por el contrario, en la nueva sociedad, nuestra ciência se hallará en el centro de la vida. “El salto del reino de la necessidad al reino de la libertad” planteará inevitablemente la cuestión del dominio de nuestro próprio ser, de subordinarlo a nosotros mismos. (...) Será en efecto la última ciência del período histórico de la humanidad o la ciência de la préhistoria de esta humanidad. Porque la nueva sociedad creará al hombre nuevo. (Vygotsky, v. 1, 1991, p. 406, apud. Tuleski, s.d). 
Lendo e relendo Vigotsky, então, fico intrigado com a ausência dos seus livros na cabeceira dos professores de História que fazem das teses de Marx, Engels e Plenkanov a sua profissão de fé.
A dialética como ferramenta para a explicação da mudança social e psíquica, a ênfase no trabalho como criador do homem (e da cultura), a História como abordagem reveladora das identidades, a articulação passado/presente/futuro, os fenômenos do fracasso escolar e da delinquência infantil como implicações da desigualdade social e da exploração (presentes na sociedade classista), e a apologia ao ensino colaborativo, todo esse programa está presente nos seus escritos, mas não alimenta a epistemologia histórica, sequer representa elemento de diálogo com a teoria do ensino de História.
Lev Semenovich Vigotsky
Observem, agora, essas proposições: “o aluno educa a si mesmo. No fim das contas, o que educa os alunos é o que eles mesmos realizam e não o que recebem; os alunos só se modificam através de sua própria iniciativa” (Vigotsky, 2003, p. 177). Elas encerram visões materialistas e dialéticas de homem, natureza, trabalho, sociedade, educação, aprendizagem, ensino e, consequentemente, do lugar do professor e do aluno na produção da cultura.
Lamentavelmente, é necessário dizer, alguns colegas preferem fazer uma leitura simplória de Paulo Freire, sorvendo da frase vigotskyana (apropriada por Freire) o sentido empobrecido de que alunos e professores tem a mesma autoridade para tomar decisões sobre planejamentos, conteúdos, estratégias e prazos de entrega de notas em sala de aula.
Por esses exemplos, você já deve ter percebido a potencial relevância do teórico russo para a reflexão sobre o ensino de História. Mas, o meu objetivo, neste texto não é expor a teoria geral da educação de Vigotsky. Aqui, importam, por hora, as possibilidades de progressão dos conteúdos históricos sugeridas, ainda que indiretamente, por esse autor.
Para conhecer um pouco da contribuição de Vigotsky nessa área, tentarei responder às mesmas questões referidas no texto sobre Piaget: o que é o desenvolvimento, quais as funções psicológicas mobilizadas na aquisição do conhecimento, e quais os desdobramentos das concepções de desenvolvimento para as ideias de aprendizagem e distribuição sucessiva dos conteúdos históricos.
As duas primeiras questões são expostas no quadro n. 1.

Quadro n. 1
Desenvolvimento e habilidades envolvidas na aquisição do
conhecimento em Lev Semenovich Vigotsky 

Questões
Proposições
O que é o desenvolvimento?
Surgimento de algo novo (Vigotsky, 2003a, p. 249). Um processo de aparecimento sucessivo de formações novas sobre a base primária original (2003b, p. 191, 192).
Há dois tipos de desenvolvimento na filogênese e na ontogênese: a linha da evolução biológica e a linha da evolução histórica do comportamento [humano, ou seja, das funções psicológicas superiores] (Vigotsky, 2003b, p. 193).
Como ocorre o desenvolvimento?
De forma dialética. O desenvolvimento [não é] o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra (Vigotsky, 2003a, p. 96-97).
A atividade de utilização de signos nas crianças [por exemplo,] não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos... ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas. Cada uma dessas transformações cria as condições para o próximo estágio e é, em si mesma, condicionada pelo estágio precedente; dessa forma, as transformações estão ligadas como estágios de um mesmo processo e são, quanto à sua natureza, históricas (idem, 2003a, p. 60).
O desenvolvimento... se dá não em círculo, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova revolução, enquanto avança para um nível superior (idem, 2003a, p. 74).
O que condiciona o desenvolvimento?
O meio social – Ao contrário do amadurecimento dos instintos e das atrações inatas, a força motivadora, que determina o desencadeamento do processo [de formação dos conceitos] aciona qualquer mecanismo de amadurecimento do comportamento e o impulsiona para a frente pela via do ulterior desenvolvimento, não está radicada dentro mas fora do adolescente e, neste sentido, os problemas que o meio social coloca diante do adolescente em processo de amadurecimento e estão vinculados à projeção desse adolescente na vida cultural, profissional e social dos adultos são, efetivamente, momentos funcionais sumamente importantes que tornam a reiterar o intercondicionamento, a conexão orgânica e a unidade interna entre os momentos do conteúdo e da forma no desenvolvimento do pensamento. (Vigotsky, 2001, p. 171).
Como o conhecimento é adquirido?*
Mediante o uso dos signos (existência da linguagem). A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho (idem, 2003a, p. 71). O trabalho, como afirma Engels, desempenhou um papel decisivo no processo de transformação do macaco em homem. “o trabalho fez o homem”... e a linguagem humana, e a cultura humana, e o pensamento humano, e a projeção humana da vida no tempo. (Vigotsky, 2003a, p. 216).
Mediante processos de interação – [...] por acaso é de se duvidar que a criança aprende a falar com os adultos; ou que, através da formulação de perguntas e respostas, a criança adquire várias informações; ou que, através da imitação dos adultos e através da instrução recebida de como agir, a criança desenvolve um repositório completo de habilidades? (Vigotsky, 2003a, p. 110).
Mediante o processo de internalização das funções psicológicas superiores. Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual: primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (Vigotsky, 2003a, p. 75).
Que habilidades estão envolvidas na aquisição do conhecimento?*
Funções psicológicas elementares – atenção, sensação, percepção e memória.
Funções psicológicas superiores – atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos (Cf. Vigotsky, 2003a, p. 73, 75).
(*) Neste quadro, a palavra “conhecimento” guarda também os sentidos de construção do real e, mais adequadamente – para Vigotsky, apropriação da cultura.


Desenvolvimento e aprendizagem
Evidentemente, o quadro n. 1 é sumário e seleto.[2] Pensei delinear, minimamente, as categorias básicas que expressam a sua ideia de desenvolvimento humano. Este não é (apenas) um processo de maturação do organismo, a exemplo do desenvolvimento dos vegetais, tampouco de ampliação quantitativa das funções inferiores, como ocorre entre os animais irracionais.
O desenvolvimento humano “caracteriza-se por transformações complexas, qualitativas, de uma forma de comportamento em outra” (Vigotsky, 2003a, p. 25-25) mediante interação indivíduo/sociedade e internalização da experiência social no indivíduo. Os processos de interação e de internalização, por fim, somente são possíveis porque o homem possui linguagem (repito) e manipula signos: 
a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (Vigotsky, 2003a, p. 38). 
Além de explicitar as diferenças entre desenvolvimento humano e desenvolvimento dos animais irracionais, esta citação contempla uma noção de aprendizagem e a relação entre a produção de novas formas de comportamento e a aprendizagem no período escolar.
Lev Semenovich Vigotsky em sala de aula.
Vigotsky é enfático: se está claro que as crianças são dotadas de funções psicológicas primárias ao nascerem e, ainda, que aprendem desde o primeiro dia de vida (fazendo perguntas aos adultos e imitando os mais velhos, por exemplo), é lícito afirmar que a aprendizagem é anterior ao período escolar e coetânea ao desenvolvimento. Aprendizagem e desenvolvimento, portanto, “estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (Vigotsky, 2003a, p. 110).
Um exemplo extraído do “Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância” também nos auxilia no entendimento dessa relação. Nesse ensaio, Vigotsky afirma que a transformação do pseudoconceito em conceito é marcada pelos processos de “conscientização” e “arbitrariedade” dos sujeitos. Em outras palavras, no interior dos aprendizes ocorre a transferência de uma operação para o plano da linguagem (recriação no plano da imaginação) e, consequentemente, a submissão dessa mesma operação à vontade desse sujeito (assimilação) (Vigotsky, 2001, p. 275, 286). 
[...] a questão central desse processo é o emprego funcional do signo ou da palavra como meio através do qual o adolescente subordina ao seu poder as suas próprias operações psicológicas, através do qual ele domina o fluxo dos próprios processos psicológicos e lhes orienta a atividade no sentido de resolver os problemas que tem pela frente. [...]
O caminho entre o primeiro momento em que a criança trava conhecimento com o novo conceito e o momento em que a palavra e o conceito se tornam propriedade da criança é um complexo processo psicológico interior, que envolve a compreensão da nova palavra que se desenvolve gradualmente a partir de uma noção vaga, a sua aplicação propriamente dita pela criança e sua efetiva assimiliação apenas como elo conclusivo (Vigotsky, 2001, p. 169, 250). 
O uso indiscriminado que as crianças fazem da palavra “antes, tanto para antes como para depois” ou da palavra “amanha para amanhã e ontem”, para ficarmos com o exemplo vigotskyano (Cf. Vigotsky, 2001, p. 205), e o uso abstrato, autônomo e voluntário que nós adultos fazemos das mesmas, ilustra a passagem do pseudoconceito ao conceito real, bem como os processos de conscientização e assimilação característicos da aprendizagem[3] escolar.
Adiante, quando contesta, principalmente, as teses de que aprendizado e desenvolvimento sejam processos independentes (Piaget) ou processos idênticos (James e Thorndike), Vigotsky revela a importância do aprendizado escolar numa série de proposições[4] e conclui: 
o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança [...]
Nossa hipótese estabelece a unidade [dialética] mas não a identidade entre processos de aprendizado e os processos de desenvolvimento interno. Ela pressupõe que um seja convertido no outro. (Vigotsky, 2003a, p. 117-118). 
Conteúdos, atividades e possibilidades de progressão
Vimos que o aprendizado é processo fundamental na vida do ser humano.  Quais seriam, então, os caminhos para a instituição do “bom aprendizado” ou seja, daquele aprendizado “que se adianta ao desenvolvimento”? Vigotsky sugere a instituição de uma ferramenta: o conceito de Zona do Desenvolvimento Proximal (ZDP).
A ZDP é definida como “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (Vigotsky, 2003a, p. 112). ZDP é um instrumento. Ele possibilita o aumento da “eficiência” e da “utilidade” da aplicação de métodos diagnósticos do desenvolvimento mental a problemas educacionais (Cf.  Vigotsky, 2003a, p. 114).
Mas, a ZDP também pode melhorar as práticas dos professores. Ela possibilita diagnósticos acerca das idades mentais reais e potenciais, que alimentam programas curriculares e planejamento de atividades, de forma a evitar um dos maiores equívocos da Pedagogia do seu tempo (e do nosso também): a inadequação dos conteúdos às potencialidades psicológicas dos alunos. Sobre o tema, Vigotsky sentencia: “ensinar uma criança o que ela não é capaz de aprender é tão estéril quanto ensiná-la a fazer o que ela já faz sozinha” (Vigotsky, 2001, p. 337).
O emprego da ZDP também desencadeia uma nova relação do professor com os componentes curriculares. Para Vigotsky, não há disciplina que, sozinha, tenha o poder de desenvolver todas as funções psicológicas, a exemplo do papel exercido pelo grego e a gramática latina entre os adeptos da disciplina formal. Todos os conteúdos disciplinares contribuem para o desenvolvimento de todas as funções. Todos estão submetidos aos processos de tomada de consciência e de assimilação (Cf. Vigotsky, 2001, p. 325-326).
O lugar das disciplinas no currículo e a progressão (dialética) dos seus conteúdos nas práticas escolares, enfim, estão implícitas nos balanços dos comentadores de Vigotsky ao tratarem das implicações educacionais da sua obra. Palavras como “ancoragens”, “participação orientada”, “ensino recíproco”, “assistência”, “diálogo”, “mediação”, entre outras, são empregadas para descrever, por exemplo, a produção de estratégias de ensino e o estudo da relação escola/produção da subjetividade que conservam as principais contribuições do psicólogo russo para uma teoria da cognição humana (Cf. John-Steiner e Souberman, 2003, p. 175; Rego, 2005, p. 59).
Para encerrar, cito três estratégias de ensino inspiradas nessas expressões que explicitam suficientemente algum tipo de progressão na exposição dos conteúdos e das atividades de ensino organizadas pelo professor.

Modelo de ensino recíproco (A. Brown e A. S. Palincsar)
[...] não parece difícil identificar, no delineamento do ensino proposto por esse modelo, três idéias fundamentais sobre os processos de ajuda e assistência na ZDP, extraídas em boa parte da noção de andaime que Bruner e colaboradores propuseram a partir da análise de situações interativas adulto/criança no momento de resolver conjuntamente um problema: fazer o aprendiz participar desde o começo no conjunto da tarefa; oferecer ajudas contingentes, de acordo com a atuação do aprendiz; e assegurar a transferência ao aprendiz da responsabilidade de fazer a tarefa para garantir a sua capacidade de utilizar de maneira autônoma as habilidades implicadas.
Por outro lado, o modelo valoriza, como um elemento central, a importância da linguagem como um instrumento mediador da interação e, ao mesmo tempo, aproxima o uso que se faz na forma de diálogo, de algumas das classes de mediação que podem favorecer a criação de zonas de desenvolvimento próxima e avança por meio dessas zonas. (Salvador et all, p. 266).

Participação orientada em contextos de desenvolvimento (B. Rogoff)
[...] noções como as de apprenticeship e participação orientada, propostas por Rogoff... também indicam algumas condições pertinentes em relação [à aprendizagem em contextos de desenvolvimento]: aproveitar e incorporar a iniciativa e as ações da criança, permitir-lhe incorporar e inserir a sua atuação em atividades social e culturalmente significativas, dando-lhe uma estrutura de suporte para resolver as tarefas que estejam implicadas na atividade, aproveitar as possibilidades que oferecem aspectos como a seleção de materiais ou tarefas para abastecer a criança com formas de ajuda, aproveitar igualmente formas de ajuda indireta por meio da observação e da modelagem, ou da interação entre iguais, oferecer ajudas e suportes contingentes à sua capacidade e supri-lo naquilo que não seja capaz de fazer, proporcionar pontes e relações constantes entre as habilidades e os conhecimentos que a criança domina e as requeridas aos novos contextos e tarefas, ou promover a assunção progressiva do controle sobre a atividade por parte da criança. (Salvador et. all, 2000, p. 264).

Participação guiada (M. J. Rodrigo e R. Cubero)
Os processos de troca e de negociação no cenário (Rodrigo e Cubero, 1998) realizam-se por meio da participação guiada. Esta supõe o professor como guia para a aprendizagem dos alunos, ao mesmo tempo em que participa, junto com eles e lhes oferece vários tipos de ajuda: 1. constrói pontes do nível de compreensão e de habilidade do menino e da menina até outros níveis mais complexos; 2. estrutura a participação das crianças, manipulando a apresentação da tarefa de forma dinâmica, ajustando-se às condições do momento; 3. transfere gradualmente o controle da atividade até que o próprio aluno seja capaz de controlar por si mesmo a execução da tarefa. (Cubero e Luque, 2004, p. 105).
Conceitos como os de “ensino recíproco” e “participação guiada”, originados dessas pesquisas e as próprias ideias-força de Vigotsky sugerem que os conteúdos históricos – aqui entendidos como conhecimentos (conceituais e factuais) e habilidades – podem ser distribuídos de forma progressiva e dialética, considerando: 1. as peculiaridades da aprendizagem humana – o emprego da linguagem e as potenciais transformações que ela opera no seu portador; 2. o nível real de maturidade das funções psicológicas do aluno (atenção, sensação, percepção e memória), indicado a partir daquilo que ele pode saber/fazer/resolver sozinho; 3. os conhecimentos prévios dos alunos (informações e habilidades adquiridos espontaneamente e fora de situações didáticas); 4. o nível potencial das funções psicológicas, indicado a partir daquilo que ele pode saber/fazer/resolver com orientação de pessoas mais experientes; e 5. as potenciais trocas estabelecidas entre alunos e alunos, alunos e professores, alunos e familiares, alunos e outros sujeitos históricos do seu entorno, alunos e materiais didáticos significativos.
Na prática cotidiana de seleção de sequências didáticas para currículos e planos de aula, esses condicionantes põe por terra alguns procedimentos e concepções convencionais, sugerindo que: 1. não há conteúdos factuais e conceituais inerentemente incompreensíveis em determinadas idades; 2. não há habilidades históricas – a articulação passado-presente-futuro, por exemplo – inerentemente inatingíveis em determinada idade escolar; 3. o ensino de História não é (isoladamente) o responsável pelo desenvolvimento de “uma” função psicológica em particular – a crítica da informação ou tomada de posição, por exemplo; 4. a interdisciplinaridade (como estimuladora de diferentes funções psicológicas) não deve caracterizar todas as atividades históricas planejadas para os alunos, posto que qualquer objetivo dito específico/singular ao ensino de história, sozinho, já mobiliza e desenvolve várias funções psicológicas.

Conclusões
Vimos, então, que Vigotsky pensa o desenvolvimento humano de forma dialética e em diferentes dimensões: espécie, sociedade, indivíduo e acontecimento. Desenvolvimento, no âmbito deste texto, foi abordado em suas dimensões individual e cognitiva. Foi definido como processo de ampliação da complexidade (ou conversão) das funções psicológicas – de elementares a superiores –, desencadeado e estimulado pela aprendizagem escolar.
Aprendizagem escolar, por sua vez, ganhou o sentido de fenômeno eminentemente humano e, por isso, social e interativo. Criticada e desenvolvida pelos vigotskyanos, essa ideia-força fundamentou novas pesquisas sobre a relação cultura/processos de cognição humana e a criação novas práticas educativas no âmbito escolar.
Tais práticas sugerem que as atividades de planejamento e de regência em História não devam ser prescritas a partir de escalas universais (da História acadêmica ou Psicologia experimental). As idades mentais – os estágios de desenvolvimento das funções psicológicas – são diferenciadas entre os alunos e entre as culturas e isso implica em distribuir atividades dialogadas/colaborativas (que veiculam conteúdos conceituais e factuais – que desencadeiam novas habilidades) a partir de escalas móveis cujos limites são construídos entre aquilo que os alunos podem fazer sozinhos e o que só podem realizar a partir do auxilio de pessoas mais experientes.
Isso também pode resultar no redimensionamento dos objetivos e da a relevância do ensino de História para os alunos do período circunscrito entre, aproximadamente, os 3 anos e os 14 anos de idade. A aquisição/construção e o desenvolvimento da ideia de passado, por exemplo, não deve ser atribuída, exclusivamente, à História escolar. Por outro lado, ensinar História é atuar no desenvolvimento de várias funções psicológicas, inclusive daquelas, predominantemente e convencionalmente, situadas na órbita da língua vernácula, Matemática e Ciências físico-naturais.
Como as preocupações de Vigotsky explicitadas nos textos que empreguei para esta postagem concentram-se na relação desenvolvimento-aprendizagem (infância/adolescência), não percebi referências à progressão dos conteúdos/atividades destinados ao ensino de adultos, posto que as funções psicológicas superiores destes (é óbvio) já estariam plenamente desenvolvidas.
No entanto, com base na sua utopia revolucionária, no que diz respeito à formação do homem novo – resultante da luta constante “entre o homem e o mundo e dentro do próprio homem” (Vigotsky, 2003b, p. 170) –, não seria exagerado conjecturar que o currículo de História para os adultos poderia obedecer a uma progressão cronológica crescente e dialética, estabelecendo, assim, uma correspondência (rara) entre os planos filogenético, histórico-social e o ontogenético.
Este seria, talvez, o modo mais adequado para informar sobre a experiência humana no tempo e a construção dos sujeitos autônomos. Cada período histórico representaria, então, um estágio desenvolvido a partir da negação (e conservação) do período anterior. O currículo que expusesse a história da(s) classe(s) dessa maneira poderia servir, ao mesmo tempo, como conhecimento sobre a experiência externa e meta-conhecimento sobre os processos de construção do real dentro/e sob o domínio do próprio homem.

Fontes das imagens
Contando e escrevendo histórias. Antonio Gally Neto e Marianne Gally. Foto: Itamar Freitas, 2011.
Lev Semenovich Vigotsky. Disponível em: <http://blog.pucp.edu.pe/media/229/20070829-Vigotsky_.jpg>. Consultado em 7 fev. 2011.
Lev Semenovich Vigotsky em sala de aula. Disponível em: <http://www.krishnamurti-educador.org/Educar/images/stories/vygotsky_teaching.jpg>. Consultado em 7 fev. 2011.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Perspectivas desenvolvimentais, aprendizagem e possibilidades de progressão a partir da obra de Lev Semenovich Vigotsky. <http://itamarfo.blogspot.com/2011/02/perspectivas-desenvolvimentais.html>.

Referências
COLE, Michael e SCRIBNER, Sylvia. In: VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003a. pp. 1-19.
CUBERO, Rosario e LUQUE, Alfonso. Desenvolvimento, educação e educação escolar: a teoria sociocultural do desenvolvimento e da aprendizagem. In: COLL, César; MARCHESI, Álvaro e PALACIOS, Jesús (org.). Desenvolvimento psicológico e educação. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp. 94-106.
JOHN-STEINER, Vera e SOUBERMAN, Ellen. Posfácio. In: VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003a.
pp. 161-179.
REGO, Tereza Cristina. Ensino e constituição do sujeito. Viver – Mente&Cérebro. Rio de Janeiro, v. 2, p. 58-67, 2005. (Edição especial – Coleção Memória da Pedagogia, v. 2).
SALVADOR, César Coll et. al. A teoria sociocultural da aprendizagem e do ensino. In: Psicologia do ensino. Porto Alegre: Artmed: 2000. pp. 258-269.
SHAFFER, David R. A perspectiva sociocultural de Vygotsky. In: Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Cangage Learnig, 2009. pp. 247-257.
TULESKI, Silvana Calvo. Para ler Vigotsky: recuperando parte da historicidade perdida. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/2024t.PDF>. Consultado em: 7 fev. 2011.
VIGOTSKI, Lev SEmenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003a.
______. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 2003b.

Notas
[1] O método dialético orienta a elaboração de suas proposições sobre as formas de desenvolvimento da espécie humana, das sociedades, dos indivíduos e, entre os aspectos biológicos e histórico-sociais dos indivíduos. Também são abordados dialeticamente o desenvolvimento das funções psicológicas inferiores e superiores, das ferramentas que medeiam a atividade humana (sistema simbólico de representação gráfica) e, principalmente, o próprio processo de produção do conhecimento psicológico, como podemos observar no fragmento que se segue: “O desenvolvimento das ideias e concepções científicas produz-se de forma dialética. Durante o processo de desenvolvimento do conhecimento científico sucedem-se pontos de vista opostos sobre o mesmo objeto de estudo e, com freqüência, uma nova teoria não é continuação direta da precedente, mas sua negação dialética. A nova teoria conserva as descobertas da teoria precedente que resistira à verificação histórica, mas em sua formulação e em suas conclusões procura superar as limitações destas e abarcar camadas de fenômenos novas e mais profundas. [...]As concepções sobre o intelecto dos animais também se desenvolveram de forma dialética. Podemos assinalar e analisar claramente as três etapas percorridas ultimamente por essa disciplina em sua evolução” (Vigotsky, 2003a, p. 201).
[2] Para minimizar as discrepâncias em termos de vocabulário e sentido dos conceitos – “desenvolvimento”, “evolução”, “processo”, “conversão”, “transição” e “revolução” –, os textos foram extraídos, em sua maioria, do título A formação social da mente (Vigotsky, 2003a), que se refere, dominantemente, ao desenvolvimento na criança.
[3] É importante reter aqui o sentido da aprendizagem vigotskyana produzido por seus continuadores: “a teoria sociocultural entende a aprendizagem como um processo distribuído, interativo, contextual e que é resultado da participação dos alunos em uma comunidade de prática. Aprender, de acordo com essa concepção, não significa interiorizar um conjunto de fatos ou de entidades objetivas, mas sim participar de uma série de atividades humanas que implicam processos em contínua mudança” (Cf. Lave, 1996, apud. Cubero e Luque, 2004, p. 104).
[4] Também merecem destaque: “o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança (Vigotsky, 2003a, p. 110); “aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento” (idem, p. 118); “os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado” (idem, p. 118). Por fim, essa longa citação-síntese: “[...] a tomada de consciência se baseia na generalização dos ´róprios processos psíquicos, que redunda em sua apreensão. Nesse processo manifesta-se em primeiro lugar o papel decisivo do ensino. Os conceitos científicos – com sua relação inteiramente distinta como o objeto –, mediados por outros conceitos – com seu sistema hierárquico interior de inter-relações –, são o campo em que a tomada de consciência dos conceitos, ou melhor, a sua generalização e a sua apreensão parecem surgir antes de qualquer coisa. Assim surgida em um campo do pensamento, a nova estrutura da generalização, como qualquer estrutura, é posteriormente transferida como um princípio de atividade sem nenhuma memorização para todos os outros campos do pensamento e dos conceitos. Desse modo, a tomada de consciência passa pelos portões dos conceitos científicos” (Vigotsky, 2001, p. 290).