domingo, 9 de janeiro de 2011

Conteúdos e progressão dos conteúdos no ensino de História (2): as potenciais contribuições dos teóricos do desenvolvimento (Jean Piaget)


Detalhe da capa de Lições do Rio Grande (Livro do Aluno). Porto Alegre: Secretaria de Estado da Educação, s./d.
O texto que vocês acompanham desde o domingo passado (2 jan. 2011) e que se estenderá pelas próximas semanas está relacionado à natureza dos conteúdos e, principalmente, às formas de distribuição (progressão) dos conteúdos de História em planos de aula, de unidade, ano, série, nível de ensino e, principalmente, nos currículos para a escolarização básica.
Os escritos foram divididos em cinco partes que tratam, respectivamente, de 1) definições de conteúdos históricos a partir dos currículos de História de alguns países da América, Europa e Oceania; 2) justificativas para o estudo da progressão no ensino de História e explicações e sugestões dos teóricos do desenvolvimento humano – Jean Piaget; 3) explicações e sugestões dos teóricos do desenvolvimento humano – Lev Semenovich Vigotsky; 4) explicações e sugestões de historiadores e pesquisadores do ensino de História para a progressão dos conteúdos históricos; e, 5) exemplos de progressão dos conteúdos históricos em alguns países da América, Europa e Oceania.
Na postagem de hoje, apresento algumas justificativas para o estudo da progressão no ensino de História, listo questões e teses fundamentais produzidas pelos teóricos do desenvolvimento nos últimos 100 anos, e anuncio potenciais usos da relação desenvolvimento/aprendizagem/progressão a partir da obra de Jean Piaget.

Por que estudar a progressão dos conteúdos históricos?
Conhecidos alguns sentidos para a palavra conteúdo e a definição operacional elaborada para este trabalho, indaguemos sobre a razoabilidade de se estudar a distribuição e a progressão dos conteúdos históricos.
É comum ministrar a mesma aula de História em turmas do segundo e do quinto ano ou, ainda, do sexto e do oitavo ano do Ensino Fundamental? Por que alguns professores universitários mantêm intactos seus planos de ensino, por anos a fio, independentemente de a disciplina estar situada no primeiro ou no oitavo período da licenciatura? O que diferencia o aluno do ensino superior do aluno do ensino fundamental?
Responder a essas perguntas é fácil. Todos dizemos que não se pode “dar” a mesma aula para alunos em distintos “estágios de desenvolvimento.” A escolarização básica é compreensivamente estruturada em “séries” ou “ciclos”, e essa disposição é tão óbvia que não questionamos a origem e a função de tais termos.
No ensino superior, ao contrário, é possível aplicar o mesmo plano em qualquer ano da graduação porque supomos que todos os alunos já estão “crescidos” e “maduros”. O próprio qualificativo – “superior” – é, muitas vezes, entendido como “fase” final de uma formação escolar exigida pela sociedade, que parte de estudos gerais sobre a vida e se finda com a especialização profissional em determinado campo, adquirida em universidades, institutos de pesquisa, centros de estudo ou faculdades.
Desenho de escola por um aluno de 11 anos.
Ausência de perspectiva, indiferença
nas dimensões dos personagens em
primeiro e em segundo plano.
Características de “realismo intelectual”
(estágio anterior aos 8 anos de idade).
Kevin Chagas Bacchus. Boa Vista, 2008.
Até aí, a maioria concorda: as aulas devem respeitar, entre tantas outras variáveis, as “idades” e as “dimensões” cognitiva, física e afetiva dos alunos. O problema começa quando nós professores somos chamados a anunciar e a justificar os critérios empregados na “sequência” e na “dosagem” dos conhecimentos e habilidades adquiríveis entre a primeira e a última série do ensino fundamental, por exemplo.
Tente argumentar sobre a sua prática: como você legitima a distribuição de conteúdos e carga horária no seu planejamento anual? É provável que lance mão de preceitos disseminados há, no mínimo, 500 anos, tais como: partir “do simples para o complexo”, “do próximo para o distante”, “do conhecido para o desconhecido”.
Visando, ainda, explicitar os fundamentos da sincronia entre os conteúdos e “etapas” às quais pertençam os seus alunos, é possível que você empregue procedimentos estatísticos: estabelecer padrões inicial (mínimo) e final (médio) e distribuir os conceitos e atividades, em “progressão aritmética crescente”, entre esses dois limites capitais.
Qual desses parâmetros respeita os avanços das pesquisas educacional e historiográfica? Qual deles nos fornece garantias de que a distribuição adotada viabiliza ou, pelo menos, não apresenta maiores empecilhos à aprendizagem histórica? O que significaria partir do simples e chegar ao complexo, em História? Qual é o padrão inicial e o padrão final em termos de conhecimentos e habilidades históricas? “Quanto” de informação o aluno pode e/ou deve manipular ao longo dos 9 anos do ensino fundamental?
Esse tipo de resposta nós encontraremos, inicialmente, nas teorias do desenvolvimento. Mas, é preciso estar consciente de que a pesquisa científica não oferece “a” resposta para essas questões. Isso ocorre, em primeiro lugar, porque uma das (descobertas e, por conseguinte, das) posições mais sensatas, assumidas por alguns estudiosos nas últimas duas décadas, tem sido o “ecletismo teórico”, ou seja, a ideia de que “diferentes teorias enfatizam diferentes aspectos do desenvolvimento, e o conhecimento de diversas teorias é necessário para explicar o curso e as complexidades do desenvolvimento humano”. (Shaffer, 2005, p. xx). O pensamento contrário, ou seja, a escolha de uma teoria educacional como orientadora de todas as tarefas escolares (Cf. Salvador, 2000, p. 211, 355) só costuma acontecer em contextos de fundamentalismo (religioso, político ou científico, entre outros).
Além dessa limitação humana – de não se poder estudar tudo sobre todos os aspectos e ao mesmo tempo –, as explicações sobre as diferenças intra/inter pessoais, sociais, culturais e, particularmente, entre criança e adulto, pessoa em formação e pessoa madura são elaboradas por filósofos, antropólogos, sociólogos, historiadores, psicólogos, biólogos, neurocientistas, entre outros tantos profissionais, cada um a seu tempo e modo e segundo particulares orientações epistemológicos e condicionantes ecológicos. Em outras palavras, as versões razoáveis sobre diferenças desenvolvimentais, que estão ao nosso alcance, são devedoras de variadas concepções de ciência e de homem.
A própria riqueza do nosso glossário escolar – crescer, modificar, formar, amadurecer, desenvolver, graduar, progredir, série, ciclo, grau, nível, básico, fundamental, médio, superior, fase, etapa, estado, estágio, período etc. – já é indício da variedade de campos do saber e de teorias que tentam responder, por exemplo, porque não se deve ensinar história local a uma adolescente de 11 anos, que passa horas à frente do computador operando um site de relacionamento virtual, da mesma forma que a uma mulher nascida ao final da Primeira Guerra Mundial, formada e ainda ambientada no mundo da cultura oral.
Em síntese, devemos, sim, estudar a distribuição sucessiva dos conhecimentos e habilidades históricas – aqui chamada de progressão –, e à luz de procedimentos extraídos de investigações rigorosas, sistemáticas e controladas. Essa atitude está fundada na consciência de que processo de escolarização básica significa também um processo de maturação do corpo discente em seus aspectos físico, cognitivo e afetivo.
Mas, como fazer valer a orientação de que o processo de maturação exige da escola conhecimentos e habilidades históricas adequadas aos diferentes momentos da experiência, às suas rupturas e/ou continuidades? Como planejar a progressão de forma a menos arbitrária possível, distanciando-se (e avançando para além) daquela máxima que se encerra em si mesma, citada no início deste texto: “é claro que não se pode dar a mesma aula. Afinal, os alunos encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento”?
Vamos conhecer um pouco desse intrincado jogo de justificativas e critérios de distribuição dos conteúdos históricos, pondo os olhos, inicialmente, nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem de (e baseadas em) autores legitimados pela tradição pedagógica brasileira, tais como Jean Piaget e Lev Semenovich Vigotsky.

Perspectivas desenvolvimentais, teorias da aprendizagem e possibilidades de progressão na obra de Jean Piaget
Desenvolvimentista é o nome dado ao estudioso das “continuidades sistemáticas e mudanças do indivíduo que ocorrem deste a concepção...até a morte” (Shaffer, 2005, p. 2), em outras palavras, desenvolvimentista é o especialista nos processos de desenvolvimento humano.
Aqui, os desenvolvimentistas são chamados à cena, sobretudo, por causa da relação necessária entre as ideias de homem e as de currículo. Se os currículos (com todas as orientações em termos de conteúdos, concepções de ensino, aprendizagem e estratégias de avaliação) são instrumentos de formação de pessoas, se são “documentos de identidade” (Cf. Silva, 2003), é compreensível que os seus criadores partam de determinada noção de homem, que considerem a condição ativa ou passiva desse homem, como também o caráter contínuo ou descontínuo do seu desenvolvimento (processo de maturação).
Essas divergências, como anunciado na postagem anterior, tem originando diferentes teorias, não apenas do desenvolvimento, mas também da educação e da aprendizagem escolar. É esse tipo de variação, em forma de modelos, questões e teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, que o quadro n. 1 apresenta.

Quadro n. 1
Modelos e teorias do desenvolvimento
Questões/Modelos
Mecanicista
Organísmica
Contextual
O que é o homem?
Máquina – um conjunto de partes (peças) que podem ser decompostas.
Indivíduo completo – oposto à soma de partes.
Sujeito ativo que interage com o ambiente.
O homem é
ativo ou passivo?
Passivo – homens mudam apenas com a influência externa.
Ativo – homens mudam em resposta a forças internas (como instinto e maturação).
Ativa – homens agem, mas o ambiente também interfere no seu desenvolvimento.
O que é o desenvolvimento?
Processo que ocorre de forma gradual ou continua, à medida que as partes (padrões de comportamento) são acrescentadas ou retiradas.
Processo que ocorre por estágios diferentes (descontínuos) conforme os [homens] amadurecem.
Relação dinâmica entre o indivíduo e o ambiente. Possui aspectos peculiares a certas culturas, tempos ou indivíduos. Pode ser um processo  contínuo ou descontínuo.
Quais as teorias e os autores mais representativos ?
Behaviorismo (Watson), Aprendizagem operante (Skinner), Sócio-cognitiva/Aprendizagem observacional (Bandurra).
Psicanalítica (Freud, Erickson), Cognitivo-desenvolvimental (Piaget), Etológica ou evolucionista (Gessell, Bowlby, Gottlieb).
Sócio-cultural (Vigotsky), Processamento da informação (Siegler, Crowley, Munakata), Sistemas ecológicos (Bronfenbrenner).
Construído a partir do texto “Teorias do desenvolvimento humano”. Schafer, 2005, p. 35-67.

O quadro n. 1, como vemos, apresenta várias noções de natureza humana, desenvolvimento humano e também as teorias e os autores que podem ser classificados como desenvolvimentistas. É possível, portanto, que o Behaviorismo, Aprendizagem operante, Sócio-cognitivismo, Psicanálise, Cognitivismo desenvolvimental, Evolucionismo, Sócio-interacionismo, Processamento da informação e Sistemas ecológicos orientem a elaboração de currículos e, consequentemente, a distribuição de conteúdos pelo professor.
Todas se ocupam, de alguma forma, com os aspectos físicos, cognitivos, afetivos (individuais e sociais), fornecendo critérios para o planejamento da educação escolar. Mas, na impossibilidade de extrair de cada uma delas as orientações sobre as relações entre desenvolvimento, aprendizagem e progressão dos conteúdos, selecionei duas teorias abonadas por vários países ocidentais, entre os quais o Brasil. Trata-se da teoria Cognitivo-desenvolvimental, fundada por Jean Piaget, e da teoria Sócio-cultural, de Lev Semenovich Vigotsky (objeto da próxima postagem).
Piaget, sabemos todos, não pautou as suas pesquisas por objetivos educacionais, apesar de ter discutido aprendizagem e aquisição do conhecimento. Foi um epistemólogo (Salvador et. al, 2008, p. 248). Seus leitores autorizados também ponderam sobre as possibilidades de transferência das suas teses para a educação escolar (Cf. Davis, 2005, p. 49).
No entanto, o psicólogo publicou alguns trabalhos em final de carreira com preocupações especificamente pedagógicas, tais como o respeito às diferenças individuais, a necessidade de apresentar atividades desafiantes ao aluno e a aprendizagem por descoberta (Cf. Shaffer, 2005, p. 239).
Além disso, legitimou o emprego escolar dos resultados das suas pesquisas quando, por exemplo, denunciou o, digamos, despreparo dos profissionais da educação em relação ao conhecimento do desenvolvimento mental dos alunos:
É surpreendente como todos estão convencidos de que para ensinar matemática há necessidade de conhecê-la, sem ter de preocupar-se em como as noções se constroem efetivamente no pensamento da criança. Certamente deve-se ser concreto, “intuitivo”, etc. e, sempre que for preciso, inspirar-se na história das matemáticas, como se o desenvolvimento dos descobrimentos, desde Euclides até hoje, fosse paralelo às etapas da construção psicológica real das operações. Porém, ninguém se preocupa com essa construção psicológica por si mesma (Piaget, 1972, 1974, p. 47-48, apud. Salvador et al, 2000, p. 253).
Sem exagero algum, podemos substituir, na citação acima, o termo Matemática por História e o período corresponderá à realidade de muitas instituições brasileiras de ensino escolar e universitário. Trata-se da centenária ideia, inicialmente vinculada ao professor do ensino secundário, de que o bom profissional é aquele que tem a capacidade ampliada de reter e de expor a historiografia sobre pré-história, antiguidade, medievo, Brasil colonial, e assim por diante.
Se queremos experimentar o contrário, então, não custa observar o quadro n. 2 que apresenta elementos para se pensar a progressão dos conteúdos. Por ele, conhecemos as ideias de desenvolvimento, seus determinantes, as formas pelas quais o conhecimento da realidade é adquirido (ou a realidade é construída), os modos de pensamento e de ação e, por fim, o conjunto de funções/habilidades características de cada um desses esquemas.[1]

Quadro n. 2
Desenvolvimento e habilidades envolvidas na aquisição do
conhecimento em Jean Piaget
Questões
Proposições
Como ocorre o desenvolvimento?
Desenvolvimento da criança significa desenvolvimento mental. Ele resulta da sucessão de três modos de pensamento e ação (esquemas): sensório-motores (0a 2 anos), simbólicos (2 a 7 anos)  e operacionais (concreto – 7 a 11 anos, e formal – 11 ou 12 anos em diante).
Quais os determinantes do desenvolvimento?
A “maturação dos sistemas nervoso e endócrino” (dimensão física/orgânica/biológica), “o exercício e a experiência adquirida na ação efetuada sobre os objetos” (dimensão cognitiva), as “interações e transmissões sociais” (dimensão afetiva).
Como o conhecimento é adquirido?
A “incorporação do universo a si próprio” (compreensão e explicação do real pelo homem) é um processo (contínuo) de equilibração. Contempla o surgimento de uma necessidade (desequilíbrio) que mobiliza o sujeito (criança ou adulto) a agir (interesse) para satisfazer tal necessidade (equilíbrio). É uma “sequência de compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações exteriores.”
Que funções / habilidades estão envolvidas no pensar e na aquisição do conhecimento?*
No Estágio pré-operacional ou esquemas simbólicos: imitação diferida, jogo simbólico (de ficção), desenho (imagem gráfica), imagem mental, e evocação verbal (de acontecimentos não atuais), lembrança-imagem (memória), e linguagem.
No Estágio das operações concretas (raciocínio a partir do agrupamento de objetos): seriação, classificação, aquisição das ideias de número (inteiro), de medidas de espaço, tempo, velocidade, e idéias de causa e acaso.
No Estágio das operações formais (raciocínio a partir do agrupamento de hipóteses): combinatória (combinação de idéias ou hipóteses por implicação, disjunção, exclusão, incompatibilidade e implicação recíproca, e inferência a partir dessas hipóteses), proporções (espaciais, velocidades métricas, equilíbrio), sistemas duplos de referência (reciprocidade), e probabilidades (assimilação de acaso).
Quadro construído a partir da leitura de Piaget e Inhelder (1990) e Piaget (1972).
(*) Neste quadro, transpus apenas os esquemas piageteanos relacionados à escolaridade conhecida no Brasil como Ensino Fundamental e Ensino Médio.
A leitura do quadro n. 2 pode nos auxiliar a entender a razão das censuras de Piaget aos profissionais da educação.  Mas, devem também explicar a exortação do psicólogo César Coll Salvador:
Graças a Piaget, temos um modelo de funcionamento individual e uma explicação dos mecanismos gerais por meio dos quais os alunos podem adquirir novos conhecimentos. E isso é essencial quando devemos delinear programas, elaborar tarefas, organizar atividades na aula e entender as dificuldades que os alunos apresentam de acordo com as suas capacidades cognitivas. Também é essencial quando necessitamos planejar situações educativas que potencializem o papel intuitivo e criativo dos alunos e que se distanciem de modelos de transmissão passiva da informação (Salvador et. all, 2000, p. 256, grifos meus).
Mas, em que medida Piaget pode orientar a progressão dos conteúdos históricos? O quadro n. 2 relaciona as funções nascidas/transformadas em cada um dos estágios referidos. Se aprofundássemos a descrição (aconselho a leitura dos textos originais), perceberíamos progressão em várias situações que auxiliariam nas tomadas de decisões de seleção e distribuição sucessiva dos conteúdos históricos.
De início, temos progressão no processo de aquisição do conhecimento (equilibração/desequilibração/assimilação/acomodação/equilibração) – acontecimentos que podem durar segundos, minutos, enfim, o tempo de uma hora-aula.
A progressão também pode ser vista no desenvolvimento da estrutura mental do aluno (sensóriomotor, simbólico e operacional) – processo que pode durar 12 anos ou mais, ou seja, que atravessa todos os anos da escolarização básica em vários países do Ocidente.
Da mesma forma, a sucessão de mudanças é observada no desenvolvimento de uma função/habilidade fundamental, como a representação (imitação, jogo simbólico, desenho, imagem mental e evocação verbal).
Por fim, a progressão está presente no desenvolvimento de um conjunto de condutas constituintes de uma função – a exemplo da função/habilidade de desenhar, que passa por várias fases de realismo (fortuito, gorado, intelectual e visual).
Ao final desta série de postagens demonstrarei que algumas das possibilidades de progressão sugeridas pela teoria do desenvolvimento de Piaget já fazem parte da agenda dos pesquisadores do ensino de História, ainda que estes não estejam, especificamente, preocupados com o problema da progressão dos conteúdos históricos.

Objeto, espaço, causa e tempo
Prefaciando a Construção do real na criança, de Jean Piaget (1996), Yves de La Taille resume o esquema do livro e, indiretamente, nos informa sobre possibilidades de progressão no planejamento do ensino de História.
Tomemos o exemplo da noção de objeto permanente, ou conservação do objeto, aspecto central da construção do real. Ela diz evidentemente respeito à construção da noção de objeto, considerado como existindo de maneira independente de ser percebido. Refere-se também ao espaço, uma vez que quem diz “objeto” também diz que este ocupa determinado lugar no universo. Portanto, a permanência desse objeto acompanha uma estruturação do espaço: por exemplo, os objetos podem estar uns atrás dos outros, fato que explica tornarem-se momentaneamente invisíveis. Quanto à causalidade, a construção da noção de objeto permanente implica a relativização do poder da ação própria: a existência e o lugar dos objetos independem (ou podem independer) dela. A esse objeto, a quem reconhece a independência no que tange sua existência, a criança vai também começar a atribuir causalidade própria, no sentido de ser possível causa de transformações no universo (isso fica particularmente claro em relação aos objetos-pessoa, que passam a ser vistos como fontes autônomas de ação). Finalmente, a noção de campo temporal também evolui: a criança, que antes limitava-se a lembrar a sequência de suas ações, passa agora a rememorar a sequência dos eventos exteriores. De fato, a noção de objeto permanente implica que a criança lembre do quadro anterior a seu desaparecimento no campo da sua percepção e o situe em relação ao que vê. (La Taille, 2006, p. 9-10).


















Próxima postagem
Explicações e sugestões dos teóricos do desenvolvimento humano para a progressão dos conteúdos históricos: a experiência de Lev Semenovich Vigotsky.


Fontes das imagens
Detalhe da capa de Caderno do aluno – 2º 3º ano do Ensino Médio. Porto Alegre: Secretaria Estadual e Educação. s./d.
Desenho de escola por um aluno de 11 anos.  Ausência de perspectiva, indiferença nas dimensões dos personagens em primeiro e em segundo plano. Características de “realismo intelectual” (estágio anterior aos 8 anos de idade). Kevin Chagas Bacchus. Boa Vista, 2008. BOA VISTA. PREFEITURA MUNICIPAL. Proposta curricular municipal do ensino fundamental dos anos iniciais. Boa Vista: Secretaria Municipal de Educação, 2008.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Conteúdos e progressão dos conteúdos no ensino de História (2): a contribuição dos teóricos do desenvolvimento (Jean Piaget).<http://itamarfo.blogspot.com/2011/01/conteudos-e-progressao-dos-conteudos-no_09.html>.


Referências
DAVIS, Claudia. Piaget ou Vygotsky, uma falsa questão. Viver – Mente&Cérebro. Rio de Janeiro, v. 2, p. 38-49, 2005. (Edição especial – Coleção Memória da Pedagogia, v. 2).
LA TAILLE, Yves. Prefácio. In: PIAGET, Jean. A construção do real na criança. 3 ed. São Paulo: Ática, 2006.
PIAGET, Jean. Os estádios de desenvolvimento intelectual da criança e do adolescente. In: LEITE, Dante Moreira. O desenvolvimento a criança: leituras básicas. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Universidade de São Paulo, 1972. pp. 199-208.
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A Psicologia da criança. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
SALVADOR, César Coll et. al. A teoria genética da aprendizagem. In: Psicologia do ensino. Porto Alegre: Artmed: 2000. pp. 249-257.
SALVADOR, César Coll et. al. Psicologia do ensino. Porto Alegre: Artmed: 2000.
SHAFFER, David R. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Cangage Learnig, 2009.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2003.


Notas
[1] É certo que o desenvolvimento é um empreendimento holístico: “somos, ao mesmo tempo, seres físicos, cognitivos, sociais e emocionais, e todas essas tendências desenvolvimentais estão interligadas como um todo na pessoa em desenvolvimento” (Shaffer, p. 619). Em decorrência dessa condição, sabemos que o desenvolvimento da dimensão afetiva interfere no cognitivo, que interfere na construção das identidades, que interfere no desenvolvimento psicomotor e assim por diante. Mas, os elementos eleitos nesse texto dizem respeito, sobretudo, à dimensão cognitiva, que maior atenção tem recebido na escola de massa contemporânea. O termo cognitivo, aqui, tem o sentido de adjetivo, relativo à aquisição e uso do conhecimento.

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