terça-feira, 4 de outubro de 2011

Contextualizando a teoria da história de Jörn Rüsen


Entrada principal da Universidade de Bochum, onde Jörn Rüsen leciona História Moderna.

Colegas, bom dia.
Gostaria de agradecer ao Departamento de História da UFRN, na pessoa da professora Margarida Oliveira, pelo convite e pela acolhida. Gostaria, antecipadamente, de agradecer a presença de todos vocês, que reservam um tempo nas suas vidas para estudar  uma relação aparentemente irracional: o ensino de história e a teoria da história.
Jörn Rüsen
Nesta fala, darei uma noção do lugar de Rüsen nos debates sobre teoria da história, apontando algumas das suas filiações teóricas, questões e motivações da sua escrita sobre teoria, metodologia e didática da história. Para tanto, farei uso de segmentos dos escritos de cinco comentadores autorizados pela intimidade com a obra e proximidade com o autor.
Dessa forma, o texto que lerei está dividido em duas partes: 1) a teoria da história de Rüsen frente às mutações da história na Alemanha; 2) as tríades rüsenianas como chaves de leitura da sua teoria. Encerro a fala relacionando duas das principais teses da sua trilogia às possibilidades de entendimento sobre a aprendizagem e o ensino de história.

Contextualizando contextos
Contexto é palavra odiada por grande parte dos historiadores e empregada pela maioria dos professores da escolarização básica. Alerto, de início, que farei uso do sentido mais comum (o uso nas escolas): “circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação” (Houaiss, 2010). No entanto, consciente de que todo contexto é também um texto, ou seja, em lugar de um solo pretensamente estável é também uma construção/invenção, penso ser importante informar sobre algumas das circunstâncias que moveram os cinco historiadores aqui citados a situarem/classificarem a obra de Jörn Rüsen.
Estevão Martins (2007) fez trabalho de síntese – “Historiografia alemã no século 20: encontros e desencontros”. Horst Blanke (2006) segue o mesmo itinerário de modo ainda mais específico – “Para uma nova história da historiografia”. Ele constrói um painel sobre as novas formas de historiar a escrita da história. O terceiro autor, Arthur Assis [2010], também faz síntese. Mas o seu objeto é a trilogia do próprio Rüsen, parte mais substantiva da sua dissertação de Mestrado em História na Universidade de Brasília (orientada por Estevão Martins em 2004) – A teoria da história de Jörn Rüsen: uma introdução. Pedro Spinola Pereira Caldas (2008) faz análise e síntese ao resenhar “o complemento da trilogia de Jörn Rüsen” (volumes dois e três). E Martin Wilkund (2008), por fim, procede de forma analítica. Seu interesse é examinar os sentidos de “sentido histórico e racionalidade na teoria da história de Jörn Rüsen”. O texto, provavelmente, faz parte do seu estágio pós-doutoral na Universidade de Göteborg.
Temos então cinco visões de cinco conhecedores da obra de Rüsen, resultantes de diferentes interesses e circunstâncias que incluem, com pesos diferenciados, os debates sobre epistemologia da história e as conflituosas relações da sociedade alemã com o seu passado recente (nazismo, holocausto, por exemplo). É com tais ressalvas que apresento as informações que se seguem, deixando também claro a minha atração pela vulgata sobre o Rüsen, principalmente, no que diz respeito ao lugar do filósofo no debate acerca da epistemologia da história na Alemanha.

A teoria da história de Rüsen frente às mutações da história na Alemanha
A primeira tese, consensual entre os comentadores, refere-se o fato de o historicismo ter resistido até meados do século XX como paradigma fundamentador da história (apesar dos vários ataques sofridos, desde o final do século XIX) e, ainda, de a teoria da história de Rüsen ter participação significativa no desmonte dessa tradição.
Reinhart Koselleck (1923/2006)
Para Estevão Martins (2007), na Alemanha Federal, em fins dos anos 1950, a tentativa Vitoriosa de superar o historicismo ganhou a forma de um grupo de trabalho sobre história moderna alemã que prescrevia a “história social como ciência integradora [...] buscando superar as diferenças entre História e Sociologia” (Martins, 2007, p. 53). O “chefe de fila desse movimento”, que inclui Werner Conze e Otto Brunner é Reinhart Koselleck (Martins, 2007, p. 58).
Martins não deixa claro se Rüsen dá continuidade ao trabalho de Koselleck, que se torna protagonista, sobretudo em 1972, com a publicação de Conceitos históricos fundamentais: léxico histórico da linguagem político-social na Alemanha. Mas apresenta o nosso autor com o mesmo destaque (talvez até maior), quando afirma que “Rüsen apresenta um sistema moderno, abrangente e coerente de teoria da história”, desenvolvido junto a um grupo de “historiadores, filósofos, sociólogos e politólogos” que se reuniram entre 1973 e 1988. As preocupações deste grupo – constituídas e constituidoras da teoria de Rüsen – excedem a questão da objetividade, derramando-se pelos “processos históricos, “teoria e narrativa da história”, “formas da historiografia” e “método histórico” (Martins, 2007, p. 59).
É dessas circunstâncias que Martins extrai a contribuição do filósofo para o debate contemporâneo sobre a razão histórica. Rüsen articula o aparentemente (para o historicismo?) inarticulável: o aparato de cognição (metodologia da pesquisa histórica) com as formas de escrita e as funções sociais da ciência histórica. “Na abordagem sistêmica contemporânea [de Rüsen], a função do presente, por conseguinte dos interesses ativos atuais, é indispensável para a elaboração de qualquer saber reconhecidamente válido” (Martins, 2007, p. 59).
Vista aérea da Universidade Witten-Herdecke, onde Jörn Rüsen leciona História Geral e Teoria da História.
A segunda tese em torno do lugar da teoria de Rüsen na historiografia alemã é um desdobramento do seu papel na crítica ao historicismo. Discutindo as perspectivas de escrita da história da historiografia, Walter Blanke (2006) apresenta a proposta de Rüsen, explícita no seu ensaio sobre o historiador Gervinus, como “uma tentativa de resolver a tensão fundamental entre objetividade acadêmica e predisposições políticas” (Blanke, 2006, p. 35). Observem o sugestivo conceito inserto no título do ensaio de Rüsen: “O historiador como partidário do destino: Georg Gottfried Gervinus e o conceito de parcialidade objetiva no historicismo alemão” (1977) (grifos meus).
Da mesma forma que Martins, Blanke enfatiza o papel das conferências patrocinadas pela Fundação Reimers, ocorridas entre 1975 e 1988, que se ocuparam da “relação entre parcialidade e objetividade e o significado dos processos históricos” na transformação da historiografia alemã da tradição historicista para a ciência social histórica (Blanke, 2006, p. 35-36).
O proeminente lugar de Rüsen neste debate é justificado por Blanke: Rüsen sugere uma “modificação contemporânea do historicismo”. Ele fornece à nova ciência social histórica alemã um “suporte teórico” que “modifica, expande e critica o historicismo. Assim, a velha oposição entre explicação e compreensão, um dos axiomas do historicismo, é dissolvida, e agora são interpretadas como estratégias de pesquisa complementares” (Blanke, 2006, p. 38).
Para a história da historiografia (objeto do artigo de Blanke) são duas as contribuições de Rüsen. A primeira, ligada ao projeto “Teorias da história: contribuições para a teoria da história” (Fundação Reimers, em Bad Homburg), é expressa na forma de uma “tipologia sistemática da narrativa histórica”. A segunda, ligada ao projeto “Discurso histórico” (Centro de Pesquisa Interdisciplinar de Bielefeld), consiste no delineamento dos conceitos de “estruturas”, “formas” e “funções”.
Assim, uma nova história da historiografia poderia se constituir, incorporando a “sequência lógica” de pretensa “validade universal” dos tipos tradicional, exemplar, crítico e genético na análise da narrativa histórica e/ou articulando os conceitos de estruturas, formas e funções que integram os cinco elementos da matriz disciplinar.
Arthur Assis
O estudo sintético de Arthur Assis [2010], terceiro comentador, expande as circunstâncias de criação da teoria de Rüsen para além dos muros da Alemanha (anterior e posterior à Segunda Guerra, Federal e Oriental). Inspirado na síntese instituidora da história como ciência, produzida por Gustav Droysen em meados do século XIX, Rüsen teria escrito os seus Fundamentos de uma teoria da história como resposta a dois desafios enfrentados pelo campo na segunda metade do século XX, resultantes da dispersão de objetos e métodos do conhecimento histórico e da suposta indiferenciação entre narrativa histórica e narrativa ficcional.
Ao primeiro desafio, suposta ausência de teoria e método histórico, Rüsen responde com a criação de um conceito: matriz disciplinar. Assim, “pretende permitir a assimilação das diferenças existentes entre as correntes historiográficas contemporâneas e favorecer a percepção da identidade que lhes é comum” (Assis, [2010], p. 11). Sobre o segundo desafio, a crítica à objetividade histórica, “Rüsen enfatiza que as narrativas históricas estabelecem com a realidade histórica, de que pretendem dar conta, uma relação de referência diversa daquela observada em outros tipos de narrativa”: a representação de continuidade temporal (Assis, [2010], p. 13).
Na resenha aos segundo e terceiro volumes da trilogia, a resposta de Rüsen à ideia de narrativa histórica como ficção já fora anunciada por Pedro Caldas (2008). Este amplia ainda mais o leque de motivações anunciadas até aqui. Caldas sugere circunstâncias do século XIX na construção da teoria da história do filósofo alemão ao indagar se “estaria Rüsen respondendo ao apelo de Nietzche, ao procurar um uso da história para a vida” (Caldas, 2008, p. 6). Ainda no mesmo texto, Caldas faz coro com os demais comentadores a respeito do lugar de Rüsen na transformação do historicismo alemão: “Rüsen procura mostrar a insuficiência de dois dos modelos principais de explicação histórica”, o “nomológico e o hermenêutico” (Caldas, 2008, p. 2).
O último comentador exposto nesta fala, Martin Wiklund (2008), situa Jörn Rüsen entre duas correntes de pensamento político e filosófico da Alemanha: a escola de Joachim Ritter (leitora de Aristóteles e Hegel) e a Escola de Frankfurt (Kant, Marx, Freud e Nietzsche). A primeira tendia ao “conservadorismo cético” e a segunda ao socialismo. A primeira produzia “análises sociológicas” e a segunda, orientada pela “hermenêutica”, ocupava-se da “história dos conceitos”.
Martin Willund
Rüsen “defendia a gesellschaftsgeschichte como resposta sensata para os desafios da situação histórica da Alemanha Ocidental nos anos 70” (Wiklund, 2008, p. 24). A história social também seria o melhor caminho, segundo Rüsen, para enfrentar os problemas epistemológicos colocados pelas novas abordagens, a exemplo da micro-história, história do cotidiano e da descrição densa. Porém, “ao confrontar tais desafios, o método de Rüsen sempre procedeu dialeticamente: com o fito de atingir uma síntese que mantenha insights de ambos os oponentes, ele procura articular as tendências opostas e discernir de que modo específico eles se contradizem” (Wiklund, 2008, p. 24). Em outras palavras, Rüsen criou um paradigma que associa abordagens da sociologia histórica e teoria crítica e do historicismo. (Cf. Wiklund, 2008, p. 23).
O que podemos perceber – pelos recortes que fiz e, ainda, através das lentes desses cinco comentadores – é que Jörn Rüsen situa-se no debate sobre a epistemologia histórica na Alemanha como um conciliador dialético de diferentes tradições políticas, filosóficas e metodológicas apresentadas sob as mais diversas dicotomias: historicismo/história social, sociologia histórica e teoria crítica/historicismo, objetividade/política, subjetividade/validade científica, explicação/compreensão, modelo nomológico/modelo hermenêutico.
A conciliação dialética, que responde aos diferentes desafios (o acerto de contas dos alemães com o seu passado, a fragmentação dos objetos e abordagens e as críticas à objetividade historicista, por exemplo) configura-se mediante novos conceitos (matriz disciplinar, estruturas, formas e funções) e tipologias (tradicional, exemplar, crítica e genética).
Tais contribuições sugerem novas formas de justificar a racionalidade da ciência da história e, consequentemente, apontam novos caminhos para se pensar a pesquisa, a escrita e o ensino da história. Mas, como conhecer essas e outras ideias fundadoras de um novo paradigma? Uma saída é visitar os comentadores aqui apresentados. Outra é partir para a leitura da própria obra e voltar aos comentadores somente depois de esgotadas as primeiras iniciativas confortáveis de compreensão. Outra, um pouco inusitada, talvez, seria considerar o Rüsen como um filósofo da história no sentido mais odiado do termo no Brasil. Aquele que pensa a natureza humana e, indiretamente, aponta o sentido para a vida (que desemboca numa utopia). Essa foi a minha primeira escolha e vou relatar rapidamente um dos seus resultados: as tríades como chave de leitura.
Esquema da matriz disciplinar da ciência da história (Rüsen, 2001, p. 35). 

As tríades rüsenianas como chaves de leitura da sua teoria
Como ler a trilogia? Nas minhas idas e vindas a resposta surgiu como um insigt: identificando suas tríades. Assim, concebi três formas de conhecer sistemicamente a teoria da história de Rüsen. A primeira é seguir os passos da sua introdução e entender a trilogia como obra que toca em três objetos (disciplinas em nossos cursos de formação inicial): [1] metodologia (as regras da pesquisa), historiografia (regras de escrita) e didática [2] (regras de aprendizagem).
A segunda estratégia é fazer a leitura buscando identificar os conceitos-chave anunciados no projeto “Estudos históricos modernos: estruturas, formas e funções em uma perspectiva histórica”, empreendido por Rüsen junto ao “Centro de Pesquisa Interdisciplinar de Bielefeld”. Os termos foram extraídos da matriz disciplinar (Cf. Blanke, 2006, p. 41): “estrutura” (“ideias” ou “teorias” e “métodos”), “forma” (de representação dos resultados da pesquisa) e “função” (função e usos da história na vida cotidiana).
A última estratégia procura seguir a concepção de homem esboçada por Rüsen. Aqui também a tríade impera. É o homem detentor de intelecto, vontade e sensibilidade. Dizendo de outro modo, é homem aquele ser capaz de conhecer racionalmente (cognição), de orientar-se no tempo e construir identidades (política) e de convencer mediante estratégias linguísticas, por exemplo (estética).
(1) estratégia política da memória coletiva
(2) estratégia cognitiva da produção do saber histórico
(3) estratégia estética da poética e da retórica da representação histórica
Esquema da matriz disciplinar da ciência da história (Rüsen, 2001, p. 164).
Se vocês observarem as figuras que representam os princípios de ciência da história, anunciados no primeiro volume da trilogia (Cf. Rüsen, 2001, p. 35, 164), constatarão que as três tríades de que tratei acima estão presentes na matriz disciplinar. Elas integram os cinco elementos da matriz (carências, ideias, métodos, formas de expressão e funções de orientação) e, simultaneamente, podem ser integradas entre si.
Assim, ideias/teorias e métodos correspondem à disciplina metodologia da história, ao conceito de estrutura e à dimensão cognitiva do homem. “Formas de representação” correspondem à disciplina historiografia, ao conceito de forma e à dimensão estética humana. Por fim, as funções de orientação e de construção identitária correspondem à disciplina didática, ao conceito de função e à dimensão política do homem.

Conclusão: dicotomias, tríades, teses, teoria e ensino de história.
Vimos o caráter abrangente e dialético da teoria de Rüsen por meio dos seus comentadores. Essas características fazem de Rüsen um autor “ecumênico”. Para as nossas pesquisas, no entanto, a importância da sua teoria da história está nas possibilidades que ela abre para a discussão do ensino de história dentro da teoria da história.
Essas possibilidades vocês conhecerão ao longo do curso coordenado pela professora Margarida Oliveira. Da minha parte, gostaria apenas de demonstrar como essa integração das três possibilidades de leitura sistêmica da teoria da história de Rüsen pode facilitar a compreensão de algumas das suas teses que remetem diretamente ao ensino de história tal e qual o concebemos no Brasil: 1. a ciência da história está enraizada na vida humana concreta (onde se localizam os seus fundamentos e critérios de racionalidade) e a essa deve voltar (Cf. Rüsen, 2001, p. 22; 2007, p. 16); 2. é através da forma e da função que o trabalho do historiador se completa e que o saber histórico ganha vida (Cf. Rüsen, 2007b, p. 10).
Essas duas teses autorizam-nos a afirmar que, para Rüsen, comunicar os resultados da pesquisa histórica às crianças e adolescentes, auxiliando-os a orientarem-se no tempo e a construírem suas identidades é trabalho do profissional de história. E, por fim, se o profissional de história quiser executar essas tarefas com racionalidade (e honestidade intelectual) deve explorar de forma equilibrada todas as potencialidades do humano. Dizendo de outro modo, deve também o professor levar em conta as estratégias: “política da memória coletiva [...], cognitiva da produção do saber histórico [...] estética da poética e da retórica da representação histórica” (Cf. Rüsen, 2001, p. 164).
Muito obrigado!                   

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Contextualizando a teoria da história de Jörn Rüsen. Palestra proferida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte por ocasião da abertura do curso de extensão Curso de extensão “Teoria, pesquisa e ensino de História: para o conhecer o pensamento de Jörn Rüsen”. Natal, 4 out. 2011. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/contextualizando-teoria-da-historia-de.html>.

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O livro didático ideal de Jörn Rüsen e as representações de uma didática para a história. Disponível em: <http://www.itamarfo.blogspot.com.br/2012/03/o-livro-didatico-ideal-de-jorn-rusen-e.html>.  

Fontes das imagens
Universidade de Bochum. Disponível em: <http://www.alemanhaporquenao>. Capturado em: 21 mar. 2012.
Jörn Rüsen. Disponível em: <http://idw-online.de>. Capturado em: 21 mar. 2012.
Capas da trilogia (Teoria da história) de Jörn Rüsen. Foto de Itamar Freitas. 21 mar. 2012.
Arthur Assis. Disponível em: <http://www.kwi-humanismus.de>. Capturado em: 21 mar. 2012.
Universidade de Witten-Herdecke. Disponível em: <http://www.regiobild.de>. Capturado em: 21 mar. 2012.
Reinhart Koselleck. Disponível em: http://www.fotomarburg.de. Capturado em: 21 mar. 2012.
Martin Wiklund. Disponível em: <http://www.humanioradagarna.se>. Capturado em: 21 mar. 2012.

Referências
ASSIS, Arthur. A teoría da história de Jörn Rüsen: uma introdução. Goiânia: Editora da UFG, [2010].
BLANKE, Hors Walter. Para uma história da historiografía. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita: teoría e história da historiografía. São Paulo: Contexto, 2006.  pp. 26-54.
CALDAS, Pedro Spinola Pereira. A arquitetura da teoria: o complemento da trilogia de Jörn Rüsen. Fênix - Revista de História e Estudos Culturais. [sdt.], v. 5, n. 1.
MARTINS, Estevão de Resende. Historiografia alemã no século 20: encontros e desencontros. In: MALERBA Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre (Org.). Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. Bauru: Edusc, 2007. pp. 45-67.
RÜSSEN, Jörn. Razão histórica: Teorias da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora da UnB, 2001.
______. História viva – Teoria da história III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora da UnB, 2007.
WILKUND, Martin. Além da racionalidade instrumental: sentido histórico e racionalidade na teoria da história de Jörn Rüsen. História e Historiografia. [Ouro Preto], n. 1, p. 19-44, ago. 2008.

Notas

[1] Na verdade, são quatro, mas o primeiro, o da aquisição da competência profissional está diluído, principalmente, no volume 1 mas não ganha título específico.
[2] No volume 1 ganha destaque o conceito de “formação”, embora a didática seja comentada.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

História para crianças nos currículos de Estudos Sociais nos Estados Unidos da América (2002/2010)


Detalhe da capa de History–Social Science Framework for California Public Schools (2009). 

História e Estudos Sociais: uma relação conflituosa
Os Social Studies são uma forma de organização de conteúdos da escolarização básica e, aos olhos da tradição escolar brasileira, o lado oposto à disciplinarização. Para um dos seus maiores críticos, o historiador norte-americano Henry Johnson, os Estudos Sociais se apresentam como possibilidades de implantação de antigos projetos – de Franciscus Balduinus e de Johan Friedrich Herbart, por exemplo – de fusão e de integração (Cf. Johnson, 1932, p. 117) dos conteúdos das ciências humanas e sociais.
Nos EUA, a trajetória dos Social Studies possui alguns pontos de emergência recorrentemente citados pela literatura histórica. Entre os principais, destacamos a própria institucionalização de um modelo sancionado a partir do relatório do Commitee on the Social Studies (CSS) of the National Education Association’s Comission on the Reorganization of Secondary Education (Cf. Bining e Bining, 1952, p. 3).
Charles Beard (1874-1948). 
A introdução do título “Social Studies”, nos programas das high schools, em 1916, marca, portanto, a sua primeira definição. Segundo o referido relatório, Social Studies seriam “aquellos cuyas matérias se relacionan directamente com la organización y el desarrollo de la sociedad humana y com el hombre como miembro del grupo social”, a saber: “la geografía, la historia de Europa, la historia de América, historia económica, cívica, cívica económica y vocacional, cívica de la comunidad, problemas de la democracia (social, econômica y política), gobierno, economía y sociologia” (OEA, 1968, p. 4).
A oficialização do modelo é atribuída, em grande parte, ao filósofo da educação John Dewey, que forneceu coerência e credibilidade ao “relatório” da CSS (Cf. Fallace, 2009). Mas é também anunciada como representação da vitória de princípios da New History – notadamente das ideias de Charles Beard – sobre o corpo de historiadores que defendiam o “noble dream” da objetividade histórica (Cf. Novic, 1998).
Desse ponto de emergência, chama-nos atenção o processo de afastamento da História como carro chefe das humanidades (substituída pelos Social Studies) e os novos lugares ocupados por esta disciplina na escolarização das crianças nos EUA.
Em relação ao Brasil, instigam os relatos de resistência (com motivações e episódios bastante diferenciados) das corporações de História à implantação dos Estudos Sociais (Cf. Carvalho, 1957; Nadai, 1988; Martins, 2002) e as formas pelas quais a História escolar absorveu o conjunto de conhecimentos e de habilidades veiculados pelas ciências sociais e humanas (Antropologia, Sociologia, Política, Economia e Filosofia) ao longo do século XX.
Mas não vamos tratar desses temas aqui. Com essa introdução, queremos apenas demonstrar a riqueza dos debates que exame comparado entre as trajetórias dos Social Studies norte-americanos e os Estudos Sociais brasileiros podem oferecer aos pesquisadores do ensino de História.
Este artigo restringe-se a produzir indicadores de possíveis instrumentos de análise que permitam compará-lo com a experiência brasileira.* Assim, tentamos inicialmente responder a essa questão[1]: em termos de ensino de História para as crianças, podemos falar da existência de um modelo norte-americano? A resposta será fornecida através da construção de um perfil dos Social Studies estruturado em quatro tópicos: (a) ideal de aluno a ser formado, (b) sentidos de conteúdo, (c) conhecimentos habilidades para alfabetização histórica, e (d) indicadores preliminares de progressão.  A pesquisa faz uso das propostas curriculares dos seguintes estados: California, Kansas, Idaho, Massachusetts, Ohio, Nevada, North Carolina, New York, South Carolina e Texas.[2]

Quantos e quais são os Social Studies?
Social Studies reúnem um conjunto de conhecimentos relacionados, obviamente, às ciências humanas e sociais. Mas sua configuração é bem variada. Como podemos observar, através do quadro n. 1, são 19 componentes curriculares, dispostos isoladamente, em pares ou em trios. Apesar da variedade, são os mais recorrentes a História, Geografia e Economia, que estão em relativo equilíbrio, presentes em 60% das propostas, seguidas pela educação cívica.
Curioso notar que onde não se oferta a educação/valores cívicos estão presentes os conhecimentos sobre cidadania e governo, indicando que as prescrições dessa natureza apenas ganham nova nomenclatura: de educação e valores cívicos para valores da cidadania e de governo.
É também importante registrar a presença das demais ciências sociais e humanas (Antropologia, Psicologia, Sociologia, Ciência Política). Tais saberes constituem os currículos em formatos autônomos (disciplinares) e situam-se nos últimos graus de ensino e não nos primeiros cinco anos de escolaridade.

Quadro n. 1
Constituintes dos Social Studies em 10 estados dos EUA

Componentes
Ca
Id
Ka
Ma
Ne
NY
NC
Oh
SC
Te
Antropology






X



Citizenship Rights and Responsibilities







X


Citizenship









X
Civic values
X









Civics




X





Civics and Government

X
X
X






Civics, Citizenship and Government





X




Culture
X








X
Economic
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Ethical
X









Geography

X
X
X
X
X
X
X
X
X
Global Perspectives

X








Government







X

X
History
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
People in Societies







X


Political Science






X



Political Science/Government








X

Psychology






X



Science, Technology, ad Society










Sociology






X



Sociopolitical
X









Legenda: Ca- California, Id- Idaho, Ka- Kansas, Ma- Massachusetts, Ne- Nevada, NY- New York, NC- North Carolina, Oh- Ohio, SC- South Carolina, Te- Texas.
Obs. Este desenho dos Social Studies refletem toda a grade do ensino estadunidense, ou seja, do Kindengaten ao grau 12 (high school).

O que os norte-americanos devem ser?
Norte-americanos são conhecidos como instituidores de um campo de conhecimento, o das teorias do currículo. São marcas na área as práticas estabelecidas por autores como Franklin Bobbit, Ralph Tayler e Hilda Taba, um pouco mais ou um pouco menos controladoras e/ou compreensivas, segundo os analistas brasileiros que se apropriaram das teorias críticas (Cf. Moreira, 1990; Silva, 2002) ou historiadores do currículo radicados nos EUA (Cf. Kliebard, 1971).
Norte-americanos são também lembrados quando se quer fazer a crítica às pedagogias por competência. Benjamim Bloom e o seu The taxonomy of educational objectives: the classification of educational goals, handbook I – Cognitive domain (1956) é considerado um dos principais precursores dessa nova ordenação dos elementos básicos do currículo, fundado em conhecimentos e habilidades (Cf. Ramos, 2001, p. 224). Partindo dessas marcas, tentamos identificar o perfil de americano que os curriculum makers quiseram formar e, ainda, o papel dos conhecimentos históricos na construção dessa identidade no início do século XXI.
Patriotismo e da diversidade na ilustração do
segmento "Principles", das expectativas de
aprendizagem de Ohio [2002].

O que o norte-americano deve ser? Essa questão clássica, que atravessa qualquer teoria do currículo, está presente, de forma explícita, em 8 das 10 propostas analisadas.[3] Tomados como objetivos globais, ou seja, um tipo de meta que deve ser cumprida em anos – uma visão do futuro (Cf. Anderson et al., 2001, p. 17), os conceitos expressos nas propostas não se diferenciam muito. Em geral, domina a ideia de que a escola estadual deve formar para a cidadania (genericamente ativa e especificamente produtiva – no sentido econômico). Esse significado também se expressa nos demais conceitos inclusos no campo semântico da cidadania: aprender a ser membro de uma comunidade, desenvolver senso crítico, conhecer regras e aprender a tomar decisões.
Além da ideia de formação para a cidadania, mas também relacionada a esta ideia, as propostas curriculares demonstram preocupação com a manutenção da qualidade de vida, a obtenção de sucesso pessoal e a valorização dos princípios liberais expressos nos documentos básicos do Estado: liberdade, igualdade e justiça.
Para cumprir tais metas, a História é empregada de formas bastante desiguais. Isso porque as propostas variam muito, desde a definição do gênero do documento até a distribuição e interrelação dos conhecimentos (diríamos, no Brasil) disciplinares.

Quadro n. 2
Autodefinição das propostas e o lugar da História

Estado
Conhecimentos anunciados pelo título
Autodefinição (gênero)
California
History-Social Science
Framework
Idaho
Social Studies
Standards
Kansas
History and Government, Economics and Geografphy
Standards
Massachusetts
History and Social Science
Curriculum framework
Nevada
Social Studies
Standards
New York
Social Studies
Core curriculum
North Carolina
Social Studies
Standard course of study
Ohio
Social Studies
Social academic standards
South Carolina
Social Studies
Academic standards
Texas
Social Studies
Essential knowledge and skills

Pelo Quadro n. 2, podemos perceber que os Social Studies são dominantes, do mesmo modo que  a classificação do documento como standard. Como título, a História é nomeada apenas três vezes, sempre acompanhada pelos Social Studies, Social Science e Government, Economics e Geography. Tais componentes curriculares constituem o que os curricum makers chamam de quadro, padrão, normas, cursos, conhecimentos e habilidades essenciais.
Aqui já notamos a variedade de sentidos para o genérico termo conteúdo – entendido instrumentalmente (por nós) como “tudo aquilo que se ensina” (tudo aquilo que o aluno deveria aprender), segundo a orientação de Andres Chervel (1990).
É preciso registrar, também, que o fato de a História estar destacada em alguns títulos não significa maior ou menor destaque na distribuição dos conteúdos das propostas, embora seja a primeira a ser listada maior parte dos documentos, seguida da Geografia.
A História, entretanto, é chamada a contribuir com a formação do norte-americano devido aos seus vários atributos. Neste sentido, encontramos a maioria das justificativas apresentadas pelas várias teorias da História da Europa e das Américas dos últimos 100 anos: incutir valores patrióticos, democráticos e de livre iniciativa, informar sobre o peso exercido pelo passado no nosso cotidiano, de como os outros povos enfrentaram problemas (crises, vitórias e derrotas) e, ainda, auxiliar na tomada de decisões acerca dos problemas do presente.
A História, por fim, informa sobre o significado de pessoas, grupos, ideias, movimentos para a construção da nação, estado e comunidade, no desenvolvimento econômico, social e cultural do povo americano; no desenvolvimento do sentido de historicidade e de responsabilidade (cidadania). À História também são atribuídos os poderes de ampliar a visão do cidadão sobre o mundo, auxiliando nas tomadas de decisão e nos sucessos nos negócios.

Ideias de conteúdo e as indicações para a alfabetização histórica
O que se deve ensinar ou o que os alunos devem aprender? Essas questões nos remetem ao conteúdo dos Social Studies, inclusa a História. Entretanto, diferentemente das finalidades comentadas no tópico anterior, as propostas estão longe de chegar a consensos sobre o sentido de conteúdo. As multiplicidade de termos que os anunciam é um indício significativo: academic content standards, academic standards, application indicator, benchmarks, competency goal, content standards, essential questions, global and instructional objectives, global objectives, goals, indicators, instructional objectives, key idea, knowledge indicator, learning standards e concepts and skills, objectives, sample classroom activities, skill and knowledge, social studies literacy elements, standard, strands, student performance indicators, theme.
Iconografia que representa o ensino de História e
de Geografia nas expectativas de aprendizagem
de Boston (2006).
Dessa listagem, são as mais conhecidas entre nós, brasileiros, os termos: competências, habilidades, objetivos e temas. Na amostra selecionada para este artigo (dez propostas curriculares), constatamos, então, que além dos termos familiares (para nós brasileiros), as questões, ideias-chave, expectativas e padrões são palavras empregadas para anunciar os conteúdos.
Não obstante a variedade de termos e formas de conceber e apresentar o que se deve ensinar e o que se deve aprender, todas as propostas anunciam habilidades e conhecimentos. O sentidos de habilidade e de conhecimento, bem como as suas formas de relacionamento também não são consensuais, mas são próximos: conhecimento remete a conteúdo conceitual e factual (saber) e habilidade a uma função humana ou poder para realizar algo (saber-fazer). Conhecimento é expresso em substantivos (sobretudo) e adjetivos. Habilidade, por sua vez, é comunicada por verbo.[4]
Para o tratamento da informação coletada, classificamos os objetivos educacionais em três categorias, que veiculam: 1) conhecimentos e habilidades gerais; 2) conhecimentos e habilidades substantivas; e 3) conhecimentos e habilidades metahistóricas.[5] Dentro dessa tipologia, qual seria, então, a natureza dos objetivos educacionais que anunciam conteúdos relativos à alfabetização histórica?

Conhecimentos e habilidades no ensino de História para as crianças norte-americanas
Os conteúdos de ensino são apresentados sob várias formas. Aqui, nomeamos de objetivo educacional a proposição que encerra o anúncio de conhecimentos e habilidades, sejam elas genéricas, substantivas ou metahistóricas.
De início nos deparamos com uma questão simples, mas que pode ganhar sentido quando analisarmos os indícios de progressão: quantos objetivos estruturam uma proposta de ensino para as crianças? Os números variam bastante. A proposta da Califórnia, por exemplo, tem 147 objetivos, enquanto a proposta de Ohio restringe-se aos 28.
Submetendo-os à tríade já referida, encontramos a seguinte distribuição para os 709 objetivos identificados:[6] a) conhecimentos e habilidades gerais; b) conhecimentos e habilidades substantivas; e 3) conhecimentos e habilidades metahistóricas.

Conhecimentos e habilidades gerais
Por que gerais? Porque são objetivos (lembrando sempre que um objetivo é constituído por habilidades e conhecimentos) produzidos não especificamente a partir de teorias da História – de um conjunto de conceitos e procedimentos que justificam a História como ciência. São objetivos que guardam conhecimentos e habilidades que podem estar presentes em quaisquer componentes curriculares (inclusive a História) e até mesmo fora da escola. Tais são, como apresentado na tabela n. 1, os objetivos centrados nas habilidades de expressão oral e escrita e no cultivo de valores e atitudes socialmente legitimados.

Tabela n. 1
Objetivos gerais da alfabetização histórica das
crianças nos EUA
Categorias
Incidência*
Habilidades de comunicação
36
5%
Valores e atitudes
31
4%
TOTAL
67
9%
(*) Operação efetuada sobre o total de 709 objetivos.

Os títulos das categorias – habilidades de comunicação e valores e atitudes – são autoexplicativos. Aqui basta exemplificá-los, já que constituem módicos 9% em relação aos conhecimentos factuais e conceituais específicos da alfabetização histórica.
Os valores e atitudes objetivamente referidos são: cooperação, respeito ao outro, às pessoas da comunidade, aos direitos, deveres, regras, fins, princípios e emendas da Constituição, aos símbolos nacionais, princípios da democracia (igualdade, liberdade) e às tradições culturais da sociedade norte-americana.[7] As propostas ainda fazem residuais referências à necessidade de o aluno aprender a tomar decisões.
Quanto às habilidades de comunicação, obviamente relacionadas ao ensino de qualquer tipo de conhecimento, são destacadas a capacidade de lidar com as gramáticas, de extrair ideias centrais e secundárias, de aplicar uma tese sobre determinada questão histórica, elaborar textos imagéticos e escritos, adquirir e ampliar vocabulário, explicar e comparar ideias caras a determinadas filosofias de governo, insertas nos artigos da constituição, e expressar ideias oralmente.

Conhecimentos e habilidades substantivas
Evidentemente, este não é o espaço adequado para comentar em detalhe os vários temas contemplados pela categoria “conhecimentos e habilidades substantivas”, inserta na tabela n. 2. Mas apresentaremos alguns exemplos de subtipos e os referidos espaços ocupados dentro da categoria e entre as propostas selecionadas.

Tabela n. 2
Objetivos específicos da alfabetização histórica nos EUA
Categorias
Incidência
Conhecimentos e habilidades substantivas
386
54%
(*) Operação efetuada sobre o total de 709 objetivos.

O que se deve aprender em História? Os currículos dos EUA respondem: deve-se conhecer (como diria Marc Bloch) a experiência dos homens no tempo. Experiência que pode ser caracterizada segundo as várias dimensões do humano (ou segundo determinada concepção de homem ou de natureza humana): o econômico, social, político e cultural – a produção, acumulação e distribuição da riqueza, as formas de organização e de interação individual e coletiva, a experiência do mando – a manifestação da vontade-poder –, e as formas de sentir.
Dizendo de modo mais didático, os conhecimentos e habilidades substantivas apresentados pelas propostas curriculares incluem os conceitos que nomeiam os acontecimentos (em breve, conjuntural ou longa duração), sujeitos históricos responsáveis por esses acontecimentos, as características desses acontecimentos e os significados desses acontecimentos no passado, presente e na construção do futuro. Em síntese, modos de vida referidos pelos conteúdos substantivos, contabilizados pela tabela n. 2, correspondem, grosso modo, ao que a vulgata histórica dos historiadores acadêmicos chama de “os fatos” ou, de forma até pejorativa, de “história factual”.
Os conteúdos substantivos incluem, por ordem de incidência, o conjunto de práticas e representações que caracterizam a vida de norte-americanos no passado e no presente. Nesse sentido, são destacadas individualmente, de forma sincrônica (e comparada) e diacronica, as formas de produção da riqueza, adaptação ao meio, crenças e relacionamento inter e intragrupos sociais. Chama a atenção o destaque concedido ao cotidiano da criança e da comunidade.
Ilustração da capa de Pre-Kindergarten – Guidelines. Utah (2006).
Os acontecimentos, datados em duração conjuntural (em sua maioria) ou breve, são abordados como “os primeiros”, “principais”, a “trajetória”, a “implantação”, a “introdução” de eventos, a exemplo de exploração, povoamento, batalha, ações heróicas, imigração, escravismo, industrialização, Estado, comunidade, entre outros.
A abordagem, além do que tratamos acima, privilegia a informação sobre o significado e as características, em detrimento do “onde” e do “quando” aconteceu, sendo este último um tipo residual. Importância, papel, contribuição, por exemplo, são os termos empregados para valorizar a experiência de indivíduos (sobretudo), de determinadas crenças, cenários, rotas, meios de transporte e comunicação para o desenvolvimento econômico do país e a constituição das regras que sustentam a democracia.  
Dos acontecimentos, somos levados aos sujeitos e aos artefatos. É fácil perceber que os sujeitos privilegiados constituem a experiência do nacional e (em muito menor incidência) do local. São, sobretudo, sujeitos individuais pessoais, embora, raramente nomeados: exploradores, peregrinos, colonos, imigrantes, povos indígenas, líderes políticos, inventores e cientistas. Há referências, também, aos artefatos significativos para a manutenção dos valores cívicos, tais como o hino, a bandeira e a Constituição.
Dos coletivos, destacam-se as comunidades, bairros colônias, assentamentos e, em menor incidência aparecem o Estado e as civilizações. O critério para a escolha, como referido no tipo anterior (significados) é, primordialmente, a experiência do político e do econômico na formação da nação.
Por fim, resta-nos registrar que o trabalho (declarado em objetivos) com conceitos (definições e exemplificações) é raro. Assim mesmo, podemos observar a preocupação com os conceitos básicos relativos às ciências sociais: troca e uso (do dinheiro), público/privado, etnia, imigração/migração e tecnologia.
Além dos acontecimentos, sujeitos, artefatos e respectivos significados do modo de vida nos EUA, no passado e no presente, os objetivos específicos contemplam conteúdos referentes à operação historiográfica.

Conhecimentos e habilidades metahistóricas
A categoria conhecimentos e habilidades metahistóricas abrange o conjunto de conceitos e de procedimentos que justificam a História como ciência. São os conteúdos mais próximos daquilo que nomeamos como alfabetização histórica. Sua relevância é fácil de ser compreendida quando consideramos a locução alfabetização histórica como um processo (e o que dele resulta) de aquisição e desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que possibilitem o pensar historicamente, ou seja, que possibilitem a articulação do presente, passado e do futuro com vistas à construção da identidade e da orientação na vida cotidiana.[8]
Nas propostas curriculares, é possível perceber a alfabetização histórica como uma tarefa a ser cumprida entre os 6 aos 10 anos, em média. É uma dinâmica progressiva que tem como meta genérica a compreensão, aplicação e crítica do discurso histórico (inclusive daquele que é produzido por historiadores profissionais) sobre a experiência histórica individual/pessoal, local/nacional, isto é, sobre a formação da identidade e orientação da vida cotidiana do aluno.
Se tratamos de alfabetização histórica, obviamente, as habilidades e os conteúdos selecionados com tal devem refletir as orientações da ciência da História. Coerentemente com a definição acima, e respeitando uma tradição secular em termos de produção do conhecimento histórico, as habilidades e os conhecimentos relativos à alfabetização histórica devem refletir os processos de produção desse mesmo conhecimento, que se dá por intermédio das etapas de busca, análise, síntese e escrita. Essa compreensão do ensino de História fundado nos princípios de pesquisa e da escrita da história está presente em todas as propostas analisadas.[9]  
Tabela n. 3
Objetivos específicos da alfabetização histórica nos EUA
Referências substantivas
Quantitativo
Causas
70
29,91%
Consequências
69
29,49%
Tempo/mudança/permanência
47
20,09%
Trabalho com fontes
24
10,26%
Narrativas
12
5,13%
Interpretações
9
3,85%
Outros (Hipóteses/inferência/problematização)
3
0,43%
TOTAL
234
100,00%

Como podemos observar, por meio da tabela n. 2, as categorias mais recorrentes são o par causas/consequências (59,4%). Na tabela, entretanto, causa vem separado de consequência em virtude de os dois conceitos aparecerem isoladamente nos objetivos. “Razão”, “porque”, “motivos” e “condicionantes” são termos variantes para designar uma relação de implicação. Mas causa de quê?
As propostas curriculares enfatizam as causas dos acontecimentos de duração breve, em sua maioria: da guerra, revolução, exploração europeia, declaração de independência, dos modos de vida indígena, da ação destacada dos heróis, imigração, colonização, origem de costumes, celebrações, feriados, direitos, entre outros.
Das consequências, os conhecimentos mais requeridos às crianças são: razões do povoamento, expansão para o Oeste, febre do ouro, escravidão, industrialização, depressão, new deal, desenvolvimento tecnológico, da ação dos líderes do passado, guerra civil, guerra de independência, legislação trabalhista, direitos civis, movimentos sociais, ideias religiosas sobre os sujeitos históricos individuais e coletivos (citados no tópico anterior) e o desenvolvimento econômico, político, a instituição de tradições norte-americanas no plano político e na produção artística. Já o trabalho com o par causa/consequência, este é residual.
Capa de Elementary core curriculum. Utah (2009).
Tempo, mudança/permanência e semelhança/diferença estão associados ao desenvolvimento de habilidades voltadas à aquisição do tempo cronológico. Mas a primeira destaca, especificamente, a atividade sobre instrumentos de demarcação, aferição e controle do tempo histórico, tais como calendários, cronogramas, cronologias, linhas do tempo, identificação de períodos, dias, meses, anos, décadas, séculos, as próprias atividades de sequenciação e categorização, de diferenciação de passado/presente/futuro.
A mesma orientação é perseguida quando o trabalho se refere às mudanças/permanências na vida da comunidade, indústria, modos de vida individuais e coletivos, ideias, atividade política, significado do voto, padrões de desenvolvimento econômico, funções dos membros no grupo e dos vários grupos sociais.
Fontes históricas/de informação constituem a terceira categoria mais recorrente dos objetivos metahistóricos. Aqui os alunos são convidados a localizar fontes, manipular, comparar, analisar fontes, para extrair e aplicar tais informações como apoio às suas afirmações. O trabalho indica o emprego de fontes em vários suportes (iconográficas, textuais escritas, linguagem digital, artefatos etc.) e em diferentes distâncias em relação ao acontecimento investigado (fontes primárias/fontes secundárias). O trabalho com as fontes é invocado, na maioria dos casos, para o conhecimento da experiência individual e familiar.
Narrativas e interpretações são as últimas rubricas citadas nas propostas, além das três declaradas (mas isoladas) iniciativas de elaborar hipóteses, levantar questões e inferir[10]. Não é tanto a atividade de elaborar/escrever/narrar histórias, mas a habilidade de ouvir, descrever e analisar narrativas que chama a atenção. O mesmo ocorre com a categoria interpretação. Ainda que os objetivos sugiram atividades bastante próximas às habilidades de comunicação (produzir sentido a partir de ideias extraídas dos textos), metade das reduzidas iniciativas instigam os alunos a identificarem diferentes versões esboçadas pelas narrativas, levando-os a convicção de que a existência de diferentes pontos de vista é uma característica do ofício do historiador.
Para finalizar este tópico, apresentamos o resultado da comparação entre as dez propostas norte-americanas no que diz respeito ao peso de cada um dos objetivos aqui tratados na constituição dos currículos. Assim, através do gráfico n. 1, podemos constatar que a variedade de formulações é a tônica. Os conteúdos metahistóricos são majoritários em quatro propostas e os substantivos em seis. Nos estados onde os substantivos são maioria, há distanciamento expressivo em relação aos conteúdos metahistóricos (Nevada, Massachusetts e California), indicando que, em termos quantitativos e dentro das categorias elencadas neste trabalho, as propostas norte-americanas estão longe de apresentar um modelo de alfabetização histórica para as crianças de 6 a 10 anos de idade (em média).

Gráfico n. 1
Distribuição dos objetivos gerais e específicos da
alfabetização histórica nos EUA


Conclusões
Como afirmamos no início deste artigo, o perfil dos conteúdos históricos destinados à alfabetização histórica das crianças nos EUA tem a função de alimentar um estudo bem mais amplo que trata da trajetória dos Social Studies nos EUA e dos Estudos Sociais no Brasil. O interesse, sempre constante na produção do Grupo de Estudos sobre o Ensino de História, é o ensino de História em suas mais diferentes faces, no passado distante e no presente recente.
Dentro dessas orientações, portanto, informamos que os Social Studies são diversamente constituídos nos 10 estados norte-americanos, com Geografia e a Economia aparecendo em relativo equilíbrio. Apesar da diversidade de componentes curriculares, formas de apresentação e quantidade de objetivos, a História é chamada a participar na formação da cidadania, manutenção da qualidade de vida, sucesso pessoal e manutenção dos princípios liberais.
Especificamente tratando do ensino para as crianças de 6 a 10 anos (em média), as propostas curriculares variam quanto aos termos e formas de conceber e apresentar os objetivos referentes ao que se deve ensinar/aprender.
Ao classificar tais objetivos em gerais e específicos – e a esses últimos em predominantemente substantivos e predominantemente metahistóricos –, percebemos que, em termos gerais (somatório dos dados de todas as propostas), a alfabetização histórica das crianças nos EUA é prescrita mediante o expressivo predomínio das habilidades específicas sobre as habilidades gerais (de comunicação e os valores), como também, das habilidades e conhecimentos substantivos (conceitos, acontecimentos, sujeitos, características e significados dos acontecimentos) sobre as habilidades e conhecimentos metahistóricos (noções de causa/consequência, tempo/mudança/permanência, fonte, narrativa e interpretações, hipótese e problematização).
Apesar do predomínio dos conteúdos substantivos sobre os metahistóricos, os primeiros estão em segundo plano em quatro estados e os segundos são proporcionalmente inferiores, quantitativamente (mais de 50%), em três outros estados. Entre os conteúdos metahistóricos, por sua vez, a habilidade de compreender causas e consequências representa quase dois terços do total de categorias e a declarada formulação de hipóteses tem incidência ínfima.
O predomínio dos conteúdos substantivos sobre os metahistóricos, das noções causas e consequências sobre as ideias de tempo, narrativa, interpretação e hipótese, e variada distribuição de conteúdos substantivos e metahistóricos inter e intra propostas curriculares indica, por fim, que não podemos considerar, nesse momento, a experiência norte-americana do ensino de História como pré-figuradora de um modelo para a alfabetização histórica das crianças, com o qual possamos trabalhar de forma comparativa.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. História para crianças nos currículos de Estudos Sociais nos Estados Unidos da América (2002/2010). Disponível em: <http://itamarfo.blogspot.com/2011/04/alfabetizacao-historica-nos-curriculos.html>.


Fontes das imagens
Detalhe da capa... History-Social Science framework for California public schools – Kindengarten through grade twelve. California Department of Education, 2005.
Charles Beard (1874-1948). Historiador. Disponível em: <wwworegonrepublicanparty.org>. Capturado em: 15 abr. 2011.
Patriotismo e diversidade... SHEETS, Jennifer et. al. Academic content Standards. State Board of Education; Ohio Department of Education, [2002]. p. 23.
Iconografia que representa o ensino de História e de Geografia... Citywide Learning Standards. Boston Public schools. 2006. p. 8.
Ilustração da capa de Pre-Kindergarten – Guidelines... HARRINGTON, Patti et. al. Pre-Kindergarten – Guidelines. Utah State Office of Education. 2006.
Capa de Elementary core curriculum... SHUMWAY, Larry K. et. al. Elementary core curriculum. Utah State Office of Education, 2009.


Referências
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Notas
* Meus agradecimentos às graduandas do curso de Pedagogia da UFS que trabalharam na coleta e no tratamento dos dados para a construção deste texto: Tatiane Menezes e Bárbara Silva.
[1] Questão ingênua, muito provavelmente, aos olhos de alguns, mas que a literatura nacional não permite ainda responder.
[2] Os estados representam as 10 regiões do país, segundo a classificação regional veiculada por Michael Berson – Harcourt Horizons: States and Regions (New York, 2003): New England, Great Lakes States, Middle Atlantic States, Plains States, Atlantic Coast and Appalachian States, Mountain States, Southeast and Gulf States, Southwest Desert States, Pacific States e South Central States.
[3] Não conseguimos identificar o perfil do norte-americano nas propostas dos estados Idaho e Texas.
[4] Diante da riqueza de sentidos (e também da proximidade entre eles), empregamos operacionalmente a forma declarada por Lorin Anderson e David Krathwohl (2001). Assim, “o que o aluno deve aprender” pode ser expresso em forma de objetivos (instrucionais, educacionais ou globais) que, por sua vez, congregam cognitive process e knowledge. Em outras palavras, conteúdos (aquilo que o aluno deve aprender/aquilo que se ensina na disciplina escolar História) são constituídos por processos cognitivos (lembrar, compreender, aplicar, avaliar e criar) e conhecimentos (factuais, conceituais, procedimentais e metacognitivos), e expressos por meio de objetivos educacionais.
[5] Para Peter Lee, deve o professor de História conhecer e aplicar procedimentos relacionados ao conceito de literacia histórica, compreendendo-a como uma educação histórica que compatibiliza História substantiva e compreensão disciplinar. Assim, à questão “o que ensinar aos alunos” seria apresentadas duas respostas: 1) ensinar conteúdos conceituais substantivos; 2) ensinar conteúdos conceituais e procedimentais metahistóricos. (Lee, 2006, p. 147-148; 2002, p. 39).
[6] Não conseguimos identificar e classificar o conteúdo expresso por 22 objetivos (3,1% do total de 709).
[7] É necessário alertar para o fato de que os valores são um tipo de conhecimento veiculado em todas as categorias por nós listadas. Os que aqui foram citados referem-se, apenas, aos valores declarados nos objetivos. O mesmo serve para a categoria habilidades de comunicação.
[8] Obviamente, dentro das orientações elaboradas por Jörn Rüsen (2001) para a teoria da História.
[9] Alertamos para o fato de que a identificação, a distinção e a separação entre conteúdos substantivos e conteúdos metahistóricos nos objetivos educacionais não é tarefa simples. O anúncio de uma habilidade metahistórica a ser desenvolvida – a ideia de localizar-se no tempo, por exemplo – raramente é anunciada de forma isolada. Desenvolver a habilidade de sucessão exige a sugestão de conhecimentos factuais que permitam a “realização” da atividade. A ideia de tempo não é “ensinada” (construída) como na universidade, com grandes esforços de abstração. Disso resulta o fato de que para cada habilidade sugerida um conhecimento factual ou conceitual é apresentado conjuntamente. O que fizemos, para transformar a informação textual em dados estatísticos foi considerar a ação declaratória (objetiva) das propostas curriculares. No levantamento de dados, consideramos o enunciado que situado em primeiro plano. Foi esse critério que orientou, por exemplo, a classificação do seguinte objetivo como predominantemente substantivo: “Identificar o momento em que o México se tornou uma nação independente” (Massachusetts, 2003). Aqui, a ênfase é posta no conhecimento conceitual/factual: a data cronológica. Do mesmo modo, o objetivo “Usar a cronologia histórica para traçar as relações de causa e efeito entre os eventos em locais diferentes durante o mesmo período de tempo, por exemplo, a América Colonial e Inglaterra” (Kansas, 2004) congrega conteúdos substantivos – conceituais e factuais sobre a América colonial e a Inglaterra. Mas a ênfase está na construção da noção de causa e efeito e, por isso, foi classificado como conteúdo metahistórico. Essa estratégia não elimina a possibilidade, em outras leituras, de grande parte dos objetivos relacionados às causas serem considerados como conteúdos substantivos, já que a questão da causa revela o interesse por uma data cronológica, sujeito e acontecimento (e data cronológica, sujeito e acontecimento são realizados por meio de conteúdo conceitual). A classificação apresentada aqui deve ser considerada como uma tentativa de construir um instrumento de mensuração, que permita a formulação de hipóteses sobre “o que se ensina às crianças”.
[10] A habilidade de inferir pode ser encontrada, de forma indireta, no trabalho com as fontes.