sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Histórias do ensino de História do Brasil v. 2

FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de História
no Brasil v. 2. São Cristóvão: Editora da UFS, 2010.
Capa: Hermerson Alves de Menezes.
A Como contar a história do ensino de História no Brasil? A primeira tarefa é constituir o objeto que se faz a partir de uma questão e da situação espaço-temporal. A pergunta é obvia: como se configurava o ensino de História nas primeiras décadas da República Brasileira? A resposta, fundada sobre a orientação de Andrés Chervel (1990, p. 180-181), que reproduz em parte a vulgata da Didática (o quê, para quê e como ensinar?), seria compartimentada entre as finalidades, conteúdos e as formas de avaliação da disciplina escolar História.
Mas a posição de Chervel não é dominante nos estudos sobre o tema. Para Flávia Caimi (2008, p. 132-133), investigar o ensino de História na última década foi debruçar-se sobre estratégias de ensino (linguagens), História temática, currículos, diversidade cultural (conteúdos), livro didático (recursos), aprendizagem, produção do conhecimento histórico, memória, identidade, educação patrimonial (estratégias de ensino) e formação de professores.
Essa variedade de objetos é a alegria de todo pesquisador, porque conserva a utopia de uma História total (História do todo) e supera as narrativas produzidas na primeira metade do século XX, que punham ênfase nas ideias de História, nos programas, currículos e compêndios.
A variedade, no entanto, representa também um tormento para quem planeja uma síntese sobre a História do ensino de História no Brasil. Na verdade, não é tanto o pluralismo, mas o caráter fragmentário das iniciativas de investigação em termos espaciais, temporais e temáticos.
Acompanhem esses exemplos: quem opta por incluir o livro didático como objeto privilegiado de uma História do ensino referente ao período republicano se depara com imensas lacunas sobre os manuais da escola primária. Se esse mesmo historiador incorpora os currículos, certamente, não encontra pesquisa básica sobre a experiência do secundário no período posterior à lei orgânica. Se acolhe a formação de professores como tema, perde-se na dispersa informação sobre a experiência anterior à instituição das faculdades de Filosofia. Se, por fim, volta os olhos para o inventário das estratégias de ensino esbarra na pobreza dos modelos em voga (tradicional/inovador), fruto da insuficiente reflexão sobre os nexos entre epistemologia da História, Psicologia educacional e Pedagogia.
Mobiliário rústico e parede esburacada. O professor com
olhar carrancudo e palmatória na mão; o aluno sendo
repreendido pelo mestre. Outro menino de castigo ao pé da
porta. Ao relembrar os primeiros anos de estudo numa escola 
no interior do Maranhão, Viriato Correia (1982) denunciava
e fazia críticas a esse modelo de escola tradicional, que usava
métodos pedagógicos ulltrapassados e ameaçava os alunos
com punições severas. (Oriá, 2009).
Às descontinuidades da pesquisa, dispersão das fontes e à pobreza de vistas de alguns estudiosos, somem-se também as dificuldades de compor o texto. Para Antoine Prost (2008, p. 211-233), três são os tipos mais empregados pelos historiadores. O primeiro e mais antigo é a História narrativa. Ele diz a mudança, como as coisas estavam e como vieram a se constituir dentro de (ou após) determinado período. O segundo, ao contrário, diz como eram as coisas. É o tipo História-quadro. Os usos combinados da História-quadro e da História narrativa, por fim, compõem o terceiro tipo, a História mista.
A classificação de Prost não é nova, sabemos. Os escritores das histórias universal, da civilização ou geral costumavam anunciar os métodos de composição: para a experiência do mundo antigo, histórias narrativas. Para as experiências moderna e contemporânea, tempo de descontinuidades e fusões de trajetórias (civilizações, povos e nações) em quase todo o globo terrestre, a História sincrônica ou mista – sincrônica e diacrônica justapostas (Cf. Freitas, 2006).
Antes que me alongue demais nesta apresentação que já vai virando a terceira página, devo dizer que este livro sugere uma alternativa para se contar a História do ensino de História do Brasil, apesar das limitações impostas pela pesquisa acadêmica aos trabalhos de síntese. Usando a tipologia de Antoine Prost, é possível afirmar que se trata aqui de uma escrita mista. São histórias narrativas (diacrônicas) paralelas que formam uma História-quadro. Um quadro do ensino de História nas cinco primeiras décadas do período republicano, que por sua vez poderá transformar-se em narrativa à medida que outros períodos forem desvelados.
É um quadro lacunar, como de resto o são todos os quadros históricos. Uma coletânea como aquelas publicadas anualmente nos encontros nacionais sobre História, Ensino de História e nos grupos de trabalho sobre História do ensino de História. Há, no entanto, algumas singularidades nesta obra. Os textos foram produzidos pelo mesmo autor e no mesmo período (2002/2006). As histórias conservam os mesmos interesses, conceitos e estratégias de investigação, estando interrelacionadas as conclusões.
Se o leitor tiver a paciência de seguir os capítulos até o final da obra, se já forem do seu conhecimento os conteúdos do primeiro volume de Histórias do ensino de História no Brasil  (2006) e, ainda, se assimilar e comparar as teses anunciadas, perceberá alguma lógica na trajetória desse multifacetado objeto “ensino de História” no conturbado período inicial da nossa experiência escolar republicana.
Os textos salpicam o pano de fundo da Primeira República, principalmente, com a vivência nos ensinos primário, secundário e superior; com exemplos exemplares de estratégias de ensino e de aprendizagem, produção do conhecimento histórico escolar, produção e avaliação de livros didáticos; disciplinas escolares e universitárias; sujeitos individuais-pessoais (professores, historiadores, técnicos, gestores e legisladores) e coletivos - instituições públicas e privadas (institutos históricos, institutos de educação normal, colégios secundários, associações promotoras da educação pública, faculdades de Filosofia, entre outros).
Os capítulos buscam e demarcam origens, inícios, começos ou, simplesmente, acontecimentos – atos fundadores, indicadores de rupturas no ensino de História no Brasil, num tempo de reflexões sobre o que caberia ou não ao Estado em matéria de educação escolar, sobre as formas educacionais a serem difundidas em todo o país e as teorias que orientariam o ensino de História em seus diferentes níveis.
Pequena história do Brasil por perguntas e respostas para uso
da infância brasileira
. Joaquim Maria de Lacerda (1918).

A forma dialogada com que realiza o trabalho do historiador 
fornece indícios do principal caminho adotado pelo professor
para ministrar a sua aula às crianças do início da  República:
o método socrático, o método dialogado, de perguntas e 
respostas ou o método da interrogação. 
O diálogo, pressupõe um texto a ser transmitido 
pelo professor e memorizado pelo aluno. 
Parafraseando Sócrates, pode-se dizer que, antes
mesmo de começar a lição, a criança já "sabe que
nada sabe"  e dificilmente poderá "parir uma idéia"
que não tenha  sido  objeto prescrito no currículo
do primário - o ponto tese. 
Por meio deles foi possível afirmar, por exemplo, que: 1. não houve “o cânone” para a escrita da História do IHGB, sobretudo na produção de livros destinados aos cursos primários; 2. o método de ensino catequético sobreviveu às iniciativas inovadoras do início da República e foi largamente difundido pelo livro didático de História para crianças; 3. até 1930 não se tinha clareza sobre o que deveria ser o ensino de História para os jovens, aventando-se teorias que mesclavam positivismo, catolicismo ultramontano e pragmatismo norte-americano, entre outras abordagens; 4. o nascimento da produção de impressos pedagógicos sobre o “como ensinar”  História esteve relacionado diretamente à especialização das disciplinas profissionalizantes dos cursos de Pedagogia, ou seja, eles nasceram com a cientificização dos cursos de formação de professores; 5. os tests, modalidade de avaliação objetiva, massificadora, criadora de excelências, foram introduzidos no ensino de História ao longo da década de 1920, a partir da abertura dos historiadores à Psicologia educacional; 6. estratégias de ensino escolanovistas migraram para o ensino secundário de História no início dos anos 1930, mas não conseguiram romper com a aprendizagem centrada na memória; 7. a primeira iniciativa de avaliação nacional de livros didáticos foi empreendida no final dos anos 1930 sob os mesmos argumentos justificadores e críticos empregados a favor e contra o nosso contemporâneo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD; e, por fim, 8. o ensino de História em nível superior (ou seja, para alunos pós-secundário) não se iniciou com as fundações das universidades de São Paulo e do Distrito Federal.
Como afirmei, são textos que anunciam (e até denunciam) acontecimentos (ditos) fundadores. Que não sejam confundidos, portanto, como apologia ao “ídolo das origens”, denunciado por François Simiand [1903] na sua cruzada em prol da Sociologia. Que sirvam para informar e refinar a pesquisa histórica e fornecer certa orientação às discussões sobre alguns dos problemas que povoam o nosso cotidiano docente.
Este é o meu desejo.


Sumário

  • Apresentação   7
  • Erudição histórica e livro didático de História na Primeira República: as iniciativas de Sílvio Romero e de João Ribeiro (1890/1900)   13
  • História do Brasil para crianças: o livro escolar nos primeiros anos da República e a iniciativa de Joaquim Maria de Lacerda (1880/1918)   45
  • A História ensinada e a História por se ensinar a partir das conferências e congressos sobre o ensino secundário brasileiro (1922/1934)   67
  • Pedagogos, educadores e o ensino científico de História (1880/1935)   109
  • A invenção dos testes no ensino secundário de História (1928/1935)   135
  • História e Escola Nova: as inovações do professor Cesarino Júnior para o ensino secundário em São Paulo (1928/1936)   155
  • A historiografia escolar na Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD): pareceres de Jonathas Serrano (1938/1941)   179
  • Contribuições para o estabelecimento de alguns marcos institucionais sobre o ensino superior de História no Brasil: uma crônica das origens (1908/1946)   199
  • Índice onomástico   209


Para baixar essa obra gratuitamente, acesse:
http://www.4shared.com/document/MqQI0pL2/Histrias_do_ensino_de_Histria_.html

Fontes das imagens
Capa de Histórias do ensino de História no Brasil v. 2, produzida por Hermerson Alves de Menezes sobre a imagem do Colégio Pedro II (Rio de Janeiro-RJ).
CORREIA, Viriato. História do Brasil para crianças. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982, p. 45. Foto: José Ricardo Oriá Fernandes.
Leitura da imagem: FERNANDES, Oriá. O Brasil contato às crianças: Viriato Correia e a literatura escolar para o ensino de história (1934/1961). São Paulo, 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. pp. 88-89).
LACERDA, Joaquim Maria de. Pequena História do Brasil por perguntas e respostas para uso da infância brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1918. p. 11.

Referências
CAIMI, Flávia. Novas conversas e antigas controvérsias: um olhar sobre a historiografia do ensino de História. In: OLIVEIRA, Margarida Dias de, CAINELLI, Marlene Rosa, OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Ensino de História: múltiplos olhares em múltiplos espaços. Natal: Editora da UFRN, 2008. pp. 127-135.
CHERVEL, Andre. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre, n. 2, p. 177-254, 1990.
FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de História no Brasil. Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira; São Cristóvão: Editora da UFS, 2006.
PROST, Antoine. Criação de enredos e narratividade. In: Doze lições sobre a História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. pp. 211-233.
SIMIAND, François. Introduction aux études historiques. In: CEDRONNIO, Marina (Org.). François Simiand: Méthode historique et sciences sociales. Paris: Archives contemporaines, [19--]. p. 99-108.