quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Herbert Spencer e a História que não traz felicidade

Herbert Spencer (1820/1903)
As investigações de Wolf, Goete e Von Baer comprovaram que as mudanças, verificadas com a transformação da semente na árvore e do óvulo no animal, consistem na passagem da estrutura homogênea para a estrutura heterogênea. No seu estado primitivo, o germe é uniformemente homogêneo, tanto em contextura como em composição química; mas não tarda a aparecer uma diferença entre as partes da substância que o forma ou, como se diz em linguagem fisiológica, uma diferenciação. (Spencer, 1857).
Esta epígrafe explica um conceito e um processo fundamental na teoria social de Herbert Spencer: a ideia de progresso como transformação (diferenciação) do organismo, do homogêneo (simples) para o heterogêneo (complexo). Spencer estende essa lei (lei do progresso orgânico) a todo o progresso verificável nas dimensões geológica, social e intelectual.
O livro que anuncia a lei e a causa do progresso não trata de educação. No entanto, como fenômeno social e intelectual, não poderia fugir a essa determinação. Isso podemos concluir com a leitura do clássico Educação física, intelectual e moral (1861), publicado três anos após Do progresso: sua lei e sua causa (1857). Conheçamos, então, um pouco do seu pensamento sobre currículo, ensino e aprendizagem, a partir da ideia e das finalidades da vida orgânica e as suas relações com a educação.
Para Herbert Spencer (1820/1903)[1], o fundamental da nossa existência é a preservação da vida, é “aprender como viver completamente”. É isso que a “educação nos deve ensinar. Preparar-nos para uma vida perfeita”, ou seja, garantir a nossa felicidade. Esse “viver completamente” é detalhado em outra passagem: “preparar a criança para os negócios da vida – produzir um cidadão que, enquanto proceder bem, esteja habilitado a seguir sua carreira pelo mundo” (Spencer, 1901, p. 11, 158).
Mas o que é a vida? A vida é um conjunto de atividades hierarquizadas, cujos objetivos são, primeiramente, a conservação direta do indivíduo (manutenção da saúde), depois, a conservação indireta do indivíduo (estudos que auxiliam na manutenção da saúde), a conservação da família (atividades que asseguram a educação e a disciplina dos filhos), da sociedade (relativas às ações em sociedade, relações sociais e políticas), por fim, a manutenção dos prazeres individuais (satisfação ou exercício do gosto e dos sentimentos).
Sendo a educação uma atividade preparatória, responsável por nos ensinar a viver em todas as instâncias, nada mais lógico que interrogar: quais são os conhecimentos necessários ao cumprimento dessa tarefa? A esta questão, Spencer antecipa uma outra, citando Fancis Bacon,  que considera muito mais importante: “qual o valor relativo dos conhecimentos? Quais os conhecimentos que contribuem para a felicidade humana?
As respostas, como veremos adiante, serão fundadas em apenas um critério: o da utilidade. Ele reclama que os homens, desde os primeiros tempos, vêm optando pelo “ornamental” em detrimento do “útil”, pelo que “aparentamos ser”, em detrimento daquilo que realmente “somos”. 
devemos determinar o valor relativo dos conhecimentos [...] respondendo à pergunta: isto para que serve? O matemático, o filólogo, o naturalista ou o filósofo mostra o modo como a sua ciência influi beneficamente na ação, como ela pode libertar-nos do mal, assegurar-nos o bem, conduzir-nos para a felicidade... [Mas,] quando um colecionador dos fatos do passado, um numismático, se vir embaraçado em tornar patentes os efeitos apreciáveis, que esses fatos podem produzir sobre a felicidade humana, terá de admitir que eles são comparativamente sem valor (Spencer, 1901, p. 10). 
Era assim que pensava o filósofo inglês no momento da escrita de sua obra mais conhecida entre os educadores, da qual retiramos os sentidos de currículo, conhecimento, entendimento e ensino de História.
Educação intelectual, moral e física
Vimos que Spencer concebe a vida como o conjunto de cinco tipos hierarquizados de atividades. O plano da sua principal obra educacional, entretanto, seleciona – a exemplo de outro inglês de renome (John Locke) – três topologias das capacidades humanas para tratar do fenômeno educacional: as dimensões intelectual, moral e física.
A dimensão intelectual – como opróprio nome indica – trata dos processos de pensamento, produção de conhecimento, ensino e aprendizagem. Como todo reformador, Spencer também critica os métodos empregados pelas gerações anteriores, embora compreenda que as concepções de educação, currículo e de método de ensino sejam debitarias de cada época. No vocabulário espenceriano, os sistemas educacionais dependeriam dos “estágios sociais” respectivos. No tempo do “despotismo político”, portanto, o ensino teria que ser, irremediavelmente, “dogmático” e “oracular”, disciplinarmente severo, pleno de restrições, ascético e crente nos defeitos do homem (Cf. Spencer, 1901, p. 81).
Fundado em estudos de autores como Pestalozzi e Francis Bacon e demonstrando sua própria teoria do progresso, Spencer anuncia os princípios que, segundo ele, deveriam reger o ensino do seu tempo – uma sociedade marcada pelo liberalismo político e econômico: 1. proceder do simples para o complexo; 2. do indefinido para o definido; 3. do concreto para o abstrato; 4. acompanhar o curso do gênero humano (filosofia da história); 5. proceder do empírico para o racional; 6. instigar as crianças à descobrirem; e 7. ser agradável à criança.
Uma das chaves para compreender esse rol de princípios está na sua ideia de intelecto. Spencer subordina o “processo da formação e da acumulação das ideias” em leis gerais de hereditariedade e de adaptação – que obedecem à certa progressão: do simples para o complexo, do concreto para o abstrato, do indefinido para o definido (como descrito acima). Os “processos mentais” são geridos por instrumentos [órgãos] funcionais chamados de faculdades, que se desenvolvem (se expandem) de forma espontânea, sequencial e gradativa, mediante a apresentação de determinados conhecimentos, processo referido por Spencer como “exercício mental” (idem, p. 93).
Assim, seguindo a ordem da natureza, “a disposição das matérias e dos métodos deve corresponder à ordem da evolução e ao modo de atividade das faculdades” (idem, p. 94, 115). Corromper essa ordem, isto é, oferecer livros didáticos em lugar de por o aluno em contato com os fenômenos (oferecer palavras, quando deveria lhes apresentar as coisas), ensinar-lhes leis gerais em lugar de fatos particulares (oferecer preceitos, quando deveria lhes apresentar os princípios) é instaurar a confusão na mente da criança e transformar o ensino em atividade enfadonha. 
As faculdades só se desenvolvem numa certa ordem e numa certa proporção.
Se o curso da educação se conforma a essa ordem e a essa proporção, vai muito bem; se não se conforma, se as mais altas faculdades são prematuramente sobrecarregadas com o estudo de uma ordem de conhecimentos mais complexos e abstratos do que nessa época o espírito pode facilmente assimilar, ou se, por excesso de estudo, a inteligência em geral se desenvolve num grau superior àquele que é natural à idade, a vantagem anormal que se conquista será inevitavelmente acompanhada por algum mal equivalente, ou por mais do que o equivalente
Porque a natureza é um caixeiro exato, e se lhe pedirdes em qualquer verba mais do que ela pode despender, o balanço terá de ser feito com a dedução a qualquer outra. Se se deixar a natureza seguir o seu processo regular, tendo-se apenas cuidado em lhe fornecer em quantidades e qualidades próprias, os materiais brutos que cada idade requer para o desenvolvimento físico e espiritual, ela oportunamente produzirá um indivíduo mais ou menos perfeitamente desenvolvido. (Spencer, 1901, p. 257-258). 
Esse processo rege o ensino dos conhecimentos socialmente produzidos com o nome de científicos, mas é também o orientador da educação moral. O “sistema de disciplina pelas reações naturais”, princípio nomeado por Spencer que deve ser seguido por pais e professores, também obedece à ordem exata da natureza e equivale à evolução política da espécie humana: autocracia, constitucionalismo insipiente e liberdade (submissão da criança à vontade dos pais, liberdade restrita para o jovem e auto-governo para os adultos). A disciplina tem como meta final a formação de “um ente que possa governar a si mesmo” (idem, p. 200).
As vantagens de tal “sistema” são muitas. Em primeiro lugar, ele substitui “a ação pessoal dos pais pela ação impessoal da natureza”. Essa condição fortalece o sentimento de justiça e reforça a amizade entre pais e filhos.  O sistema de disciplina também combate o egoísmo, desperta o altruísmo, corrige a prodigalidade e, ainda mais importante: ensina o sentido de causa e efeito e introduz nos pequenos a noção de que a satisfação dos desejos depende do esforço do trabalho. Tal princípio pode ser sintetizado na seguinte frase: “Que os filhos experimentem as verdadeiras consequências do seu procedimento” (idem, p. 168).
Na educação física, a ordem da natureza e a trajetória da humanidade também são observadas. A primeira é explícita na prescrição de Spencer de que se deve “prestar atenção às nossas sensações” (idem, p. 233). “O apetite é um bom guia” para disciplinar a quantidade e a qualidade da alimentação. O frio e o calor são balizas para a confecção do vestuário. A criança, portanto, necessita de boa alimentação para produzir energia e crescer, tem que estar bem protegida das baixas temperaturas, precisa de jogos e ginástica para desenvolver o corpo.
Quanto à relação desenvolvimento físico e desenvolvimento mental, Spencer alerta:
uma inteligência baseada num mau físico é de pouco valor, pois que os seus descendentes morrerão numa ou duas gerações; e inversamente  que um bom físico, embora desacompanhado de dotes espirituais, merece ser conservado, porque, através das gerações futuras as faculdades intelectuais devem ser indefinidamente desenvolvidas.
Eduquem tão distintamente quando possível for – no melhor e no mais alto grau – contanto que não produzam qualquer incômodo físico [...] (idem, p. 27). 
Essa relativa supremacia da educação física sobre a educação intelectual, acrescida do papel da utilidade como critério para a eleição de componentes curriculares nos estimula ainda mais a saber qual o valor da história no currículo spenceriano. 
O progresso tem seus críticos.
Charles Chaplin (1889/1973), ator e cineasta inglês.
História: uma disciplina inútil 
De início, afirma Spencer afirma que a ciência da História, do modo como era majoritariamente concebida a seu tempo, meados do século XIX, não resultava em qualquer “benefício direto” ao indivíduo e à sociedade. A ciência da História e os seus conteúdos escolarizados são considerados conhecimentos de “valor convencional: não têm nem mais a remota influência em nenhuma das nossas ações; e têm apenas a utilidade de nos livrar das desgraciosas críticas com que a opinião pública avalia aquilo que desconhece” (Spencer, 1901, p. 17).
Notem que o valor convencional é o último na hierarquia cunhada por Spencer, que traz ainda os conhecimentos de “valor quase intrínseco”, que sobrevivem ao tempo de uma raça – a linguagem, baseada no grego e no latim, por exemplo –, e os conhecimentos de “valor intrínseco”, que vêm agindo na vida humana há mais de dez mil anos, como os fatos físicos, químicos e as leis da saúde. (idem, p. 17). (Cf. Excerto apensado a este capítulo).
A História, portanto, não contribui diretamente com a felicidade do homem em nenhuma das atividades da vida: para a preservação da vida da criança; da vida em família; e da vida em sociedade, como cidadão ou gozando das benesses do ócio.
Em várias ocasiões, os conhecimentos fornecidos pela ciência da História fazem até o contrário: na educação para a conservação da família, a decoração de “palavras, nomes e datas” não exercita as “faculdades reflexivas” das meninas e ainda ocupa o espaço de conhecimentos importantes sobre o educar dos filhos e de como atrair o futuro marido: “quantas conquistas fará uma sabichona por causa dos seus extensos conhecimentos históricos?” (idem, p. 38-39, 269).
Na educação para o Estado e para a sociedade, 
dificilmente os fatos ensinados nos nossos cursos de História, bem como a maior parte das melhores obras escritas para adultos, ilustram o espírito sobre os justos princípios da ação política As biografias dos monarcas (e a nossa mocidade não aprende outra coisa) lançam pequena luz sobre a ciência da sociedade. A familiaridade com as intrigas da corte, com as suas conspirações, com as suas usurpações, ou coisas semelhantes, e com todas as personalidades que as acompanham, pouca elucidação podem trazer sobre as causas do progresso nacional. Lemos as disputas do poder que originam as batalhas encarniçadas; [...]
pondo de parte os pormenores minuciosos da narrativa, dizei – que subsídio recebeis com estes conhecimentos para a regularização do vosso procedimento como cidadão?
Supondo até que lestes cuidadosamente não só as “Quinze batalhas decisivas do Mundo”, mas ainda a narrativa de todas as outras batalhas que a história romana menciona, que nova força judiciosa recebestes para votar na próxima eleição? (idem, p. 46-47). 
É importante entender o sentido de “felicidade humana” empregado nesse trecho. Ela se constitui no equilíbrio da saúde do indivíduo; na harmonia das relações entre pais e filhos na ausência de despotismo nos governos; nas iniciativas de regeneração social dos criminosos, sem a intervenção das penalidades bárbaras; no progresso industrial e comercial da nação.
Reprovada a História, entre vários outros componentes, só há um tipo de conhecimento que atravessa todas as atividades da vida, contribuindo com a felicidade dos homens. Esse conhecimento é a “ciência: a categoria de conhecimentos... que preside a justa realização dos processos que tornam a vida civilizada” (idem, p. 26).
Mas não era dessa forma que pensavam os gestores das escolas inglesas, reclamava Spencer. A ciência – Fisiologia, matemáticas, Física, Química, Mecânica, Astronomia, Geologia, Biologia e a ciência da sociedade – era em grande parte ignorada: “essa ciência que, em vez das mais degradantes concepções das coisas, nos deu largas vistas sobre as grandezas da criação, é considerada como inimiga pelas nossas teologias e fulminada do alto dos nossos púlpitos. [...] podemos dizer que na família dos conhecimentos, a ciência é a gata borralheira que na obscuridade oculta perfeições ignoradas” (idem, p. 78).
Apesar de preocupar-se com os valores dos conhecimentos e não com os “sistemas de educação”, Spencer reserva espaço para a crítica aos métodos e processos cultivados no seu tempo. Afirma ele que a escola trabalha com metodologias inadequadas ao novo modelo (o modelo civilizado) de sociedade. Mantinha-se o “sistema de rotina”, que “tratava mais das formas e dos símbolos do que das coisas simbolizadas. Repetir as palavras corretamente era tudo; compreendê-las, era nada”.
A outra opção em uso (embora em declínio) era o “sistema de ensino por preceitos”, que tratava primeiro das generalizações para depois chegar-se aos fatos particulares (idem, p. 86). É presumível, portanto, que tais fossem os meios de ensino utilizados para o ensino de História. Também aí estaria mais uma desvantagem para a ciência e para os seus conteúdos. Decorar nomes e datas, além de tornar inoperante a faculdade da reflexão, ainda saturava a faculdade da memória, tornando-se, dessa forma, um transtorno para a educação intelectual, moral e física dos homens e mulheres da Inglaterra. 
Um saber pré-científico 
Mas a que ciência da História Spencer se refere? Que conteúdos são tão reprovados pelo filósofo? Ora, não é toda a História que é reprovada, haja vista que não se está a escolher por este ou aquele conhecimento e sim pelo”valor relativo” de todos os conhecimentos existentes.
Busca-se um tipo de História relativo a uma certa educação, destinada à certa atividade da vida (criança, família, sociedade etc.). Por essa orientação, têm a ciência da História e o ensino de História um lugar proeminente em um momento específico da educação do homem. E este momento é o da educação para a vida do cidadão, ou seja, o ensino dos conhecimentos relativos aos deveres políticos e sociais.
O que Spencer reprova é, exatamente, o tipo de “fato” histórico veiculado pelas biografias, e pelas narrativas sobre intrigas palacianas e sobre grandes batalhas, como já foi assinalado. Esses, sim, não concorrem “para a perfeição da existência humana” (idem, p. 46-48). 
O que constitui a História propriamente dita é na maior parte omitido, nas obras que dela dizem tratar. Só nestes últimos anos é que alguns historiadores nos começaram a dar, às doses, conhecimentos de valor real. Como nos séculos passados o rei era tudo e o povo coisa nenhuma, assim nas passadas histórias os feitos do rei enchiam toda a tela, donde eram cuidadosamente varridas as manifestações da vida nacional. Só agora que a ideia da felicidade das nações sobreleva a vaidade dos seus dirigentes é que os escritores da História principiam a ocupar-se dos fenômenos do progresso social. A coisa que realmente mais importa saber é a história natural da sociedade (idem, p. 49). 
A “História natural da sociedade” proposta por Spencer inclui, obviamente, a história política, da formação da nação, dos governos central e local. Mas inclui também a história do poder eclesiástico, suas relações com o Estado, os costumes da população – entre os homens e mulheres, entre pais e filhos; as superstições e mitos; a produção – a divisão do trabalho, evolução das técnicas, organização das indústrias e do comércio; a vida intelectual – educação, ciência, artes e literatura; o cotidiano da população – alimentação, atividades domésticas; a moral teórica e a moral prática – leis, costumes, provérbios etc. (Cf. Spencer, 1901, p. 49-50).
Como se vê, é um programa de História da civilização – ao modo voltairiano – que propõe Spencer em lugar de uma história política stricto sensu.
Mas a questão do filósofo não é só temática. O problema com a História é que mesmo depois de ampliado o raio de observação e o caráter da determinação dos fatos humanos, a ciência de Clio continua a configurar-se num aglomerado de fatos estabelecidos. É necessário que esses fatos “sejam agrupados e dispostos de modo que possam ser compreendidos no seu conjunto e observados como partes mutuamente dependentes de um grande todo... de modo que a gente possa traçar o consensus (a harmonia) existente entre eles, procurando estudar sempre que fenômenos sociais coexistem com outros” (Spencer, 1901, p. 50-51).
O que prega Spencer é a constituição de uma “Sociologia descritiva” que, depois de estabelecida, seria submetida às generalizações produzidas pela “ciência”. Tais generalizações, segundo o seu ponto de vista, somente poderiam ser colhidas nos conhecimentos da Biologia e da Psicologia, responsáveis pela “interpretação racional dos fenômenos sociais” (idem, p. 51). Até atingir a esse ponto, a História continuaria afastada da formação do cidadão, já que 
[s]ó uma pequena parte da História que se aprende tem algum valor prático, e desta pequena parte não estamos suficientemente preparados para nos utilizarmos dela. Faltam-nos, não só os materiais da Sociologia descritiva, mas também uma verdadeira concepção do que essa ciência é; faltam-nos igualmente essas generalizações das ciências orgânicas, sem as quais a própria Sociologia descritiva só poderá fornecer um auxílio suficiente (idem, p. 53). 
Por essas teses, concluímos, então, que para Herbert Spencer o desprezo em relação ao ensino de História não se resume à inutilidade dos seus conhecimentos para a manutenção da vida ou, em outros termos, para a felicidade humana. Em tempos de especialização dos saberes – compartimentação da Filosofia em ciências humanas e sociais, o ensino de História sofre os males das fragilidades epistemológicas do próprio saber de referência, diante da nascente Sociologia.
A História não havia alcançado o status de ciência positiva. Faltava-lhe a capacidade para produzir leis e até de prever. Por isso, também, não seria saber destacado na formação do cidadão inglês da segunda metade do século XIX, como se pode acompanhar pelo excerto que se segue. 
Quais são os conhecimentos de maior valor? 
[...] O valor de cada espécie de cultura, como auxiliar da vida perfeita, pode ser ou necessário, ou mais ou menos contingente. Há conhecimentos de valor intrínseco; conhecimentos de valor quase intrínseco, e conhecimentos de valor convencional. Fatos, como as sensações da prostração e dos zunidos que precedem geralmente a paralisia, como a resistência da água a um corpo que se move nela e que varia segundo o quadrado da velocidade, como a clorina, considerada desinfetante, fatos desta ordem e, em geral, as verdades da ciência têm um valor intrínseco; influíam na vida humana de há dez mil anos como agora influem.
O conhecimento superior da nossa própria linguagem, fornecido pelo estudo do latim ou do grego pode ser considerado como tendo um valor quase intrínseco; porque existe realmente para nós e para as outras raças cujos idiomas nascem das mesmas fontes; mas que viverá somente o espaço de tempo que eles viverem. O gênero de conhecimentos que, nas nossas escolas, usurpa o nome de História – mero tecido de nomes, de datas e de sucessos que nada dizem – tem apenas um valor convencional: não tem nem a mais remota influência em nenhuma das nossas ações; e tem apenas a utilidade de nos livrar das graciosas críticas com que a opinião pública avalia aquilo que desconhece. Naturalmente, como os fatos que dizem respeito ao gênero humano através de todos os tempos devem ser considerados de muito maior importância do que aqueles que são relativos a uma certa classe num dado período histórico, e como são ainda menos importantes aqueles que se referem a um período em que foram moda, segue-se que, numa apreciação racional, os conhecimentos de valor intrínseco, em igualdade de circunstâncias, devem preceder os conhecimentos de valor quase intrínseco ou de valor convencional.
Mais um preliminar. A aquisição de cada espécie de conhecimentos tem dois valores – o valor como ciência e o valor como disciplina. Além da sua utilidade como guia da vida, a aquisição de cada ordem de fatos tem também merecimento como exercício mental; e os seus efeitos como preparação para a existência perfeita têm de ser considerados debaixo desses dois aspectos.
São estas, portanto, as ideias que devemos estabelecer para discutirmos um sistema de educação: - A vida dividida em várias espécies de atividade, de importância sucessivamente descendente; o valor de cada ordem de fatos como regulador destas diferentes espécies de atividade, intrinsecamente, quase intrinsecamente e convencionalmente, e as suas influências reguladoras, consideradas como ciência e como disciplina. (Spencer, 1901, p. 17-18).
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. História não traz felicidade. Texto-base das aulas ministradas aos alunos da disciplina Teorias do Currículo do curso de Pedagogia (noturno). São Cristóvão, out. 2010. http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historia-nao-traz-felicidade.html
Fonte das imagens:
Herber Spencer - http://reason.com/blog
O progresso tem seus críticos - http://catracalivre.folha.uol.com.br
Referências
SPENCER, Herbert. Educação intelectual, moral e física. Rio de Janeiro: Laemert, 1901. [Primeira edição inglesa – 1868].
______. Do progresso: sua lei e sua causa. Lisboa: Inquérito, s.d. 
Notas:
[1] Herbert Spencer, filósofo e sociólogo inglês. Nasceu em Derby (1820) e morreu  em Brighton (1903). Suas obras mais conhecidas no Brasil são: Do Progresso: sua lei e suas causas (1857), Educação física, intelectual e moral (1861), Primeiros princípios (1862), Classificação das ciências (1864), e Princípios de Biologia (1867).