sábado, 27 de novembro de 2010

História para John Dewey: um instrumento para a análise das condições presentes

Campus da Universidade de Chicago (www.uchicago.edu, 2010). Nesta instituição, em 1899, 
John Dewey divulgou os seus primeiros trabalhos sobre Filosofia e Psicologia educacional. 
Genética, funcional e social são as característica dominantes da pedagogia de John Dewey (1859/1952), segundo Edouard Claparède (1913, p. 16). Mas, para melhor compreender o lugar do ensino de História em grande parte da sua obra, talvez fosse produtivo anunciar a distinção fundamental, estabelecida por ele próprio, entre a sua concepção de educação e as idéias herbartianas, hegemônicas no final do século XIX (Cf. Dewey, 1913, p. 81-82).


Quadro n. 1 - Pedagogia de Herbart x Pedagogia de Dewey
Pedagogia de Herbart
Pedagogia de Dewey
Centrada no mestre escola
Introjeta a obediência à autoridade
Compatível com uma ordem social fundada na subordinação
Reserva à criança um caráter passivo
Centrada na criança
Introjeta o autocontrole
Compatível com uma ordem social fundada na coordenação
Põe a criança em experimentação direta

Observem que a “revolução coopernicana” em relação ao agente e o vetor da educação está explicitada neste quadro. É a criança e não o professor o foco das atenções. É o movimento de dentro para fora da individualidade que caracteriza a educação renovada e não o contrário. Mesmo em trabalho conciliador, ele exprime nesses termos a diferença entre a “educação tradicional” e a “educação nova ou progressiva”:
A história da teoria de educação está marcada pela oposição entre a idéia de que educação é desenvolvimento de dentro para fora e a de que é formação de fora para dentro; a de que se baseia nos dotes naturais e a de que é um processo de vencer as inclinações naturais e substituí-las por hábitos adquiridos sob pressão externa. (Dewey, 1971, p. 3).
John Dewey (1859/1952).
Filósofo e Psicólogo da educação
Harvard University Archives
O quadro e a citação direta também demonstram os traços fundamentais apontados por Claparède. Em primeiro lugar, a pedagogia de Dewey é genética, pois concebe a criança como um ser que deve se desenvolver.
É funcional (no sentido biológico), já que entende os “processos mentais” e as “atividades psíquicas” da criança como instrumentos destinados à manutenção da vida (são “funções”) – para Dewey, as chamadas “faculdades mentais” não seriam fenômenos autônomos ou potências a serem despertadas e/ou exercitadas.
Por fim, a pedagogia deweana é social. Ela cultiva a idéia de que o indivíduo – membro do corpo social – deva ser preparado para ter função útil na sociedade. (Cf. Claparède, 1913, p. 17-17, 20 e 26-27).
Esses princípios vêm sendo largamente difundidos no Brasil há mais de 70 anos, desde que alguns “pioneiros” da escola nova, com destaque para Anísio Teixeira, resolveram modificar radicalmente os fundamentos da educação escolar nacional. Eles se desdobram, principalmente, no entendimento de métodos de ensino  e de aprendizagem (experimentar/pensar), na idéia de currículo, construídos sob os princípios da Psicologia biológica de William James e do evolucionismo de Charles Darwin (Cf. Van Acker, p. XIII). É o que veremos a seguir.


A experiência como matéria de ensino
As idéias-chave sobre o currículo – e o currículo para o ensino das crianças – foram lançadas entre 1895 e 1902. No entanto, quem tiver o privilégio de comparar os escritos de A criança e o currículo (1902), Democracia e educação (1916), Experiência e educação (1938) constatará a coerência dos seus argumentos em quase quatro décadas de pesquisas sobre o tema.
Em A criança e o currículo (1902), Dewey denuncia os equívocos cometidos por teóricos “tradicionais” e expoentes da [escola ativa]. Ambos colocam em oposição a “vivência imediata” da criança e os fatos e verdades condensados em “assuntos-matéria”. Não há que optar entre um e outro, afirma o filósofo. Criança e currículo “são apenas dois limites que definem um só processo”: a experiência humana (Dewey, 2002, p. 162-163).
A matéria é a experiência humana. Mas ela tem sentidos diferentes para o aluno, o especialista e o professor. O especialista preocupa-se com o anúncio de novos fatos, a proposição e verificação de hipóteses. A matéria tem fim em si mesma. Para o aluno, representa as “possibilidades” da matéria “formulada, cristalizada e sistematizada do adulto, isto é, do modo que se encontra em livros, em obras de arte etc.” (Dewey, 1979, p. 201).
Para o professor, a matéria só tem sentido como representação de um determinado estágio de desenvolvimento da experiência. Sua preocupação maior é conhecer
a forma como esse assunto se tornou parte da experiência; o que existe no presente da criança que lhe é útil; como esses elementos devem ser usados; como pode o seu próprio conhecimento do assunto-matéria auxiliar a interpretar as necessidades e os atos da criança e a determinar o meio em que a criança deve ser colocada para que o seu crescimento possa ser oportunamente dirigido. Está interessado, não como o assunto-matéria em si, mas com o assunto-matéria como um fator relacionado, numa experiência total e em crescimento. (Dewey, 2002, p. 171-172; Cf. 1971, p. 77-78).
Que fazer, então, com tantas diferenças de perspectiva? Como não recair no antagonismo experiência da criança x experiência científica? Dewey resolve o problema: é necessário “reintegrar na experiência o assunto-matéria dos estudos ou ramos do saber. Tem de ser restituído à experiência de onde foi abstraído. Precisa de ser psicologizado; transferido, traduzido para a vivência imediata e individual em que teve a sua origem e importância” (Dewey, 2002, p. 171).
Johann Freidrich Herbart (1776/1841)
Filósofo e Psicólogo da educação
que fundamentava a Pedagogia
combatida por John Dewey.
Neste ponto não há concessões ou bom senso. A Psicologia anterior (pricipalmente, a herbartiana) deve mesmo ser abandonada. A mente não pode mais ser concebida como um ente isolado do mundo externo, responsável exclusivamente pelas operações intelectuais (em detrimento da “emoção” e do “esforço”), pronta e acabada. As mentes do adulto e da criança não mais podem se diferenciar apenas pelo tamanho das faculdades ou em razão de uma aparecer mais cedo que as outras.
A psicologização da educação escolar deve pautar-se, ao contrário, por uma idéia de mente interagente com o ambiente social. A mente alimenta-se, é estimulada, desenvolve-se, modifica-se, apresentando “fases distintas de capacidade e interesse em diferentes períodos” (Dewey, 2002, p. 87-88). Esta concepção modifica radicalmente o sentido, a natureza, função, a maneira de ensinar e de aprender. Surge, assim, um novo desenho para o currículo escolar no início do século XX.


Quadro n. 2 - Estágios de desenvolvimento da criança, segundo John Dewey (1900)
Estágios
Objetivos
Critérios de seleção dos conteúdos
Conteúdos
Métodos de ensino
1
(entre quatro e oito anos)
Produção – experiências, brincadeiras e jogos como formas ativas de ação
Fases da vida, modo como as fases da vida se relacionam com o meio social da criança
Devem levar as crianças a se expressarem socialmente
Vida familiar, vizinhança, ocupações sociais relacionadas à interdependência da cidade e do campo, evolução histórica das ocupações típicas e das formas sociais que se relacionam com elas
A matéria deve ser apresentada como uma coisa que deve fazer parte da experiência da criança, através da sua própria atividade (motora ou expressiva): cozinhar, comprar, contar histórias etc.

2
(dos oito ou nove anos até os onze ou doze anos)
Investigação - descoberta de fatos e verificação de princípios
Atividades nas quais o aluno sinta que alcança alguma coisa, algo que conduza a um resultado claro e continuado
Regras e processos, formas de adaptação dos meios aos fins em perspectivas histórica, geográfica e experimental.
Detalhes sobre a vivência de determinadas populações do país, Leitura, Escrita, e Aritmética
Atividades que levem a criança a reconhecer a necessidade de assegurar para si própria o controle prático e intelectual dos métodos de trabalho e de pesquisa como forma de lhe permitir encontrar resultados para si mesma
3
(mais de 12 anos – fronteira com o ensino secundário)
O aluno deve utilizar o domínio dos métodos, instrumentos de pensamento, pesquisas, como também da especialização em estudos e artes distintos com objetivos técnicos e intelectuais
Não há inferências seguras no momento
Não há inferências seguras no momento
Não há inferências seguras no momento
Baseado em Dewey, “A psicologia da educação elementar”, 2002, p. 86-99.

O Quadro n. 1 apresenta os possíveis desdobramentos da “psicologização” da educação escolar proposta por Dewey. Por ele é possível identificar os proposições anunciadas, tanto em termos de atividade mental como de processos de desenvolvimento da criança. Nele são patentes o movimento do “fazer” ao “saber fazer” (coluna 1), a expansão da experiência das relações familiares às relações com as instituições (entre as quais o Estado), o alargamento da percepção física do espaço aonde mora para a abstração do espaço ocupado pelo sistema solar, como também da memória e dos hábitos individuais para as memórias e tradições seculares de vários povos.
Em textos de 1916 e 1938, Dewey detalha a progressão da aprendizagem escolar (sugerida na coluna n. 1). No primeiro, trata da progressão ao longo da vida do educando:
É possível, sem se forçarem os fatos, estabelecer três estágios perfeitamente típicos do desenvolvimento da matéria a aprender, na experiência do educando. Em seu primeiro estado, o saber é uma habilidade inteligente – a de poder fazer as coisas. Esta espécie de saber revela-se pelo manuseio e familiaridade da criança com as coisas. Em seguida, este saber gradualmente se avoluma e aprofunda por meio dos conhecimentos ou informações comunicados. Afinal, amplia-se e transforma-se em matéria coordenada lógica ou racionalmente – de uma pessoa relativa já competente e especializada na referida matéria (Dewey, 1979, p. 203). 
Williams James (1896/1922)
Psicólogo estadunidense que 
fundamentou parte do pensamento
educacional de John Dewey
No segundo texto, Experiência e educação (1938), Dewey estabelece as condições desse progresso e o seu mecanismo, fornecendo indícios de sua aplicação em termos de planejamento dentro de um mesmo ano. Ele afirma que o professor deve sempre iniciar o seu trabalho partindo da experiência e das habilidades que o aluno adquiriu antes de chegar à escola. Deve organizar as atividades para os alunos levando em conta o “crescimento em experiência do aluno, a expansão e organização da matéria em estudo” e conclui: “nenhuma experiência será educativa se não tender a levar – simultaneamente – ao conhecimento de mais fatos, a entreter mais idéias e o melhor e mais organizado arranjo desses fatos e idéias.” (Dewey, 1971, p. 86).
Como podemos observar, esse é o movimento prescrito pelo método experimental: uma verdade que suscita um problema que leva a novas investigações e resulta em novas verdades que suscita outro problema e assim por diante. “O processo é uma contínua espiral” (Dewey, 1971, p. 86, 82). A mesma orientação é sugerida para as formas de aprender: observar o ambiente, levantar problemas, formular hipóteses, selecionar instrumentos e técnicas, extrair informações e concluir.
Depois dessa breve exposição sobre a idéia de conteúdo, método de ensino e de aprendizagem, resta-nos discorrer sobre o lugar da História no currículo deweano. Quais fatos e idéias devem ser selecionados? Qual o valor do passado e da História na experiência cotidiana? Como garantir a progressão da experiência cotidiana para a ordem científica? Como aplicar, enfim, o método experimental em conhecimentos que, a rigor, não mais podem ser experimentados? (Continua).


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. História: um instrumento para a análise das condições presentes.<http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historia-um-instrumento-de-analise-das.html>

Fontes das imagens
Campus da Universidade de Chicago. <www.uchicago.edu>. Acesso em: 27 nov. 2010.
John Dewey. Harvard University Archives. <www.harvardsquarelibrary.org>.
Acesso em: 27 nov. 2010.
Johann Friedrich Herbart <herbart.fae.blogspot.com>. Acesso em: 25 nov. 2010.
Williams James. <http://plato.stanford.edu>. Acesso em 27 nov. 2010.

Referências
CLAPARÈDE, Edouard. Introduction – La pédagogie de M. John Dewey. In: DEWEY, John. L’école et l’enfant. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, [1913]. p. 5-36.
DEWEY, John. L’intérêt et l’effort dans leurs rapports avec l’éducation de la volonté. In: L’école et l’enfant. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, [1913]. p. 39-90. [Publicado em inglês, Chigago, 1895].
_____. L’enfant et les programes d’études. In: L’école et l’enfant. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, [1913]. p. 91-118. [Publicado em inglês, Chicago, 1902].
_____. Le but de l’histoire dans l’instruction primaire. In: L’école et l’enfant. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, [1913]. p. 119-128. [Publicado em inglês, Chicago, s.d].
_____. Morale et education. In: L’école et l’enfant. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, [1913]. p. 129-172. [Publicado em inglês, New York, 1897].
_____. A significação da geografia e da história: In: Democracia e educação: breve tratado de filosofia da educação. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1936, p. 262-275.
______. El juicio como determinacion espacio-temporal: narración-descripción. In: Logica: teoría de la investigación. México: Fondo de Cultura Económica, [1950].
______. Experiência e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
_____. A significação da Geografia e da História. In: Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 228-240.
_____. A Psicologia da educação elementar. In: A escola e a sociedade e A criança e o currículo. Lisboa: Relório D’agua, 2002. pp. 83-89.
______. O objetivo da História na educação elementar. In: A escola e a sociedade e A criança e o currículo. Lisboa: Relório D’agua, 2002. pp. 131-153.
______. A criança e o currículo. In: A escola e a sociedade e A criança e o currículo. Lisboa: Relório D’agua, 2002. pp. 155-178.
______. The significance of geography and history. In: Democracy and education: an introduction to the philosophy of education. New York: The Macmillan Company, s.d. p. 243-255.
RODRIGUES, José Honório. Dewey e a História. In: Vida e história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 233-236.
LOURENÇO FILHO. Prefácio. In: DEWEY, John. Experiência e natureza; lógica: a teoria da investigação; a arte como experiência; vida e educação; teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 109-112. (Coleção “Os pensadores”).
TEIXEIRA, Anísio. A pedagogia de Dewey: esboço da teoria de educação de John Dewey. In: DEWEY, John. Experiência e natureza; lógica: a teoria da investigação; a arte como experiência; vida e educação; teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 113-135. (Coleção “Os pensadores”).
VAN ACKER, Leonardo. Dewey e dois de seus livros. In: In: DEWEY, John. Experiência e natureza; lógica: a teoria da investigação; a arte como experiência; vida e educação; teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. XIII-XXII. (Coleção “Os pensadores”).

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O americanismo progressivista de João Roberto Moreira e o ensino de História para a "moderna" escola primária brasileira (1960)

Alfred Binet. Psicólogo
francês (1857/1911)
Muito se reclama da supremacia de modelos europeus na educação histórica brasileira. Em relação à escola primária, Alfred Binet, Ovídio Decroly e Maria Montessori são exemplares bastante citados. No entanto, as apropriações de teses norte-americanas (que, evidentemente, dialogam com as européias) no campo do currículo são centenárias. Basta lembrar as marcas de o renomado Parecer de Rui Barbosa (1883), produzido nos últimos tempos do Império. O mesmo pode-se dizer das iniciativas de implantação dos Estudos Sociais, em vários momentos do século XX. Este componente curricular ganhou ardorosos defensores, entre os quais, os professores Carlos Delgado de Carvalho, de quem já tratei em outro trabalho (Cf. Freitas, 2006), e João Roberto Moreira.[1]
Moreira era um americanófilo, com certeza. Bordões (educação para uma civilização em mudança), autores (J. Dewey, E. L. Thorndike), desenho do currículo (core-curriculum, unidades didáticas), estratégias de ensino/aprendizagem (métodos de projetos e de problemas), princípio da “graduação do ensino das matérias” a partir de testes, flexibilização de horários, autonomia didática do professor, respeito aos interesses dos alunos (Cf. Moreira, 1955, p. 215-218), enfim, tudo isso foram propostas incorporadas à sua obra, desde o lançamento de Introdução ao estudo do currículo da escola primária (1955). Mas, no momento de prescrever o currículo do primário inovador, premido pelas peculiaridades sócio-econômicas brasileiras, fez síntese, inclusive das idéias educacionais do velho mundo.
As alternativas de origem norte-americana também foram anunciadas em Teoria e prática da escola elementar (1960) como antídoto à organização “tradicional” dos currículos brasileiros do seu tempo. Como ficaria a História dentro dessa proposta de fundo estadunidense?
Em primeiro lugar, não haveria ensino de História, nem de qualquer outra disciplina isoladamente. Moreira aconselha agrupá-las segundo a natureza do conhecimento e ministrá-las de forma correlacionada. Surge assim o estudo da “linguagem”, “número e o cálculo”, das “ciências”, e dos “valores humanos, práticas e estudos sociais elementares” – que incorpora a História, Geografia e Ciências Sociais. Linguagem, Estudos Sociais, etc. ofereceriam os seus “mínimos” à formação da criança para a vida presente. O “mínimo” da História seria o desenvolvimento da noção de passado e de presente nas crianças (Moreira, 1960, p. 352). Organizados interativamente, esses mínimos poderiam receber o nome de “unidade de ensino” (Cf. Moreira, 1960, p. 361).
Uma unidade de ensino era concebida como um plano de execução de várias atividades, demandadas pela vida em sociedade, surgidas imediatamente a partir do interesse dos alunos. O modelo apresentado por Moreira prevê uma gradação: “estimulação ou sondagem de interesses, formulação de objetivos, atividades e propósitos, investigação e coleta de dados, integração e correlação dos dados, culminação das atividades e aplicação da aprendizagem” (Moreira, 1960, p. 369).
Tal progressão também deveria ser observada entre as várias séries do ensino primário.[2] As unidades seriam organizadas de forma a respeitar o “velho princípio de que aquilo que está mais próximo e mais intimamente ligado a nós é o que pode ser mais facilmente por nós compreendido, e que, neste particular corresponde a dados da psicologia evolutiva” (Moreira, 1955, p. 350).
Se quisesse justificar teoricamente (Moreira não explicita), poderia afirmar que suas escolhas pautaram-se nos princípios e exemplos de Decroly e de Dewey que – guardadas as devidas diferenças entre as experiências européia e estadunidense – sugeriam a progressão do individual para o social, da experiência familiar para a experiência nacional (idem, p. 86-88). Observemos o quadro das unidades sugeridas para a primeira série do ensino primário.
Quadro n. 1
Problemas/Atividades sugeridos para o currículo da escola 
primária brasileira (Primeira série)
PRIMEIRA SÉRIE PRIMÁRIA (Parte 1)
Problemas/atividades relacionados à vida em família
De que modo os membros de nossa família podem ajudar-se mutuamente na realização de suas próprias tarefas diárias?
Como as diferentes repartições (quartos ou dependências) de nossas casas contribuem para nos ajudar a viver juntos? Como usamos esses quartos ou dependências? Seria possível usá-los de melhor forma?
Que máquinas e utensílios usamos em casa, por que, para que?
Como a nossa família se distrai ou diverte em casa (diariamente e em ocasiões especiais)?
Visitas a serem feitas: a casa de amigos, a lojas, a jardins e praças públicas, a fábricas, à fazenda etc.
De que forma recebemos os que nos visitam? (hospitalidade, cortesia etc.)
Saúde e segurança em casa
Auxílio mútuo na vida quotidiana em casa e entre vizinhos. (Caráter social, ter cuidado, tomar conta, cooperação, simpatia, gentileza etc.)
Como podemos demonstrar concretamente o nosso amor para com os nossos pais e avós? (Pode-se, neste caso, comparar as diferenças entre as famílias humanas e as dos animais domésticos)
PRIMEIRA SÉRIE PRIMÁRIA (Parte 2)
Problemas/atividades relacionados à vida na escola
Como é a nossa escola? (Edifícios, pátios, pessoal que trabalha na escola, atividades, amigos, responsabilidade etc.)
Como devemos cuidar de nossa escola? (Segurança, conservação, limpeza, respeito para com os outros alunos e para com o pessoal que trabalha na escola etc.)
Que podemos fazer juntos em nossa escola? (Planejamento, construção, jogos, tarefas coletivas de teatro, canto, dança, passeios etc.)
Em que tarefas ou trabalhos escolares temos que nos revezar, trabalhando por turnos?
Que dias especiais celebramos na escola e quais outros devíamos celebrar? Como celebrá-los? Como organizar os programas para esses dias? (Aniversários, dias especiais, Páscoa, feriados, dias santos etc.)

John Dewey. Filósofo e
psicólogo estadunidense
(1859/1952)
Como se pode perceber, pelo Quadro n. 1, Moreira não apresenta um programa acabado. As frases estão longe de oferecer um padrão. São desequilibradas entre os substantivos e os processos. Mas é possível identificar claramente a ênfase nos valores. A cooperação está presente nas sugestões sobre o viver em família, viver juntos, ajudar-se mutuamente, trabalhar em grupo, ser cortês, respeitar os mais velhos. A autopreservação da vida está representada nos cuidados com a segurança e a higiene, o conhecimento do meio (visitas aos amigos, praças, fábricas) e de si próprio (modos de divertir-se e de utilizar, trabalhar e utilizar os frutos do trabalho – a tecnologia).
O estímulo ao autoconhecimento pode também ser entendido como o esforço para a construção de identidades pessoais e coletivas. Em tal sentido, a seleção, justificativas e celebração de datas especiais pode representar uma tentativa de conciliação dos objetivos dos Estudos Sociais dos EUA com algumas abordagens do ensino de História do seu tempo.

Quadro n. 2
Problemas/Atividades sugeridos para o currículo da escola 
primária brasileira (séries 2, 3, 4 e 5)
SEGUNDA SÉRIE
TERCEIRA SÉRIE
QUARTA SÉRIE
QUINTA SÉRIE
A vida na comunidade ou nas áreas vizinhas da escola
A comunidade em que se acha a escola com as áreas e comunidades vizinhas
Ampliação das práticas sociais
Ampliação dos estudos sociais, de ciência experimental, cálculo e outras atividades curriculares
O Estado em que está localizada a escola
O Brasil...em vista da sua realidade, dos seus principais problemas e necessidades
O Estado em que está localizada a escola
O Brasil...em vista da sua realidade, dos seus principais problemas e necessidades

As sugestões para as séries restantes, como expressas no Quadro n. 2, indicam a progressão prescrita. Elas mantém, entretanto, a mesma indicação das habilidades e procedimentos a serem desenvolvidos: “observações”, “excursões”,  “reportagens”, “coleta de informações”, “troca de idéias sobre o que observaram”, e sugerem a avaliação dos resultados – que, ao contrário do que ocorre no ensino “tradicional”, deve ocupar a menor parte do tempo escolar (Moreira, 1960, 251-254)
Este seria, então, o conteúdo esperado para o ensino da nova escola primária brasileira. Por ele seriam cultivados o significado do trabalho, o espírito de cooperação, liberdade, verdade e justiça, valores da sociedade em mudança e antídotos ao liberalismo excessivamente individualista. As “unidades” completariam outro conjunto de atividades (assistemáticas) responsáveis por realizar um princípio da escola ativa: aprender fazendo/compreender vivenciando. Tratar-se-iam das “experiências socializantes”: assembléias, reuniões, festas, efemérides e comemorações, organização de clubes escolares, atividades musicais e de ritmos.
Ovide Decroly. Educador belga
(1871/1932)
Unidades de ensino, experiências socializantes, por fim, fariam cumprir a finalidade da educação primária: preparar o aluno para a vida presente, socializando-o, “orientar e dirigir o desenvolvimento da criança em função das oportunidades e das solicitações da vida coletiva” (Moreira, 1960, p. 322).
Para Antônio Flávio Moreira, a teoria curricular de J. E. Moreira é “inconsistente. Idéias das tendências tecnicista e progressivista são combinadas com elementos da tradição católica, o que forma um estranho mosaico de princípios e técnicas” (Moreira, 2002, p. 104).
Em relação ao ensino de História, não me espanta que tal proposta curricular tenha caído no esquecimento, principalmente no que diz respeito ao seu espírito presentista. Em um país ansioso por tornar-se nação (ao modo grandioso da Europa do século XIX), pulverizado de institutos históricos e de cursos de Geografia e História em todos as suas regiões, seria muito difícil renovar o ensino primário, principalmente, se o preço fosse este, como queria Moreira: reduzir o enunciado dos conteúdos históricos à função de “desenvolver nas crianças a noção de passado e de presente”.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O americanismo de progressivista de João Roberto Moreira e o ensino de História para a "moderna" escola primária brasileira (1960). Belo Horizonte, 24 nov. 2010. <http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/o-americanismo-progressivista-de-joao.html>

Fontes das imagens
Alfred Binet, Ovide Decroly e John Dewey <http://hmenf.free.fr> Acesso em: 25 nov. 2010.

Referências
MOREIRA, Antônio Flávio. Currículos e programas no Brasil. 9 ed. Campinas: Papirus, 2002.
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. [Primeira edição em 1883].
FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano. São Cristõvão: Editora da UFS, 2008.
MOREIRA, João Roberto. Introdução ao estudo do currículo da escola primária. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) / Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar (CILEME), 1955.
______. Teoria e prática da escola elementar: introdução ao estudo social do ensino primário. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) / Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPO), 1960.

Notas
[1] João Roberto nasceu em Mafra-SC (1912), foi professor e diretor de colégios e de escolas normais nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro, graduou-se em Pedagogia pela PUC-PR e especializou-se nos Estados Unidos e na França. Atuou como técnico de educação do Ministério da Educação e Cultura, coordenador da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, e diretor de Programa do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Entre outros trabalhos, publicou: Os sistemas ideais de educação (1945), A educação em Santa Catarina (1954), Introdução ao estudo do currículo da escola primária (1955), Educação e Serviço Social (1957), Educação e desenvolvimento no Brasil (s.d.), Uma experiência educacional em curso: relatório interpretativo e crítico (s.d.), Teoria e prática da escola elementar (1960).
[2] A organização “moderna”, preconizada por Moreira é melhor detalhada na Introdução ao estudo do currículo da escola primária. Lá ele previa a “continuidade” e a “progressão” do currículo, a partir de seis critérios: 1) dificuldade de conteúdo; 2) interesses, capacidade, necessidades dos alunos da classe; 3) nível de maturidade dos alunos; 4) eficácia do material didático disponível; 5) tendência dos educadores das escolas em geral, quanto à fixação de graus ou etapas progressivas; e 6) desenvolvimento progressivo dos alunos” (Moreira, 1955, p. 205).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Protagonismo indígena

Ivison, do povo Wassú Cocal. Brasília, DF. 
Foto de Piotr Jaxa. 1993.
A experiência indígena e os historiadores profissionais
Uma das principais estratégias para o desenvolvimento da educação pela tolerância é a disseminação de informação atualizada sobre a pluralidade cultural. Este trabalho foi produzido com igual sentido. Queremos subsidiar a reflexão do professor sobre a sua prática, propondo questões relacionadas à história das sociedades indígenas e ao ensino de história: o que os historiadores têm afirmado, nos últimos cinco anos, sobre sociedades indígenas que habitam o nosso país? Que proposições podem ser transpostas ao cotidiano da sala de aula para viabilizar a aplicação do artigo n. 26-A da lei n. 11. 645 de fevereiro de 2008 (estudo da história e da cultura indígena em “todo o currículo escolar” dos ensinos fundamental e médio, público e privado)? Essas questões serão aqui respondidas a partir do exame dos trabalhos acadêmicos apresentados no maior fórum brasileiro de discussão historiográfica: o Simpósio Nacional de História da Associação Nacional dos Historiadores.
Inicialmente, e numa visão de conjunto, já podemos afirmar que é possível organizar os resultados da pesquisa avançada sobre história indígena e indigenismo em cinco conjuntos de informação: 1. o fenômeno do protagonismo indígena; 2. as representações construídas sobre os indígenas; 3. as representações dos indígenas sobre si mesmos, ou seja, a discussão sobre as suas identidades (incluindo-se os processos de etnogênese); 4. as denúncias em torno do não cumprimento de direitos indígenas (que resultaram nas práticas do etnocídio, genocídio e esbulho da terra); e 5. a descrição dos modos de vida (organização social, política e religiosa e temas destacados neste mundo da cultura – educação, trabalho e territorialidade). Conheçamos, inicialmente, o conjunto que reúne o maior número de trabalhos:
Protagonismo indígena[1]
Os historiadores continuam afirmando que o processo de expansão européia marcou a experiência brasileira (feudal, escravista ou capitalista), ainda que tal experiência fosse caracterizada, nas últimas duas décadas, pelo interesse em novos atores (negros, indígenas, mulheres, crianças), questões (sexualidade, família, religiosidade etc.) e abordagens (mentalidades). (Cf. Schwartz, 2009, pp. 180-182).
Essa mudança, da história social para a história cultural, junto à militância de intelectuais, ao poder reivindicatório das instituições indígenas, como também as aproximações teóricas entre a história e a antropologia (Cf. Monteiro, 2001, p. 5) provocaram desdobramentos nas formas de historiar a vivência dessas sociedades diferenciadas.
Experiências indígenas, hoje, não têm sido interpretadas, apenas, pelo binômio vencedor/vencido ou pela idéia de oposição entre barbárie e civilização. Limitada a esse dualismo, a experiência indígena seria (e foi), durante certo tempo, marcada por um perverso mecanismo de vitimização. E vitimização, seja de origem teórica, seja de origem moral (Cf. Cunha, 1992, p. 17), paradoxalmente, obscurece a ação dos indígenas, suprimem sua condição de sujeito histórico (Coelho, 2009, p. 275), sua historicidade, e até, humanidade, impedindo o conhecimento de uma parcela significativa da história do Brasil (Monteiro, 2001, p. 5).
[Pataxós] reivindicam atendimento médico de qualidade em
Porto Seguro. Foto: A Tarde, 27 fev. 2008.
Historiadores, hoje, tendem a adotar as noções de protagonismo[2], agente, ator e sujeito histórico. Eles descobriram o que as sociedades diferenciadas já tinham conhecimento e, há muito tempo, haviam incluído em suas cosmogonias (Cunha, 1992, p. 18): indígenas, seja em dimensão pessoal (membro do grupo, chefe) ou coletiva (etnia, ONG ou gênero) pensam, agem e sentem de maneira singular. São produtores e portadores de cultura(s), são construtores de trajetórias históricas, tomam decisões, são vítimas, são algozes, e também vítimas e algozes ao mesmo tempo (na verdade, ao tempo que lhes convém). A historiografia interpreta os contatos interétnicos como fenômenos de resistência, adaptação e transformação cultural capitaneados, inclusive, pelos povos indígenas. (Cf. Flecx, 2005, p. 1).
A primeira grande tese sobre protagonismo é a de que os indígenas fizeram alianças com os mais diversos personagens, por uma grande variedade de motivos e com durações diferenciadas. Missioneiros do sul fizeram acordos com portugueses (em luta contra os espanhóis) e flecheiros da aldeia de São Miguel, com portugueses (contra holandeses). Jandui e Potiguara aliaram-se aos holandeses (contra os portugueses), rebelando-se, depois, contra os próprios aliados (holandeses), e os Xavante, Xerente, Akroa e Xacriaba, Paiaguá, Guaicuru fizeram alianças entre si e com os colonos na região de Cuiabá. No século XIX, os Carnijó acordaram com membros da elite local de Águas Belas (PE) em período eleitoral e, no XX, lideranças indígenas de Olivença (BA), fizeram alianças com o Partido Comunista para derrotar, por armas, os fazendeiros e as autoridades policiais.
Evidentemente, a temática das alianças não é original. A historiografia já noticiara os acordos entretidos entre indígenas e europeus na conhecida guerra entre portugueses e franceses pela posse do território que deu origem ao Rio de Janeiro. Mas, a narrativa desses episódios, agora, enfatiza o poder de articulação política dos indígenas. O que estava em jogo era a defesa da liberdade, da terra, o direito de ficar próximo aos seus familiares, de educar seus filhos, de livrar-se dos recrutamentos militares compulsórios. Era também o desejo de eliminar grupos rivais ou obter a melhor vantagem nas relações de troca que motivavam os acordos entre parceiros. Assim, não foram somente os europeus que colocaram as constantes rivalidades entre grupos indígenas a seu favor. Estes também souberam, ao seu modo, aproveitar-se dos embates entre portugueses, espanhóis, holandeses e franceses para auferir alguma vantagem.
Outra tese recorrente nos trabalhos recentes trata dos usos que os indígenas fizeram dos instrumentos de subordinação que lhe foram impostos. Eles assumiram fardas, patentes militares, cargos de vereadores, alferes sargento-mor dos índios, capitães e mestre de campo. Solicitaram remunerações e títulos de nobreza no período monárquico e, no século XX, e até engrossaram as fileiras das ligas camponesas em Pernambuco. Foi assim que os ofícios, cartas, petições, e voto, instrumentos criados pela cultura não indígena, veicularam reivindicações fundadas na legislação, sobretudo pela defesa dos direitos indígenas.
Tereza Kariri e Seu Rodrigues 
Guarani, lideranças de Crateús-CE.
Aldeia Fideles, Quiterianópolis. 

Assembléia Regional de 2006.
Fonto: Joceny de Deus Pinheiro.
Muitos desses pedidos foram satisfeitos. Os parangaba (CE) requisitaram sesmarias (1707), os Cariri (CE) requisitaram terras e remuneração (1714) por haver contribuído para a conquista e a colonização do sertão, o lider da Vila de Barcelos (BA) denunciou o escrivão por não escolarizar crianças indígenas e, ainda, por tentar escravizá-los. Felipe Camarão, em caso bastante conhecido, foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo e respectiva remuneração, lutando para que tais privilégios fossem transmitidos aos seus herdeiros. Isso demonstra que a legislação portuguesa no Brasil, principalmente aquela voltada para os indígenas, não foi aplicada ao pé da letra. Ela dependia dos interesses e limitações dos funcionários da coroa e moldava-se, também, pela vontade e destreza política de grupos e lideranças indígenas.
A terceira tese recorrente dá conta de processos de resistência e de ação direta, protagonizados pelos indígenas.  A resistência operou-se no plano simbólico, por exemplo, na forma de apropriação e administração dos sacramentos. Os Guarani efetuavam a confissão, mas o faziam segundo suas conveniências – os mais simplórios comportamentos desviantes eram motivos para a confissão. Eles sabiam da importância desse rito para os jesuítas (por isso confessavam), mas não entendiam a confissão como arrependimento ou reconciliação com Deus. Em outras ocasiões, os próprios jesuítas, flexibilizaram pontos da sua doutrina sobre o casamento indígena para que algumas metas da Companhia fossem atingidas.
Batizar-se e casar-se dentro das prescrições católicas do século XIX, assumir pequenas funções públicas ou privadas (porteiros, vaqueiros) também foram considerados pelos historiadores como atos de resistência. Eram formas de sobrevivência numa época em que a identidade indígena fora negada pelos documentos provinciais.
Em tempos republicanos, a adesão aos programas públicos de saúde e educação, além das tentativas de recuperação da língua, dança, atividade cerâmica, são também exemplos nesse sentido. Isso se deu com os povos Kinikinau.
A forma clássica de resistência, a mais conhecida, porém, foi o uso de estratégias de confronto. Ela pode ser observada, desde os primeiros contatos com os europeus. Assim, à imagem harmônica dos encontro entre indígenas e estrangeiros (o quadro da primeira missa, por exemplo) é contraposta à descrição de comportamentos diferenciados. No Ceará, Piauí e Maranhão (1500), os indígenas esconderam-se ao perceberem as presença européia. Mas, no Amazonas, foram agressivos, matando 7 ou 8 espanhóis (1501). No decorrer do período colonial foram abundantes os casos de resistência por emboscada e no republicano é exemplar o caso dos Guajajara, do Maranhão, que mataram todos missionários capuchinhos (1901).
Outras formas de resistência (tradicionalmente, consideradas como delituosas) são flagradas nos séculos XIX e XX. Na Comarca de Garapuava (PR), ela se deu em forma de assaltos e furtos de ferramentas agrícolas dos colonos. No século seguinte, são conhecidos os casos de ocupação, mentira/fuga, resistência, dos Kaingangs (RS), contra a ocupação das suas terras, dos indígenas de Dourados (MS ou MT?), contra a transferência forçada das suas terras (destinadas a projetos de colonização), e dos Kaiowá, contra o retorno aos antigos campos de colonização.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A experiência indígena e os historiadores profissionais: protagonismo indígena. N. S. do Socorro, jan. 2010.


Fontes das imagens
Ivison, do povo Wassú Cocal. Brasília, DF. Foto de Piotr Jaxa. 1993. In: COE, Frank Azevedo e RAMOS, André Raimundo Ferreira. (Org.). Séculos Indígenas no Brasil: catálogo descritivo de imagens. - Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
[Pataxós] reivindicam atendimento médico de qualidade em Porto Seguro. 
Foto: A Tarde. Salvador, 27 fev. 2008. <http://www.atarde.com.br/fotos/index.jsf;jsessionid=779028F1FFF6AB9CE0DF760CBEDC1305.jbosstosh1?id=844645>
Dona Tereza Kariri e Seu Rodrigues Guarani, lideranças de Crateús. Aldeia Fideles, Quiterianópolis. Assembléia Regional de 2006. Fonto: Joceny de Deus Pinheiro. In: PALITOT, Estêvão Martins. Na mata do sabiá: contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza: Secult/ Museudo Ceará/ IMOPEC, 2009. p. 438.


Referências
Protagonismo indígena – fontes historiográficas
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Notas
[1] Esta pesquisa pautou-se pelo exame de todos os trabalhos completos publicados nos Anais eletrônicos do XV Simpósio da Associação Nacional de História, ocorrido em São Leopoldo, no ano 2005. Foram selecionados, lidos e fichados todos os textos que contemplavam os indicadores “índio”, “índios”, “indígena”, “indígenas”. A leitura incorporou, portanto, os trabalhos que não fizeram parte do tradicional Grupo de Trabalho “História indígena”, organizado pelo professor John Monteiro. De cada texto foram selecionadas as proposições principais. Tais proposições foram categorizadas segundo as cinco tendências contemporâneas mais recorrentes no estudo da história indígena e do indigenismo (como descrito na introdução acima). 
[2] Protagonista era o principal ator entre os três elementos clássicos do teatro grego (protagonista, coro e figurante). Ele encenava o papel mais importante. Em torno dele construía-se o enredo. (cf. Houais, 2007; Mossé, 2004, p. 266). Historiadores empregam protagonista com mesmo sentido de sujeito histórico. Sujeito histórico é aquele que tem a idéia, toma a decisão de executá-la e a executa efetivamente. O responsáel pela ação, portanto, pode não ser o mesmo sujeito, pode mesmo migrar do pessoal ao coletivo e vice-versa. (Cf. Arostegui, 2000, p. 330).