segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Sete notas sobre quadrilhas juninas em Aracaju - o que é Quadrilha?

“Contradança de salão de origem francesa, muito em voga no século XIX, de caráter alegre e movimentado na qual tomam parte diversos pares”. Essa definição, expressa por Aurélio Buarque de Holanda, é perfeitamente adequada ao nosso tema. Farei apenas pequenos enxertos, começando por informar que o número desses pares varia de oito a doze em cada uma das duas colunas e que o seu caráter alegre e movimentado se deve não só aos volteios, chinelados e aos pequenos saltos, executados sob a marcha, o xote, baião e o xaxado, como também às músicas cantadas em grupo e aos gritos dos quadrilheiros.
É comum empregar-se a palavra quadrilha em dois sentidos: 1) dança de pares executada dentro dos ritmos já citados – nessa acepção, dançar a quadrilha significa escolher o par e executar o garranchê, o quebra-caranguejo, entre outros; 2) uma instituição, ou seja, grupo de pares organizado sob um nome particular, com estrutura regular de ensaios e apresentações, administração e patrocínio – Quadrilha Forrobodó, do Conjunto Castelo Branco, Quadrilha Unidos em São João, do bairro 18 do Forte, entre outras.
Este último sentido, de uso constante nestas notas, a diferencia dos grupos de vida efêmera (trinta dias em média), que tem o seu núcleo desfeito ao final de cada temporada ou que servem somente para divulgar uma instituição, um projeto ou um produto – quadrilhas de funcionários públicos, de alunos, de idosos.
A especificação Quadrilha, como grupo autônomo, foi tomada a partir da organização das seguintes entidades: Quadrilha Arrasta Pé, Quadrilha Pé de Chinelo, Chapéu de Couro, Pé no Chão, Unidos em São João, Unidos em Asa Branca, Rasta Pé, Forró do Maranhão, Baila Conosco, Século XX, São João de Deus, Cocotinha, Mocotó, Forrobodó, Carcará, Coco Verde e Apaga a Fogueira. São quadrilhas que acompanhei há alguns anos; algumas delas, bem de perto, como a Arrastapé, Pé de Chinelo e a Chapéu de Couro.
Essa espécie de Quadrilha, estruturada e independente, chamou-me a atenção por um motivo, felizmente, hoje extinto: o bairrismo. A aversão à “baianomania” em Aracaju. No início da vida de inquiridor, tinha esperança de encontrar o gérmem da sergipanidade, e a Quadrilha bem poderia representar um dos elementos da nossa cultura “essencial”.
Tentei visualizar até uma futura reviravolta no movimento em Aracaju, nos moldes do ocorrido com os blocos do carnaval de Salvador: uma trajetória cujos elementos constitutivos seriam o incentivo, por parte do Estado, à produção local, à supervalorização, à explosão no consumo, tomada de assalto por parte do mercado e, por fim, à elevação da auto-estima dos sergipanos.
Claro que essas questões foram abandonadas. Algumas eram demasiadamente ingênuas. Outras exigiam leituras distantes da história. Mas, da questão da “reviravolta” ficou, pelo menos, uma hipótese: houve um aumento considerável no número de grupos autônomos. Se, ao final da década de setenta, o movimento era quase inexistente, em 1990, as quadrilhas já contavam mais de uma centena em todo o Estado. Essa era, realmente, uma preocupação importante. O que motivara todo esse crescimento? Teria sido a injeção de alguns milhares de cruzeiros no movimento, por parte dos governos de Antônio Carlos Valadares e Jackson Barreto Lima?
As questões de identidade, de ingerência do Estado e a ausência de registros impressos sobre as quadrilhas tiveram seu peso, mas o relato sobre a experiência dos dançadores foi motivado muito mais pelas críticas da grande mídia disparadas contra as Quadrilhas: mudanças no traje, na música, nos passos, no francês deturpado etc.
A mais aguda reação provinha dos gestores da política cultural do Estado que concebiam a Quadrilha como manifestação exótica. Curioso notar que esses mesmos críticos, ao tempo que criticavam os grupos locais, incentivavam toda espécie de axés durante o ano inteiro e, paradoxalmente, aguardavam, em junho, as apresentações de uma Quadrilha pura, “tipicamente sergipana”.
Dessa atitude simpática à observação da vida interior de cada grupo foi um salto. Durante o exercício, descobri mais duas facetas da Quadrilha. Em primeiro lugar, a sua importância para os setores do comércio e de serviços em Aracaju O movimento quadrilheiro envolvia, diretamente, dois mil participantes, perto de cinqüenta costureiras, cento e cinqüenta músicos e consumia milhares de metros de fazendas, centenas de chapéus e sandálias, além de promoverem uns cinqüenta bailes, entre bingos e leilões, e de se constituírem na atração de outras cento e cinqüenta festas.
O outro traço dominante dos grupos era uma espécie de rebeldia quase imperceptível aos olhos despreocupados com o registro memorialístico. Apesar do interesse dos políticos e da descoberta do setor turístico, a Quadrilha dançava o que queria, modificava as “partes”, passos, vestes e músicas ao seu modo, não obedecendo aos padrões de (bom) gosto de estilistas, cronistas e intelectuais. Nem mesmo a própria Liga de Marcadores conseguia dar a direção do “fazer” de cada grupo.
Foram esses os principais motivos, em suma, que me levaram a registrar, no início dos anos 1990, alguns traços da experiência desse tipo de instituição cultural em expansão na grande Aracaju, que remontava ao início dos anos 1980. São essas “notas”, tratando das coreografias, trajes, concursos, representação política, música, concursos e marcadores que o leitor poderá acompanhar a partir de agora.

Para ler os demais capítulos dessa obra, acesse:
Sumário
Para citar esse texto:
FREITAS, Itamar. O que é Quadrilha? In: Sete notas sobre quadrilhas juninas. Aracaju: Nossa Gráfica, 2007. pp. 11-14.

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