segunda-feira, 4 de junho de 2007

O Tenentismo no livro didático

Portinari. Coluna Prestes, óleo sobre tela, Paris, 1950.
Caríssimos alunos, colegas professores e funcionários, boa noite. Gostaria de agradecer o convite à coordenação do evento, à museóloga Fabiana Carnevalle (Memorial de Sergipe) e aos professores Antônio Bittencourt e José Vieira (Curso de História). Gostaria também de agradecer à presença de todos os colegas professores da Universidade Tiradentes, com os quais tive e mantenho convivência agradável, desde 2005. E, por fim, queria cumprimentar os nossos colegas de mesa nesta noite: a professora Maria Nele Santos, que acabou de falar sobre o tema “1924 e o 13 de julho” e o Prof. Antônio Vanderley Melo Correia, que tratará do tema “O Tenentismo no livro didático de história de Sergipe”.
O tema, como já foi anunciado, é “O Tenentismo no livro didático”, mas o problema central não, necessariamente, está voltado para o Tenentismo. Trato o evento, fato, acontecimento, processo ou movimento intitulado Tenentismo como um pretexto para criticar um assertiva do senso comum de muitos dos nossos colegas, sobretudo os professores universitários: a idéia de que o livro didático de História (do Brasil ou Geral) não muda há um século e que, também por isso, o livro didático é literatura de segunda ordem (não é fruto de pesquisa básica – em fontes primárias). A participação neste evento é bastante oportuna, já que os palestrantes estão envolvidos diretamente com o estudo da história das historiografias brasileira e sergipana.
Para constranger a máxima do imobilismo do livro didático, selecionei 8 manuais escolares de História, destinados aos alunos de 11 aos 14 anos. Dizendo de outro modo, empreguei títulos produzidos para o ensino secundário, ensino ginasial, primeiro grau, e ensino fundamental. São livros editados nos anos 1931, 1967, 1969, 1984, 1997, 2000, 2003 e 2006.
Como se vê a amostra é arbitrária. Muitos dos presentes, entretanto, concordarão com a representatividade desses títulos ao ouvir os nomes. A escolha tem por base a minha própria familiaridade com a história do ensino de História. Os autores são representantes de tempos e correntes historiográficas variadas, colhidas ao longo dos últimos 70 anos. Refiro-me aos textos de Jonathas Serrano, Hélio Viana, Vicente Tapajós, Luis Koshiba, Jorge Caldeira, Ricardo Dreguer, Jobson Arruda, Nelson Piletti e Francisco Teixeira.
A fala, por fim será breve, e constará da análise de quatro pontos: os atores, os eventos, as razões e as formas de exposição do Tenentismo no livro didático de História para as séries finais do ensino fundamental.
Atores, eventos, razões e exposições do Tenentismo no livro didático
Sobre os atores: quem são os personagens de relevo quando se trata de Tenentismo? Devo dizer que inicialmente os “tenentes” não aparecem no primeiro texto em questão. Nem mesmo a palavra tenentismo é mencionada. A história do Tenentismo no livro didático inicia-se com referências ao personagem Isidoro Dias, um dos revoltosos em São Paulo. Nos anos 1960, os personagens já são os alunos da Escola Militar, as tropas em Mato Grosso e, além de Isidoro Dias Lopes o combatente Luis Carlos Prestes e Eduardo Gomes. Nos anos 1980, aparecem Mário Fagundes Varela, Juarez Távora, Miguel Costa, Siqueira Campos, Cordeiro de Farias e a Coluna Prestes. Essa configuração não muda mais até os dias de hoje. Um fato curioso, no livro didático contemporâneo, é a introdução da palavra soldado (além de oficiais e tenentes) e a quantidade de revoltosos do Forte de Copacabana: agora são os 29 do Forte e não os 18 do Forte como conserva a vulgata histórica.
Sobre os eventos que compõem a trama, é preciso informar que os qualificativos não variam muito. O Tenentismo foi, primeiramente, um “movimento sedicioso que durou apenas 48 horas”. Foi também "levante" e depois "revolta", "rebelião" e transformou-se em "revolução" nos anos 1960. De movimento que durou dois dias, o evento foi deflagrado no Forte de Copacabana, depois migrando para ações no Mato Grosso e em São Paulo (1924): dura meses de um mesmo ano. Nos anos 1990 a revolta do Forte de Copacabana perde a hegemonia, assumindo em seu lugar a experiência da Coluna Prestes o mais importante evento do “movimento tenentista”. Isso tem implicações: tenentismo passa a ser movimento que abrange os estados de Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, e Minas Gerais. No livro de 2006 (o de Franscisco de Assis), outra grata surpresa: Amazonas e Sergipe são incorporados como campo e desdobramentos das ações de 1924 (São Paulo).
Cena da Revolta tenentista "13 de julho". Aracaju, 1924.  
O terceiro ponto que gostaria de destacar é a respeito das razões para o movimento. No texto de 1933, não há explicações para o fato: ele simplesmente "aconteceu". Trinta anos depois, já se anunciam o protesto “contra a insensibilidade dos meios políticos” e a luta em favor das “aspirações democráticas de livre pronunciamento eleitoral do povo brasileiro” como grandes motores do Tenentismo. No clima do final da década de 1960, por outro lado, são as “pretensões insatisfeitas”, a “vontade de assumir o poder e abusar dele” que são denunciadas. Mas nos anos 1980, os tenentes são vistos como ingênuos, conservadores, autoritários, elitistas, de nacionalismo vago. Nos anos 1990, a reivindicação por maior participação política das classes médias e das classes populares, a moralização da vida política que significava o combate à oligarquia e a moralização das eleições permaneciam como plataforma do Tenentismo. Nos dias de hoje, é também a defesa dos interesses nacionais, “diante da presença cada vez maior de indústrias, bancos, companhias imobiliárias e de serviços públicos estrangeiras” que está incorporada ao ideário dos tenentes.
O quarto e último tópico que comento é, para mim, o mais prazeroso, posto que lido, praticamente, todos os dias com essa nova abordagem do livro didático de História. Trata-se da forma como os conteúdos conceituais são trabalhados no planejamento da página de cada impresso. Do livro de Jonathas Serrano ao de Vicente Tapajós, ou seja, nessa amostra colhida que abrange 1931/1969, não há modificações quanto à forma da “transposição didática”. Tenentismo é tratado em texto escrito, formato narrativo, com variações no número de linhas, parágrafos, na aposição ou não de um título. A partir do trabalho de Luis Koshiba, a narrativa ganha uma fotografia em preto e branco, embora bastante descontextualizada. Trata-se de um cartaz com bustos de vários tenentes, sem a identificação dos mesmos. No livro de Jorge Caldeira, anos 1990, as ilustrações já estão em cores e retratam uma “casa alvejada durante a revolução de 1924 em São Paulo”. Há também uma foto de “Luís Carlos Prestes na Bolívia”. O herói já pode ser visualizado. Nos livros seguintes, as fotos dos tenentes permanecem dominando a cena: são os revoltosos no Forte de Copacabana, em frente a Estação de Ferro Sorocabana e o alto comando da Coluna Prestes em 1925. O recurso do mapa do Brasil também passa a ser utilizado, registrando a trajetória da Coluna Prestes entre os anos 1925 e 1927.
Considerações finais
Disse no início que empregaria o Tenentismo (evento, fato, acontecimento, processo ou movimento) como um pretexto para criticar um assertiva do senso comum de muitos dos nossos colegas, sobretudo os professores universitários: a idéia de que o livro didático de História (do Brasil ou Geral) não muda há um século
Penso ter demonstrado por essa amostra (ainda que bastante pessoal) que o livro didático de História é também escrita da História. Como tal, está sujeita a todos os condicionantes de produção histórica da escrita histórica, quais sejam: os objetos são históricos, os historiadores passageiros, e os métodos, fontes e abordagens avançam, modificam-se, ficam mais sofisticados. Isso é o bastante para compreendermos porque Jonathas Serrano, lá em 1933, considera o tenentismo um movimento de 48 horas, sem causas e conseqüências destacáveis e hoje estamos apresentando um livro didático que vê o tenentismo como um movimento preocupado com a invasão do interesse estrangeiro e do capital internacional em terras brasileiras. Isso ajuda a compreender porque o movimento é visto, ao mesmo tempo, como ingênuo, autoritário, manifestação dos interesses das classes médias e baixas, ou sequioso pelo poder. Isso ajuda também a compreender porque o tenentismo no livro didático migrou de evento particular do Rio de Janeiro para lançar Sergipe nas páginas de uma experiência, reconhecidamente, nacional.
Escrita da História, como qualquer escrita da História, o livro didático possui uma característica a mais que complica a leitura fácil dos formados em História. Escrita da História, mas escrita didática. Daí a incorporação, na simples narrativa textual escrita, de títulos, fotografias e mapas que auxiliam no processo de compreensão dos conteúdos conceituais – estratégias destinadas a uma população que, a priori, não vê nenhum sentido no estudo de um movimento ocorrido há mais de 80 anos.
Por fim, penso ter demonstrado que se há uma tecnologia de ensino que se transformou nos últimos 70 anos no Brasil (sobretudo nas últimas duas décadas), essa tecnologia foi o livro didático. É por isso que venho apelando aos professores dos cursos superiores que leiam livros didáticos e, mais importante ainda, produzam livros didáticos, pois eles são ainda a principal ferramenta de informação e formação dos professores de História no Brasil REAL.
Muito obrigado

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. O Tenentismo no livro didático. Palestra proferida no Memorial de Sergipe, Universidade Tiradentes. Aracaju, 4 jun. 2007.

Fontes das Imagens
Portinari, Coluna Prestes, óleo sobre tela, 46 x 55cm, Paris, 1950. <http://www.portinari.org.br>
Revolta tenentista em Aracaju< http://fontesdahistoriadesergipe.blogspot.com>

Referências bibliográficas
ARRUDA, José Jobson e PILETTI,Nelson. Toda a história: história geral e história do Brasil. São Paulo: Ática, 12 ed. 2003.
CALDEIRA, Jorge et.al. Viagem pela História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
DANTAS, Ibarê. O tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Petrópolis: vozes, 1974.
DREGUER, Ricardo e TOLEDO, Eliete. História: cotidiano e mentalidades – 8ª série. Da hegemonia burguesa à era das incertezas: séclos XIX e XX. 2 ed. São Paulo: Atual, 2000.
KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise. História do Brasil. 4 ed. Atual, 1984.
SERRANO, Jonathas. História do Brasil. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1931
TAPAJÓS, Vicente. História do Brasil. 15 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.
TEIXEIRA, Francisco M. P. Aprendendo com a História: Brasil: 6ª série – Ensino Fundamental. São Paulo: IBEP, 2006.
VIANA, Hélio. História do Brasil. 6 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Historiografia sergipana

FREITAS, Itamar. Historiografia sergipana.
São Cristóvão: Editora da UFS, 2007.
Introdução
A história da historiografia, como domínio específico, é uma prática recente.  Mesmo em lugares onde a ciência histórica estabeleceu-se desde o século XIX, a exemplo da Alemanha e França, esse campo de estudos custou a se constituir, e, somente no início do século XX, os traços dominantes de uma disciplina que se ocupa do desenvolvimento do próprio saber a que está vinculada (a ciência histórica) começaram a ganhar nitidez.
É claro que, durante o século XIX, houve momentos onde a ciência histórica fez-se objeto de si própria. Mas, nessas iniciativas – circunscritas aos “lugares de produção” e às “práticas disciplinares” em que foram gestadas –, não estavam tão claros os limites entre os diversos domínios constitutivos do saber.  Praticou-se, então, de tudo um pouco e simultaneamente.  O resultado dessas análises, “esboços”, “introduções”, “iniciações”, “noções” sobre os historiadores e o fruto do seu trabalho foi uma mescla de estudos filosóficos, metodológicos, epistemológicos e didáticos de abrangência e estratégia vária, que dificultam a visualização de um campo específico nomeado história da historiografia para o chamado século da história.
No início do século XX, em grande medida pelo vigoroso empreendimento dos discípulos da Escola Histórica alemã e da Escola Metódica francesa, o trabalho do historiador tornou-se complexo e hierarquizou-se de tal maneira que o interesse pelo método, teoria, didática e, mais recentemente, a epistemologia acabou por transformá-los em domínios específicos da ciência histórica. Quanto à história da historiografia – por motivos que vão do desinteresse de parte dos historiadores por questões teóricas stricto sensu, ao afã pela novidade, como também o desdém manifestado sobre as instâncias de formação, legitimação e reprodução do próprio ofício –, ela só sedimentaria o seu campo de atuação na década de 1970. (cf. Carbonell, 1976; Guimarães, 1998).
No Brasil, a história da historiografia ganhou status de disciplina nas faculdades de Filosofia na passagem da década de 1950 para 1960, a partir da introdução de matérias teórico-metodológicas nos currículos dos cursos superiores de história, logo após a instituição de geografia e história como licenciaturas independentes, contando com as pressões de profissionais congregados na ANPUH.
Como campo para o historiador – antes mesmo de tornar-se matéria propedêutica –, a história da historiografia refugiava-se, principalmente, nas introduções dos livros didáticos de história do Brasil para o ensino secundário, nos livros de introdução à história no curso superior, nas "histórias da literatura" brasileira, nos estudos preliminares dos brasilianistas, e numa extensa e fragmentária série de produtos analíticos ou sintéticos que se acercavam dos registros escritos sobre o passado, tais como: resenhas, discursos, conferências, revisões de literatura, bibliografias, inventários, necrológios, efemérides, e centenários de revistas, de associações do ofício, da nação ou de tal e tal região.
Visto dessa forma, o quadro é de dispersão. Mas, se levarmos em conta apenas as obras de síntese (as historiografias gerais) – não importando o objeto e a abordagem stricto sensu (se os escritos, se as práticas cotidianas dos historiadores, se o indivíduo ou o coletivo, se os temas, paradigmas, tendências, correntes, escolas etc) –, poder-se-á estudar a história da historiografia em perspectiva diacrônica, e logo se constatará a emergência de dois tempos não necessariamente sucessivos: o tempo dos pioneiros e o tempo marcado pelas práticas universitárias.  O primeiro período reúne os trabalhos de João Ribeiro e Sílvio Romero (1909), Basílio de Magalhães (1914), Jonathas Serrano (1925), Alcides Bezerra (1929), Hélio Viana, Nelson Werneck Sodré (1945), Sérgio Buarque de Holanda (1949, 1951), Joaquim Ribeiro e José Honório Rodrigues (1949), Rubens Borba de Morais e William Berrien (1949) – que organizaram sínteses temáticas produzidas por Alice Canabrava, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda –, Astrogildo Rodrigues de Melo (1951), Pedro Moacyr dos Campos (1954), Aníbal Freire (1958), entre outros. 
Não é tanto a “formação” autodidata que os identifica como pioneiros, e sim as motivações e as características das suas iniciativas: o atomismo da pesquisa e o progressivo esforço em esboçar parâmetros tipicamente historiográficos como questões de teoria e método, contribuição da obra para o esclarecimento do passado brasileiro e para o fortalecimento do próprio saber.
O segundo tempo dos escritos sobre a história da historiografia é marcado pela dominante formação superior em história, a pesquisa dentro da universidade, o trabalho sistemático de levantamento e crítica da historiografia produzida sobre o país. Aqui, devem ser incluídos, novamente, os nome de José Honório Rodrigues e Alice Piffer Canabrava (1972), Odilon Nogueira Mattos (1972), junto  aos de Américo Jacobina Lacombe (1973), Carlos Guilherme Mota (1975), Francisco Iglesias (1971), Maria Beatriz Niza da Silva (1983), José Roberto do Amaral Lapa (1985), Carlos Fico e Ronald Polito (1992), Astor Antonio Diehl (1998), José Carlos Reis (1999) e José Jobson Arruda (1999).
A leitura dos clássicos produzidos nesses dois "tempos" pode demonstrar que a história da historiografia, como domínio específico, acompanhou a institucionalização da ciência histórica tanto no que diz respeito ao espaço propriamente institucional (da “Introdução à história” para uma disciplina curricular nos cursos de graduação), quanto à formalização das práticas desse tipo de estudos (métodos, técnicas, justificativas e programas). 
Os critérios da abstrata representatividade de obras e autores e das classificações por assunto, progressivamente, cederam lugar ao exame da obra por inteiro, das relações entre o texto, condições de produção e os seus leitores privilegiados. Esse domínio específico, contudo, não chegou a gerar "escolas" e ainda sofre do mal de Sísifo. Além disso, a história da historiografia vive um conflito de identidade quando incorpora funções da epistemologia e da metodologia histórica.
Seria, então, essa inquietação a sua maior virtude? Estou inclinado a acreditar que sim. E os motivos dessa pluralidade podem ser compreendidos no próprio curso da história. A atividade de historiar o trabalho produzido pelos homens do ofício não se efetiva no “lugar nenhum”.  A história da historiografia, tanto em relação aos seus modos de fazer quanto ao seu objeto, leva em conta os “lugares” (sociais, econômicos, culturais) e “práticas” profissionais específicas e limitadas segundo os parâmetros de quem as executa.  Por isso – e para além das historiografias gerais –, um dos mais legítimos e relevantes recortes diz respeito ao exame das representações que envolvem o religioso ato do regere fines, ou seja, a demarcação de fronteiras espaciais e sócio-culturais entre os homens (cf. Bourdieu, 1984); o estudo da historiografia sobre “regiões” que recria e enforma a experiência das pessoas circunscritas em dado local do país, um Estado ou cidade.
É essa diversidade de itinerários e de formas de estabelecimento da disciplina que legitima, portanto, a organização de textos que tratam da historiografia produzida sobre Sergipe, principalmente, por nascidos no Estado ao longo de dois últimos séculos. Esta coletânea aborda a historiografia, elaborada nos limites de uma agência historiadora (IHGS, o Departamento de História da UFS), a obra de historiadores (clássicos do século XIX, noviços universitários, memorialistas), um gênero (a historiografia didática), algumas dimensões da experiência local (o econômico, político, social e cultural), um recorte cronológico (a historiografia do século XIX), um recorte espacial (a cidade de Aracaju), e o trabalho heurístico (busca, tratamento e modo e conservação das fontes). O livro também varia quanto à forma de exposição da literatura historiográfica. Há trabalhos analíticos – resenhas em sua maioria – e textos de síntese – inventário, balanço, revisão de literatura e relato de experiência.
A diversidade de itinerários e possibilidades do campo também abona a inserção de modelos do saber/fazer história da historiografia. Aqui são analisadas duas maneiras de criticar a escrita da história brasileira: a de João Ribeiro – um exemplar historicista, autodidata, do início do século XX –, e o “tipo ideal” de José Honório Rodrigues, também historicista, mas com formação teórico-metodológica inicial oriunda dos Estados Unidos nos anos 1940. São dois modelos que depõe sobre as mudanças na história do Brasil, e que contribuíram bastante para o estabelecimento de padrões de escrita dessa mesma história do Brasil.
Mas, para que serve esse coquetel de informações? Os próprios textos – as resenhas, as sínteses, os modelos – indicam a função, predominantemente relacionada às minhas atividades de professor nos últimos cinco anos. O objetivo desta coletânea, inicialmente, inscreve-se na razão de ser da própria disciplina, constantemente anunciada pelos especialistas desde, pelo menos, a década de 1950: a história da historiografia é um dos instrumentos mais eficazes da reflexão do historiador sobre o seu saber.  Ela descreve, problematiza e reorienta as práticas, a função, enfim, o produto da ciência histórica.
Nascida a partir das necessidades docentes – nas tarefas de prática de pesquisa, nas disciplinas de história de Sergipe, métodos e técnicas de pesquisa e teoria da história, Histórias de Sergipe também tem uma função utilitária imediata, ligada aos destinatários mais proeminentes que são os alunos. Os alunos, e todos aqueles que se aventuram na pesquisa sobre a história de Sergipe, bem sabem o valor de um dado sobre determinada trajetória, de um juízo sobre um texto raro, de um índice onomástico, de uma lista de livros ou um roteiro de leituras para a elaboração de uma hipótese ou a produção de sentido sobre as pistas coletadas.
A necessidade de cada um também indicará a melhor forma de atravessar o conjunto dos textos. O plano adotado oferece apenas uma disposição mais orgânica: as análises ordenadas cronologicamente, respeitando a ordem de publicação dos livros comentados; depois as sínteses; e, no final, os modelos de como fazer história e de como narrar a história da historiografia.
Expostos a função, natureza e destinação dessa coletânea, resta o agradecer às pessoas que possibilitaram a produção de cada texto. São muitos e todos eles ver-se-ão representados nas páginas que se seguem. Entretanto, seria grande pecado omitir o nome de Christianne Gally, revisora dos originais, Adilma Menezes, responsável pela editoração eletrônica, e dos editores do Jornal da Cidade, Gazeta de Sergipe e A Semana em Foco, respectivamente, Eugênio Nascimento e Marcos Cardoso, Luiz Antônio Barreto, e Edivar Freire Caetano. Esses jornalistas foram grandes parceiros na divulgação inicial de grande parte das resenhas, mas com Edivar a dívida em bem maior. Ele fez circular os meus escritos em mais de 60 edições, por meio da coluna “Histórias de Sergipe”, que tratava, exclusivamente, de historiografia local.
Dos leitores e ouvintes, é preciso nomear os que estimularam, questionaram os juízos, sugeriram bibliografia, apontaram incorreções e divulgaram os textos em sala de aula. Entre eles, destaco com prazer: Ibarê Dantas, Beatriz Góis Dantas, Ednalva Freire Caetano, Josué dos Passos Sobrinho, Jorge Carvalho do Nascimento, Terezinha Alves de Oliva, Lenalda Andrade Santos, José Afonso do Nascimento e Manoel Salgado Guimarães. A todos meu muito obrigado.

Fontes das imagens
Capa de Historiografia sergipana. Produzida por Hermeson de Menezes e Manoel Messias de Albuquerque neto (desenhos de Ibarê Dantas, Maria Thetis Nunes, José Calazans, Silvério Fontes, Sílvio Romero e João Ribeiro).

Para ler o restante desta obra, basta clicar no capítulo do seu interesse.

Sumário
Apresentação
Introdução
1. Sínteses sobre a bibliografia historiográfica sergipana
Diálogos com Calazans: a historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos
2. Sobre o ofício do historiador em Sergipe
3. A historiografia em resenha
Os intelectuais de Prado Sampaio
Lições de história do tempo presente

Sete notas sobre quadrilhas juninas em Aracaju

FREITAS, Itamar. Sete notas sobre
quadrilhas juninas. Aracaju:
Nossa Gráfica, 2007.
Para início de conversa...
Comecei a escrever essas notas por curiosidade sobre alguns aspectos observados nos festejos juninos. Depois, foi estimulado pela ausência de registros escritos sobre as Quadrilhas sergipanas.
Escrevia uma vez ou outra, nos fins de semana, com intervalo de meses. A cada sentada era guiado por uma intenção. As notas, então, foram se acumulando, sem um projeto, sem um fio condutor, crescendo e ganhando inimigos.
Recentemente abandonei a pretensão de utilizar esses dados numa monografia de graduação, pois não tinham o rigor da fonte coletada nos parâmetros da academia.
O hábito de limpar as gavetas, por exemplo, como fez o poeta Nairson Saquarema com os seus sonetos e cartas, quase transforma em cinzas aquela meia dúzia de páginas amareladas que me acompanhava nas constantes mudanças de endereço.
Por isso, para evitar que os registros desapareçam, e enquanto o projeto de uma história das quadrilhas não é formulado, resolvi publicar as sete notas que tratam do movimento quadrilheiro sergipano nos anos 1980 e início da década de 1990.
É importante lembrar que as notas são fruto de uma pessoa que estava “do lado de lá da vitrine”, que vivenciava a manifestação Quadrilha. Isso explica em parte o teor descritivo e fragmentado, o sabor de memória e a ausência de conclusão.
Mas os textos têm, pelo menos, um mérito, bastante para justificar a publicação: registram algumas práticas das quadrilhas da Grande Aracaju, da geração nascida entre 1950 e 1970.
Com eles, quero também estimular os escritos memorialísticos e a pesquisa acadêmica sobre mais quadrilhas, festas de pagode, corridas de argola, imitadores dos grupo Menudos entre outros. Esses são alguns dos vários movimentos/instituições tão freqüentes e intensos na periferia de capital que passam despercebidos aos olhos dos pesquisadores profissionais.
Atualmente, apenas dois fenômenos/objetos ganham prestígio, inclusive como dado de ciência: as manifestações à beira da extinção (guerreiros e reisados) e os eventos figurados como de última moda (Forró Folia, Festa do Mole e Pré-Caju). A Quadrilha navega nesse meio-tempo/meio-espaço: um patrimônio de todos, resguardado por ninguém.


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Sumário
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