domingo, 23 de janeiro de 2005

Uma teoria da história no “discurso” de Sílvio Romero

Silvio Romero (1851-1914)
Muita tinta já se gastou para traduzir as noções de Silvio Romero a respeito de literatura, filosofia, direito e história em solo pátrio. Pode-se mesmo dizer que muito tempo e bastante esforço foram consumidos para aprisioná-lo em determinado cânone, paradigma etc. E o resultado desses empreendimentos? – Contradição e mudança são os traços dominantes da sua obra, concluem os estudiosos.
Demasiadamente humano, o dr. Silvio enfrentou tantas batalhas que as mais razoáveis explicações para a sua inusitada trajetória intelectual foram expressas em fórmulas metafóricas, como essa  de Antônio Cândido – Sílvio Romero representa um flagrante da “imagem nervosa do país” (1978, p. XII); ou a conclusão witeana de Roberto Ventura – a obra literária de Sílvio Romero está marcada pela tensão “entre o mito épico e o mito trágico” (2001, p. 21). Tais comentários fazem lembrar o velho Michelet, capturado por Roland Barthes como um “escritor predador”, “voraz”, um grande “comedor de história” (1991, p. 15-22).
Uma mostra desse demasiadamente humano está nas posições sustentadas sobre a história. Aí também o papa-jaca variou, pelo menos, quatro vezes, num período de quatro décadas.
Se nos ativermos, apenas, à história-saber, que resulta no documento textual escrito – o livro de história –, veremos que o lagartense a concebeu, inicialmente (1874), como ciência, e ciência expressa em leis, ao modo comteano. Em seguida, zombando de seu examinador em concurso para a cadeira de Filosofia do Colégio Pedro II, Sílvio Romero assegurou para a história o status positivo de ciência. Na tese “Interpretação filosófica dos fatos históricos” (1880), a história seria mediada pela combinação de dois determinantes: as forças naturais e as forças humanas, à maneira do britânico Henry Thomas Buckle.
No ano de 1888, Romero já era crítico consagrado. O coroamento da carreira se deveu à produção de sua História da literatura brasileira, onde a escrita da história, deveria incorporar os elementos de ordem física, biológica e histórica (naturais, étnicos e morais) sob a orientação de outro inglês de renome, Herbert Spencer.
Com o fim da monarquia, reformas escolares foram programadas e lá estava o nosso Romero a contribuir, novamente, defendendo a permanência da história como disciplina escolar dos estudos secundários. A idéia de história como ciência permanece. Mas, contrariando a orientação spenceriana, Clio não passeia de braços com as línguas e literaturas: a história é prima dos grupos matemático e físico-natural. (cf. Romero, 1901).
Fiquemos, apenas, com a primeira idéia de história. Ela foi anunciada no Discurso proferido na Assembléia Provincial de Sergipe em 1874. Na ocasião, Romero saudava a iniciativa local de premiar o escritor da primeira síntese sobre a história de sua pátria (Sergipe). Mas, emendava a proposta, tornada resolução em 1860. Deveria ser uma obra científica. Uma escrita que não se sustentasse apenas nos “brilhos de estilo e de eloqüência” dos “historiadores literatos” franceses e que não se resumisse à crônica praticada no Brasil – que não partilhava, sequer, dos recursos retóricos de escritores românticos do porte de Guizot, Thierry e Michelet.
A crítica de Romero tinha endereço certo: os trabalhos de João Manoel Pereira da Silva e de Francisco Adolfo de Varnhagem, iniciadores da novela histórica no Brasil, respectivamente, em 1839 e 1940. (cf. Rodrigues, 1982, p. 179). Hoje, sabemos que o crítico poderia ter alguma razão sobre o primeiro – glosador assumido da História da América Portuguesa (Sebastião da Rocha Pita) e de todo um modo academicista português de escrever a história no século XVIII. (cf. Silva, apud. Campos, 1991, p. 269). Mas, exagerou em relação à História geral do Brasil, de Varnhagem, uma obra legitimada até mesmo por seu parceiro na demolição da história não cientificista no Brasil, Capistrano de Abreu.
A crítica de 1874 migrou para a célebre História da literatura (1888). Mas, em Sergipe, as orientações positivistas não foram incorporadas pelos escritores de então, alguns dos quais presentes à sessão de 1874. Não houve quem se habilitasse a escrever a história de Sergipe em seis meses e ganhar os seis contos de réis ofertados – sequer nos padrões da velha crônica criticada por Romero.
Em nível nacional, também não se conhece, pelo menos até o início da década de 1880, um historiador que tenha sintetizado a história do Brasil em moldes comteanos. Isso torna o discurso de Sílvio Romero ainda mais instigante.
Considerações extemporâneas – Em 1874, a hegemonia cultural da França estava abalada com a recente derrota na guerra contra a Alemanha. Os próprios historiadores franceses – Gabriel Monod é o grande exemplo –, ao reivindicarem um estatuto de ciência para a história naquele país, punham os olhos na Alemanha, onde a produção científico-literária baseava-se nas universidades, ao contrário do domínio francês, cujo trabalho intelectual dependia da magistratura, do clero e das academias de eruditos. (cf. Monod, 1876).
Dois anos antes do “manifesto” (1876) de Monod, Sílvio Romero também reivindicava uma história científica para Sergipe e para o Brasil. Curiosamente, porém, recrutava para a tarefa um francês – Augusto Comte – “inservível” aos seus patrícios no processo de profissionalização do historiador. Onde estaria, finalmente, o germanismo de Romero apreendido no ensino secundário do Rio de Janeiro, no final da década de 1860? Da história, ao que se sabe, ele ficou muito distante.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Uma teoria da história no discurso de Sílvio Romero. A Semana em Foco, Aracaju, 23 jan. 2005.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumario desta obra, acesse:< http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

Fonte da imagem
Silvio Romero - <http://www.revistabula.com/>. Acesso em, 8 dez. 2010.

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