domingo, 14 de março de 2004

Leituras sobre a história de Aracaju: Padre Aurélio de Almeida

O lançamento de Laudas da história do Aracaju (Sebrão Sobrinho, 1955) no ano do Centenário da cidade, provocou indignação de muitos intelectuais. O problema estava nas teses do historiador itabaianense. Para ele, teria sido João Gomes de Melo o fundador de Aracaju. A Inácio Barbosa (1811/1855), Sebrão reservou o papel de obediente subordinado, caixeirinho do barão de Maruim.
Entre os que discordaram e trabalharam para restabelecer a imagem do infortunado presidente da província, destacou-se o Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (1911/1999). O santamarense finalizou o seu alentado Esboço biográfico de Inácio Barbosa dois anos após as Laudas de Sebrão. Mas, a publicação do primeiro volume somente seria viabilizada pela Prefeitura Municipal de Aracaju a partir de 2000.
O Padre Aurélio, a exemplo de Enock Santiago (1915), José Calazans (1942) e Fernando Porto (1945), reafirma a responsabilidade de Barbosa e as motivações econômica e geográfica nesse fato capital para o desenvolvimento da província. Entretanto, a fundação da cidade é apenas um dos atos de magnanimidade na curta história de vida do personagem. (Depois de bacharel em Direito, Barbosa viveria apenas onze anos).
Para o biógrafo, o grande mérito de Inácio Barbosa teria sido o de incutir uma prática civilizatória na sociedade local. Ele “conseguira persuadir aos políticos sergipanos que a província encontraria as estradas do progresso, se houvesse neles, superados os antigos vícios partidários acompanhados dos caprichos das facções de família, o espírito associativo, o espírito público, o espírito animador do bem  comum social.” (Almeida, 2002, p. 99).
A política de conciliação empreendida por Barbosa foi, portanto, o instrumento, e as fundações da companhia de rebocamento e praticagem – Associação Sergipense (1854-1856) – e da cidade de Aracaju (1855) foram as conseqüências desse espírito cooperativo disseminado pelo presidente. Esses atos promoveram o desenvolvimento da agricultura, comércio, indústria e navegação de Sergipe e representaram um sinal de “regeneração moral e patriótica” – indício de evolução civilizatória – da classe política sergipana e não o contrário, como afirmara Felisbelo Freire, em 1891.
Para tornar a tese convincente, o Pe. Aurélio adensa o texto com longas e freqüentes transcrições. São falas do parlamento local e geral, artigos de fundo de jornais de Sergipe e da Corte, orações fúnebres, epitáfios e poemas, somente para citar alguns.
Um narrador muito discreto vai organizando os testemunhos de modo a que o leitor perceba quem foi, efetivamente, o barão de Maruim, como foram construídas as lideranças políticas de Sergipe e os traços do caráter de Inácio Barbosa impressos em suas ações desde a Faculdade de Direito de São Paulo, passando pela magistratura no Rio de Janeiro, a experiência como secretário de governo e como deputado geral pelo Ceará e como presidente de Sergipe.
No segundo volume, a cidade ganha a cena. Lá estão identificados os primitivos sítios e moradores, os limites, as primeiras obras contratadas ou iniciadas por Barbosa e, talvez o mais importante, a localização do rio Aracaju por meio de cartas e crônicas coloniais – o rio Aracaju é o nosso rio do Sal.
Tanto trabalho de pesquisa – e foi pesquisa exaustiva – tanta exposição de provas convencem o leitor de que a “verdade histórica” sobre o fundador de Aracaju e sobre as causas da transferência da capital estão com o Pe. Aurélio e não com Felisbelo Freire, Manuel dos Passos de Oliveira Teles, Clodomir Silva e Sebrão sobrinho.
Mas, o texto resultante não é dos mais agradáveis. Foram-se as cores da tela, ficaram as marcas do desenho na pintura, diria João Ribeiro se tivesse lido o Esboço até o terceiro volume.
O Pe. Aurélio também não conseguiu atenuar o entusiasmo pelo personagem  Barbosa: o presidente foi sempre reto, criterioso, respeitoso, decidido, honesto, zeloso, hábil, inteligente, culto, independente, superior e milagreiro. Não há máculas na sua biografia. Barbosa é quase um santo.
Até mesmo os políticos da terra organizados em partidos “sem princípios além dos inspirados no capricho e interesses pessoais” transformaram-se em honrados cidadãos, cultos, esclarecidos no momento em que aprovavam as ações do presidente de Sergipe.
Mas, o Esboço não é só paixão. É também lição de método para os seus contemporâneos. Ele esforçou-se para separar a conjectura do fato, a lenda da “documentação histórica” em suporte papel. Ele questionou, comparou e desmontou versões com segurança. A crítica de atribuição foi exercitada e louve-se a crítica de restituição sobre a tese conservada pela tradição de que uma suposta decepção amorosa, uma suposta pele escura, um suposto brinde desastrado em honra do presidente Barbosa seriam responsáveis pela decisão de se transferir a capital para Aracaju.
É preciso registrar, ainda,  que o livro amplia o conhecimento sobre os primeiros anos de Aracaju. Nele estão descritos a devoção à Nossa Senhora da Conceição, a construção dos tempos da matriz e de São Salvador, a criação da Diocese, o combate às febres, os primeiros cantores e poemas sobre Aracaju e as homenagens prestadas à memória do fundador.
Esses dados, todavia, só estarão acessíveis ao leitor quando a Prefeitura Municipal de Aracaju lançar o terceiro volume da obra. Há rumores de que o livro está pronto.
Mas, para quem esperou cinqüenta anos pelos escritos do Pe. Aurélio, não custa aguardar algumas semanas e conhecer a última parte, talvez,  da mais longa réplica desse debate sobre a história de Aracaju.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Leituras sobre a história de Aracaju: Padre Aurélio de Almeida. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 14 mar. 2004.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

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