sexta-feira, 8 de março de 2002

Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos[2]

A Economia
A experiência econômica era um dos temas sobre os quais praticamente nada se sabia até  início dos anos 1970, lamentava José Calazans. “Não possuímos um ensaio sobre a história do gado, do açúcar, do fumo, do algodão, da indústria de tecidos, do comércio exportador. Nenhuma visão de conjunto do evolver econômico do Estado.” (Calasans, op. cit., p. 29). Para a nossa felicidade, foi das áreas do conhecimento histórico que mais se expandiu nas últimas três décadas. Seu locus de produção permaneceu sob um certo período no Departamento de História, migrando, nos anos noventa para o Departamento de Economia. Hoje, é daí que têm surgido as melhores sínteses e monografias sobre o tema.
A despeito dessa hegemonia do DEE, foi no DHI, ainda nos anos 1970, que a historiografia econômica começou a ganhar fôlego. Primeiro surgiram, em forma de comunicações e artigos, os trabalhos da professora Maria da Glória Santana de Almeida (1973, 1976, 1978) sobre a produção açucareira, seguidos de perto pela dissertação de mestrado de Lenalda Andrade Santos sobre a Oligarquia açucareira em crise (1978). Nesse mesmo ano, a modernização da citricultura, as lavouras da mandioca e do algodão transformavam-se em objeto relevante para a historiografia local a partir das publicações Adelci Figueiredo Santos, “A citricultura na modernização da agricultura em Boquim” (1982), de Diana Maria do Faro Leal, “Nota sobre a história do algodão em Sergipe”, e do CEPA, O algodão em Sergipe: apogeu e crise (1978). Dois anos depois, um grupo de autores liderados por Milton de Araújo (1980) publicou Apogeu, crise e decadência da cultura algodoeira em Sergipe (1980).
Nos anos 1980 a professora Maria da Glória Santana Almeida continuou ocupando-se da economia. Em Sergipe: fundamentos de uma economia dependente (1984), estudou o comércio marítimo sergipano, a importação e exportação inter-regional e com as nações estrangeiras, tentando explicar como e por que Sergipe tornou-se uma sub-região no Nordeste açucareiro. Sônia Maria Soares Batista voltou-se para o segundo setor, escrevendo uma Memória histórica da indústria sergipana (1986) e cinco anos depois, em trabalho coletivo, as já citadas Santana Almeida (1987/1991) e Lenalda Santos (1991) tematizaram respectivamente “O sistema de produção nos engenhos banguês”, “as atividades produtivas em Sergipe” e a “organização do trabalho” no período 1570/1980. No início dos anos noventa, a professora Santana Almeida reúne a experiência de mais de duas décadas de pesquisas na área e produz dissertação de mestrado intitulada Nordeste açucareiro: desafios num processo do vir-a-ser capitalista (1991).
É curioso notar que enquanto Calazans ensaiava escrever sobre a historiografia local alguns pesquisadores de outros estados já freqüentavam o interior sergipano interessados nas atividades produtivas das populações ribeirinhas do São Francisco. Entre os mais conhecidos estão os trabalhos de Luiz R. B. Mott. Esse historiador paulista, profundo conhecedor de fontes arquivísticas sobre a história local, foi pioneiro nos estudos sobre estruturas de produção, feiras e trabalho escravo, temas que lhe renderam a dissertação de Mestrado em Etnologia pela Sorbonne (1971)[1] e tese de doutorado em Antropologia Social pela Unicamp (1975). Mott também escreveu sobre engenhos de açúcar e a organização do trabalho agrícola. Tais artigos podem ser encontrados na coletânea Sergipe Del Rey: população, economia e sociedade (1986).
Em termos de síntese, é importante assinalar o trabalho pioneiro de Ibarê Dantas encartado em O Tenentismo (1974, p. 32-44) que serve de lastro ordenador para narrar a conhecida Revolta de 1924. “A situação econômica” fornece um panorama do setor produtivo nas áreas rural e urbana durante a Primeira República. Da mesma estratégia, utilizou-se Terezinha Oliva que para entender os Impasses do federalismo brasileiro (1980 e 1985) viu-se forçada a esboçar “Um perfil da conjuntura sócio-econômica sergipana” do período1890/1906. A  professora Maria Thetis Nunes (1989), única a estudar a economia através de “ciclos”, tratou da criação de gado, cana-de-açúcar, minas de prata e salitre, farinha de mandioca, fumo, algodão e o comércio colonial, sendo todas essas atividades relativas ao período colonial.
A despeito do esforço dos historiadores, as obras específicas projetados como síntese somente serão elaborados no ambiente do Departamento de Economia. O primeiro deles, produzido por Josué Modesto dos Passos Sobrinho, intitulou-se História Econômica de Sergipe (1982). Esse trabalho, fruto de dissertação de mestrado, discute as razões para o atraso de Sergipe através da análise da dinâmica dos complexos configuradores da sua economia: o mercantil-escravista (1850/1888) e o capitalista-exportador (1888/1930). É importante assinalar que o caráter de “história problema” em relação à economia só começa a ganhar nitidez a partir dos textos de Maria da Glória Santana Almeida e Josué dos Passos Subrinho. Ambos perseguem questões centrais que derivam das grandes problemáticas sobre a economia brasileira empreendidas após os anos 1950 como a chegada do capitalismo ao Brasil e a questão dos desequilíbrios regionais.
O diferencial dos professores do DEE em relação aos confrades do DHI está na filiação acadêmica sistematizada e fiel daqueles ao Instituto de Economia da Unicamp. Esse diálogo permitiu a formação de pesquisadores em nível de pós-graduação e a produção de mais dois trabalhos relevantes. O primeiro, de Antônio José Nascimento (1994), dá seqüência a História econômica de Passos Subrinho enfocando a repercussão do processo de estruturação e consolidação do mercado nacional para a economia sergipana. O segundo trabalho, de autoria do professor Ricardo Lacerda explora o segmento têxtil sergipano. Não obstante, é esse mesmo autor quem vai complementar a visão de conjunto da economia escrevendo os conhecidos “Cenários da economia sergipana”, trabalho que deve ser lido com o auxílio da “evolução recente da economia sergipana” inserido no artigo “Geração de emprego e renda” em 2000.
Em termos de monografias o DEE também está na dianteira. A consolidação da linha de pesquisa “Economia Sergipana” entre os alunos de graduação só vem confirmar a idéia de que essa área do conhecimento histórico continuará cada vez mais distante do domínio do historiadores do DHI, já que neste departamento apenas três trabalhos foram produzidos nos últimos seis anos: um relata a crise na economia do município de Santa Luzia do Itanhy; e os dois outros tratam do trabalho escravo no século XIX. (cf. Alves, 1998; Santos, 2001). No Departamento de Economia, as monografias que podem tratar da história estão distribuídas  por cinco áreas temáticas: Setor público e desenvolvimento regional, Energia, transportes e comunicações, Trabalho e tecnologia, Economia industrial e urbana, e Economia agrícola e meio ambiente. Para conhecer melhor esse acervo de cento e dezoito monografias de graduação é necessário a consultar o catálogo específico, à disposição no Colegiado do Curso de Ciências Econômicas.


Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Diálogos com Calazans: A historiografia sobre Sergipe nos últimos 30 anos (A Economia). Gazeta de Sergipe, Aracaju, p. 6-6, 08 mar. 2002.


Notas
[1] Esse trabalho trata da “estrutura de produção e o sistema de meação nas lagoas de arroz em Brejo Grande.