domingo, 28 de dezembro de 2003

A História da Educação faz vinte anos

No ano de 2004 o livro História da educação em Sergipe, de Maria Thetis Nunes, estará completando vinte anos de lançado. Coincidentemente, o Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe prestará homenagens a autora, promovendo três dias de debates sobre toda a sua obra, na segunda quinzena de janeiro.
Primeira e única síntese no gênero, o livro aniversariante vem ganhando cada vez mais leitores, sobretudo por conta do crescimento da pesquisa sobre história da educação em Sergipe. Mas, mas tenho observado que os primeiros contatos dos noviços com a referida obra, costumam gerar declarações desse tipo: “o que eu vou dizer sobre educação em Sergipe, essa mulher já disse tudo! Outra atitude clássica é o comentário depreciativo: “não há muito para salvar no livro; é um marxismo feito a machado; uma narrativa positivista, centrada nos fatos políticos e econômicos, nas realizações de cada governante!.”
Incomodam-me essas atitudes extremadas. Como antídoto, tenho proposto que a História da educação em Sergipe seja lida como produto de uma geração específica, que elaborou uma visão particular sobre o passado sergipano (Cf. Reis, 1999). Isso nos obriga a conhecer algumas idéias-chave do texto.  A primeira delas é a sua teoria da história. Para Thetis, há uma estrutura social (política e cultura) que está ligada e condicionada a uma estrutura econômica predominante do lugar. Depois, vem o sentido da experiência sergipana.  Vivemos para quê? O que orienta a experiência do passado sergipano? A nossa vida está “correlacionada” e “associada” à vida brasileira. O que “lá acontecia, fatalmente seria repetido por aqui”. A terceira idéia-chave é a educação – “fato social” “ligado” e “condicionado” à estrutura econômica de determinado povo, província ou nação. Assim, a educação em Sergipe é vista como um fato duplamente transplantado: da Europa e dos Estados Unidos para o Brasil e do Brasil para Sergipe. Alienada e fracassada, a educação será historiada como sucessivos fracassos das reformas “inspiradas em concepções dissociadas da nossa realidade.” (Nunes, 1984, p. 14).
Como e por que chegou a tais resultados? Ora, a escrita da história é produto da articulação original de presente, passado e futuro a comando do historiador em uma realidade específica (Reis, 1999). E o “específico” de Thétis, caso quisesse estabelecer-se no debate científico, seria fazer uso de um ou de vários explicadores dispostos na segunda metade do século passado, como Nelson Werneck Sodré, C. Prado Júnior F. Fernandes e F. Henrique Cardoso, que ansiavam ainda pela revolução, Não é por acaso que os raríssimos pontos positivos anunciados no livro tenham sido a criação de escolas noturnas e a abertura de cursos técnico-profissionais para a classe trabalhadora.
Mas, ler compreensivamente a História da educação não significa apenas restituir a escrita às suas circunstâncias e ao seu lugar de produção. É importante retomar os pontos de vista expressos e apontar equívocos, ambigüidades e dúvidas que, nessa obra, não podem necessariamente ser atribuídos ao “horizonte de espera” da historiadora.
É preciso dizer que a “educação” tipificada como um “fato social” não clarifica o objeto. Em que consistiria esse fato social, no processo de transmissão da cultura? No resultado desse processo? Nas instituições que encarnam a transmissão da cultura? É preciso questionar também a sustentabilidade da categoria trabalho como princípio educativo no quadro dos nossos dias. Será que a história de uma classe operária sustenta-se como valor explicativo para o presente? É preciso rever a determinação do fato “nacional” sobre a experiência local. Claro que Sergipe é e está no Brasil. O problema é saber o que é o Brasil nos três séculos atravessados pela obra. Seria o Rio de Janeiro, Minas Gerais ou a Bahia? Se o Brasil fosse a corte, como explicar que o surto reformador da escola republicana local tenha partido de São Paulo? Como explicar a atuação de sergipanos que “anteciparam” a experiência nacional, como Tobias Barreto, Martinho Garcez e Felisbelo Freire – antecipações anunciadas pela própria obra?
Esses comentários servem apenas para pontuar as posições de diferentes gerações de pesquisadores em história da educação, campo sobre o qual Maria Thétis Nunes muito fez para delimitar um território. E se alguma dúvida há na indicação da leitura do livro que completará vinte anos, espero que os motivos seguintes ajudem a dissipá-la.
Por que ler a História da educação de Thétis, afinal? Por conta do registro de fontes é uma resposta. Há matéria de história da educação sobre o século XIX, por exemplo, que só pode ser acessada agora por meio desse livro. Mas, deve-se ler Thetis também por conta do modelo explicativo apresentado. É verdade que os noviços adoram temas virgens, onde podem exercitar interpretações mirabolantes e originais. Mas, o experiente pesquisador sergipano lastima e muito não ter uma Thétis – marxista, pseudo-marxista, positivista, etc. – em matéria de história da arte, dos costumes da economia etc., mesmo que seja para retomá-la, como faço nesse instante.
Enfim, deve-se ler Thetis por conta do seu exercício de síntese. Por mais abrangente, arbitrária, lacunar e provisória que tenha sido a sua iniciativa – como o são todas as sínteses – é apenas por seus olhos e sua pena que podemos visualizar uns 300 anos de política educacional, de organização escolar, da experiência de trabalhadores e clientes da instrução, e de práticas de ensino em Sergipe. Antes de Thétis – excetuando-se o trabalho de Calazans – havia apenas 300 mapas estatísticos, 300 laudas de correspondência oficial, 300 artigos legislativos sobre educação, 300 nomes de professores primários, 300 folhas de relatórios de presidentes de província..., 300..., 300... etc.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A História da Educação faz vinte anos. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 28 dez. 2003.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumario desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

terça-feira, 23 de dezembro de 2003

Os municípios em revista

A história – saber ou escrita –,  nunca é demasiado lembrar, não se limita à Universidade. Fernando Novais (1990), quem melhor esboçou uma tipologia para a escrita produzida no Brasil, apontou, pelo menos, quatro motivos e lugares de produção: a historiografia ligada às demandas do mercado; os trabalhos produzidos individualmente, sem vinculações institucionais; os escritos institucionais não universitários; e a historiografia universitária propriamente dita. Dos três últimos, não nos faltam exemplos: temos, respectivamente, A República velha em Itabaiana, de Vladimir Carvalho, A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, e O Nordeste açucareiro, de Maria da Glória Santana Almeida. Do primeiro, porém, é muito difícil citar um título. Nem mesmo a historiografia didática sobre Sergipe e seus milhares de petenciais consumidores foi suficientemente atrativa aos olhos do Deus-mercado. Às vistas do jornalista Antônio Bomfim, todavia, a história tornou-se um ótimo produto. Melhor ainda quando narrada a partir das pequenas unidades, reavivando vocações, sentimentos e poderes locais. Foi sob a sua direção que ganhou corpo um projeto ensaiado no Jornal Cinform e lançada no mês de junho último, em formato de revista com o título História dos municípios: um jeito fascinante de conhecer Sergipe.
Como produto para o mercado, a publicação já nasceu best seller. Foram trinta e cinco mil exemplares impressos, disponíveis em centenas de pontos comerciais do Estado ao módico preço de R$ 10,00. Haveria de ser um sucesso no varejo, mas também na captação de anunciantes. Para tanto, cuidou-se de refinar o projeto gráfico e massificar a divulgação através do próprio jornal. O resultado da empresa, cujo convite atenderam a Petrobrás, G. Barbosa, Habitacional, Norcon, Sebrae, Governo do Estado e as próprias prefeituras municipais – somente para citar os mais notáveis – foi um produto que faz orgulhoso o mais desenraizado sergipano. São 278 páginas em policromia sobre papel couché. O texto, a três colunas, é intercalado por boxes, mapas, listagens e mais de quatrocentas reproduções fotográficas que arrolam personagens e ambientes representativos de cada município. O espaço da revista é dividido eqüitativamente: 3 páginas para cada localidade. A exposição segue o critério alfabético, embora a “Reunião de coisas de Sergipe”, texto de abertura assinado pela professora Vera França, contemple o edifício “Maria Feliciana”, os mercados públicos recém-restaurados e o rio Sergipe como imagens sintéticas do Estado. É Aracaju reafirmando sorrateiramente a sua liderança à frente do passado e do presente de Sergipe.
A hegemonia da capital, entretanto, por aí se encerra. O corpo da revista é preenchido por uma história-memória que dá vazão às identidades municipais. É uma memória duplamente tipificada. Primeiro, porque foi construída, em grande parte, sobre os textos da Enciclopédia dos municípios brasileiros (IBGE), para ser mais preciso, sobre os textos de João Oliva Alves, principalmente. Esse trabalho, por sua vez, já havia alimentado a memória dos poucos leitores que, nas páginas da revista, foram transformados em historiadores. Depois, a própria estrutura da coleta (as pessoas mais antigas do lugar, os mais influentes, os herdeiros dos fundadores), o trato dos depoimentos (muitos deles com aplicação imediata, sem os devidos cruzamentos) e as formas de exposição (boxes, complementos da história recente) anunciam a maior de suas características: a forma fragmentária, a visão particular, a dimensão do individual sobre a experiência comunitária. Essa estratégia da revista abre a possibilidade, por exemplo, de o prefeito de Salgado transformar-se no responsável pela decadência do balneário da cidade, quando se sabe que esse aprazível recanto de outrora começou a perder o seu público a partir da “descoberta” da praia de Atalaia Velha pelos grandes consumidores (no dizer da época, as elites) de Aracaju. Há também o caso do soldado Evaristo, mártir santamarense da “Revolução de 1836” que, à luz de uma evocação particular, pôde ter seu feito de bravura substituído por uma prosaica venda de peixes na cidade de Rosário. Esses são dois exemplos de versões individuais sobre acontecimentos registrados pela historiografia e que, certamente, não serão os únicos problemáticos na citada publicação.
Outro ponto a destacar é o aspecto bastante plural da narrativa. Os novos historiadores revelados na revista (para alguns munícipes, já velhos conhecidos) registraram reminiscências de criança, lamentaram a destruição de velhos símbolos, paisagens e costumes e aproveitaram o espaço para denunciar a falta de projetos desenvolvimentistas em nível local. São professores, estudantes universitários, profissionais liberais e jornalistas, em sua maioria. Nativos fiéis ou ilhós distantes que, a depender da intimidade com o vernáculo, produzem saborosas crônicas ou disparam inocentes e desgastados panegíricos. Mas, não nos enganemos: a História dos municípios é majoritariamente uma produção de jornalista, facilmente identificável pela forma de legendar as fotografias, de segmentar e intitular os textos. A marca dessa escrita (não extensível à totalidade dos jornalistas) está nas condições de produção da matéria – texto de sete dias que não se obriga a referenciar obras clássicas e de fácil acesso, sobre o município de Itabaiana, por exemplo. A marca jornalística (não exclusiva ao Cinform) também se expressa no apelo ao exótico, ao anedótico ou ao escandaloso: é o lobisomem, assombração, bode carola, comunidade indígena, tesouro, remanescente quilombo e a mais notável de todas as excentricidades: as experiências da passagem de Lampião por grande parte das cidades de Sergipe. Ficaria satisfeito em saber como esse fascínio pelo “Rei do Cangaço” foi recuperado durante as entrevistas; chega a ser mais relevante que as disputas eleitorais do lugar.
Mas, Sergipe não é só Lampião, diriam os autores-organizadores, e teriam razão na reprimenda. As muitas vocações sugeridas fornecem pistas para inúmeras hipóteses e visões sobre o conjunto dos municípios. São novas fontes orais e, sobretudo, textuais. Quantos livros em preparo não foram revelados por essas reportagens? Quantos historiadores não se viram estimulados a publicar o resultado de anos de trabalho em coleções de pequenas notas em cadernos pautados? Talvez, um dos maiores trunfos da empresa venha a ser justamente essa movimentação promovida em torno da história sobre Sergipe. O alvo seria um público que se reconcilia com a matéria escrita após décadas de afastamento da escola primária. Foi um longo tempo de história em capítulos semanais, aguardados com certa ansiedade para saber o que seria narrado acerca do seu lugar de origem, fragmentos, que agora aparecem no formato revista. Para bem aproveitar a iniciativa do Cinform, vale, então esse comentário que tem endereço certo: os professores. Aos mestres que incluirão a revista em sua caixa de ferramentas didáticas sobre “cultura sergipana”, é preciso lembrar que os depoimentos foram imortalizados no papel couché, mas não precisam ser sacralizados em sala de aula. Outras memórias podem ser coletadas, outras histórias podem ser construídas, fornecendo mais alternativas para uma nova síntese sobre cada município sergipano.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Os municípios em revista. Jornal da Cidade, Aracaju, p. B 4-B 4, 23 dez. 2003.

Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumário desta obra, acesse: < http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.

domingo, 21 de dezembro de 2003

Os intelectuais de Guaraná

Quem concebe a figura do intelectual como um criador ou um mediador, engajado na produção literária e científica, certamente não deixa de louvar a iniciativa de Armindo Guaraná (1848/1924), o autor do nosso mais famoso dicionário biobibliográfico. (Cf. Sirinelli, 1996).
Há equívocos no seu Dicionário (1925), erros de datação, filiação, interpolações e, quem sabe até, toda a série de imperfeições que somente a micrologia do historiador antiquário é capaz de descobrir. Mas, não se tem como desprezar esse conjunto de 586 verbetes sobre a experiência de sergipanos, nascidos entre 1648 e 1908, que muito contribuíram com a sua “ação destacada” na sociedade sergipana e na “cultura intelectual do país”. (Cf. Guaraná, 1924, p. XVII). Tanto a obra impressiona que alguns intelectuais do nosso tempo já manifestaram o desejo de dar continuidade ao projeto, uma proposta, ao meu ver, bastante problemática.
Na apresentação do Dicionário, há o comentário de que  o mesmo não serviria aos “espíritos superiores, versados nos achados das ciências particulares, em busca de uma concepção geral” – opinião que denuncia o espírito cientificista reinante do início do século XX. Para nós, entretanto, a narração dos “fatos, mais ou menos interessantes” dos “pro homens” de Sergipe é simplesmente o grande achado, um manancial de informações sobre climas, crenças e opiniões constitutivas da rede de sociabilidade dos intelectuais em Sergipe. Mas, o que era o ser intelectual no tempo em que o Dicionário veio a público?
Não chega a ser uma regra, mas os próprios articulistas do período se auto- reconheceram pelas funções desempenhadas no jornalismo, na literatura stricto sensu, no magistério e na magistratura. O segundo critério – ser detentor de “cultura literária”, de “dotes da inteligência” – relacionava o intelectual aos titulados em cursos de engenharia, de escolas militares, direito e medicina, como também aos que tivessem manifestado sua opinião oralmente ou publicassem algum trabalho ligado às suas respectivas áreas de atuação profissional.
O próprio Guaraná – bacharel em direito, advogado, chefe de polícia, juiz e desembargador e, depois de aposentado, membro de associações de caráter beneficente, religioso e literário – pode ser considerado um dos “tipos intelectuais” dominantes no período, descritos em sua obra magna.
O Dicionário, é claro, não foi a sua única tentativa de historiar vidas. Na Revista do IHGS, Guaraná chegou a contrariar um dos maiores vícios da biografia: o de substituir a história política do Estado pelo estudo exclusivo do individual. No Dicionário, porém, o formato exigia síntese e sistema. Os dados colhidos na oralidade, em periódicos ou em possíveis questionários enviados aos “pro homens” teriam de obedecer a uma certa grade diplomática. É, justamente, essa “camisa de força”, imposta às vidas dos sergipanos, e a possibilidade de estabelecer comparações entre as trajetórias que fazem a delícia dos sociólogos e dos historiadores das idéias, da educação e da cultura sergipanas.
Ao transformar os intelectuais de Guaraná em vidas paralelas – não as de Plutarco e sim as dos registros em bancos de dados relacionais – o que se constata é uma elite formada por gerações de nascidos entre 1840 e 1900. Nada menos de 73% dos biografados têm origem nesse período e mantiveram-se ativos na política e na atividade literária até o final dos anos 1920.
São esmagadoramente do sexo masculino e podem ser distribuídos em dois grandes grupos: os nascidos nas décadas de 1850/1860 e de 1880/1890. O primeiro grupo, minoritário, tem a existência marcada por eventos fundadores como a Guerra do Paraguai e a experiência institucional do segundo império, as campanhas abolicionistas e republicanas, e a tragédia de Canudos. As últimas gerações trazem a vivência das crises de identidade, provocadas pelas seguidas intervenções dos governos do centro na política local, o assassinato das mais importantes lideranças políticas da virada do século XIX para o século XX, e a primeira Guerra Mundial.
Os intelectuais de Guaraná são migrantes, no sentido literal da palavra. Essa característica foi incorporada positivamente pelos homens de letras. Transitaram do interior para a capital do Estado, de Sergipe para Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, e desses para outros estados e países, sempre em busca de fortuna financeira, política ou de reconhecimento como literatos. A migração é justificada pela deficiência do aparelho educacional da terra, em se tratando de ensinos secundário e superior.
Aqueles que terminavam o secundário e, por motivos diversos, não prosseguiam nos estudos formais, enquadravam-se nas ocupações disponíveis à época, de acordo com as relações familiares que possuíam ou com a habilidade para adequar-se às conjunturas políticas do Estado. Trabalharam na imprensa como redatores e tipógrafos, montaram um negócio na área de ensino, vendas ou, ainda, iniciaram carreira militar como praça. Foram também funcionários públicos.
Essas constatações e muitas outras podem ser extraídas de um exame prosopográfico dos verbetes insertos no Dicionário biobibliográfico de Armindo Guaraná. Contudo, apesar da riqueza de detalhes e  da abrangência do seu levantamento, os personagens relacionados nunca deixarão de ser “os intelectuais de Guaraná”.
Podemos partir deles ou chegar até eles por intermédio de outras pesquisas ou fontes. Mas, os critérios de seleção e o trabalho heurístico – é preciso reconhecer – estão marcados pelas relações de sociabilidade vivenciadas pelo biógrafo e pela idéia de intelectual em vigor no período. Esses traços fazem a “miséria” e a virtude da obra. É por isso que ele suscita nos ledores, num primeiro momento, a euforia com o panorama intelectual ofertado – o desejo de repetir a façanha – e, tempos depois, a decepção diante dos problemas teórico-metodológicos que cercam a iniciativa de dar continuidade ao opulento Dicionário.

Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Os intelectuais de Guaraná. A Semana em Foco, Aracaju, p. 6B-6B, 21 dez. 2003.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

A aposentadoria do professor provincial: Sergipe – 1834/1880

A trajetória da profissionalização docente – um dos capítulos do projeto de transmissão da cultura (educação) – é anterior à institucionalização dos sistemas de ensino. Todavia, é na emergência do controle do Estado sobre a escola moderna, a partir da segunda metade do século XVIII, que ela recebe apoio decisivo desse agente, chegando a estabelecer-se, a "profissionalização", como uma expressão "quase sinônima" do termo "funcionarização" (Cf. Nóvoa, 1998). Isso ocorre porque o Estado normatiza e institui juridicamente o "ser" professor, seja através da formação, do emprego ou por meio da promoção dessa categoria específica.
Este trabalho, portanto, examina a profissionalização[1] do professor público provincial em Sergipe, desde os primeiros regramentos estabelecidos pela Assembléia Provincial (1835) até as vésperas da mudança da ordem jurídico-administrativa monárquica para a republicana. Mediante o confronto entre a legislação e os relatórios dos presidentes de província, descreve-se algumas ações do Estado que incidem sobre a trajetória da profissionalização docente em Sergipe. Todavia, como são pouco conhecidas tais ações, bem como a configuração desse Estado em sua dimensão provincial, este estudo toma duas precauções. Em primeiro lugar, ao invés de questionar sobre o que era o Estado, "procura observar o que este Estado fazia ou deixava de fazer" (Coelho, 1999, p. 64), fugindo, portanto, à uma concepção apriorística que supostamente se refletiria na identidade do professor. Em seguida, dada a amplitude da investigação, o estudo concentra-se na análise diacrônica de apenas uma dessas ações, os ritos administrativos da aposentadoria e da jubilação. O objetivo do texto, em síntese, é organizar informações, cunhar hipóteses e refinar o questionário de pesquisa sobre a profissão de professor no século XIX, na província de Sergipe.[2]
Empregos públicos provinciais
A concepção de emprego público provincial foi pensada com maior rigor a partir do Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, que consagrava às províncias uma "autonomia simplesmente administrativa" (Fontes, 1987, p. 64 e 69). Nessa época, os critérios eram pouco precisos. Todavia, pode-se arrolar entre esses empregos aqueles cargos executivos do poder central em exercício na administração das províncias até então, como: juiz, tesoureiro e secretário de governo. De início, valia o critério geográfico – "são empregados provinciais e municipais todos os que existirem nos municípios e nas províncias" (Ato Adicional, art. 10, § 7). Depois, migrou-se para as matérias sobre as quais a Assembléia local tinha prerrogativa de legislar (Lei de Interpretação, de 12 de maio de 1840). Os casuísmos e as ambigüidades não cessaram, até que, em 1855, em resposta ao Conselho de Estado, Euzébio de Queiróz formulou a distinção entre "três classes de empregos: 1ª - Gerais, a respeito dos quais as Assembléias provinciais não podem exercer atribuição alguma legislativa..., 2ª - Provinciais e municipais, mas criados por leis gerais para execução de leis gerais, relativas a objetos, sobre os quais não podem legislar as Assembléias provinciais... 3ª - Empregos provinciais e municipais, cujas funções são relativas a objetos, sobre os quais podem legislar. Tais são todos os empregos que não entram nas duas primeiras categorias. A respeito destes, os Poderes Gerais carecem absolutamente de atribuições" (Uruguai, 1865, p. 235, apud. Fontes, 1987, p. 71).
Com as fontes de que dispomos, ainda, não há condições de discriminar, no aparato burocrático com sede e ação na província de Sergipe, os três tipos de emprego formulados pelo Visconde de Uruguai. Contudo, um esboço preliminar das áreas de atuação do poder público pode ser útil para essa futura identificação.
Em tal sentido, os relatórios dos presidentes de província fornecem ricos testemunhos do controle do Estado, em sua instância provincial, sobre os setores civil, eclesiástico e militar. As áreas que construíram certa identidade no segundo Reinado, no setor civil, foram: a administração geral, a arrecadação e fiscalização, a administração das casas de prisão, a Instrução pública, e outros serviços menores como o de vacinas, obras, e impressão dos atos oficiais. As rubricas relativas aos setores eclesiástico e militar, que indicam despesas com empregos públicos, recebem o título de culto público e Força Policial.
Mas, nem todas essas rubricas financeiras e áreas de concentração de empregos públicos constituíram repartições. Os setores onde houve maior racionalização, em termos de organização funcional, recrutamento e normatização de empregos, foram principalmente o da Secretaria da Presidência ou Secretaria do Governo – núcleo político-administrativo da burocracia –, a Tesouraria Provincial – depois desdobrada em Tesouraria e Recebedoria –, a Força Policial, e a Instrução Pública.
Esse quadro não sofreu grandes modificações estruturais, entre os anos 1830 e 1880. Estudos detalhados ainda devem ser efetuados, mas pode-se dizer que a tendência desse aparato administrativo, fiscal, coercitivo e civilizador foi complexificar-se a partir dos anos 1850, principalmente entre 1850 e 1880. O aumento do efetivo de funcionários, a criação de Regimentos, e as reformas administrativas de repartições no período são indícios de uma progressiva racionalização da máquina.
O caso da instrução pública é sintomático. As mudanças dos termos "Inspeção das Aulas" à "Direção da Instrução Pública" indicam alterações na forma de gerenciamento do setor. Nas décadas de 1830 e 1840, a inspeção de escolas estava a cargo das câmaras municipais, relegada ao segundo plano pelos juízes de Direito. A partir de 1850, os assuntos da inspeção passaram a ser intermediados pelo Inspetor Geral das Aulas. Oito anos depois, a repartição estava estruturada e seu corpo de funcionários incluía, além do Inspetor Geral, o vice-inspetor geral das aulas, um inspetor de distrito em cada comarca e um amanuense, todos regiamente remunerados para "inspecionar, instruir e dirigir todos os empregados da instrução pública". No final da década de 1870, a Inspeção Geral passa a intitular-se Diretoria Geral da Instrução pública, sendo o corpo burocrático formado por diretor secretário, escriturário e contínuo (Cf. Franco, 1880, p. 128-202, II; Nunes, 1984, p. 53-137; Relatórios dos presidentes de província, 1837/1871).[3]
A racionalização dos serviços no setor da instrução pública decorreu, obviamente, da política de criação de cadeiras – o número praticamente triplicou entre as décadas de 1850 e 1870 – e de ocupação desses postos de trabalho – um aumento de 200%, aproximadamente, no mesmo período. Na tentativa de acompanhar o crescimento populacional e de levar a instrução, notadamente, a instrução elementar, a todas as povoações, o número de professores públicos saltou de seis para aproximadamente treze dezenas em menos de duas décadas, transformando o magistério na mais numerosa categoria funcional dentro do serviço público, depois, claro, do contingente do Corpo Policial da Província.
Tabela n. 1
Quantitativo das aulas públicas da instrução primária e
secundária na Província de Sergipe
Ano
Públicas
Privadas
Total
Elementar
Secundário
Total
Elementar
Secundário
Total
Masc
Fem
Masc
Fem

Masc
Fem
Masc
Fem

1854
39
15
12A

66





66
1855











1856
38
15
15B

68





63
1857











1858
51
22
22

95






1859
43
23
17

83
11
6
3

20
125
1860
47
23
17

87
15
7


22
131
1961
43
23
10

76
9
1


10
96
1862
43
24
9

76
8
2


10
96
1863
41
21
8

70
5
2
3

10
90
1864
43
24
8

75
9
6


15
105
1865
49
29
8

86
6
6


12
110
1866
49
30
8

87
3
5


8
103
1867
47C
33
6

86
4
6
4

14
100
1868
51
34
7C

92
15
11
7

33
158
1869
55
36
9

100
18
12
8

38
176
1870
61
39
9

109
8
7
8

23
155
1871
67
48


115





115
1872
71
51
16D

133
16
10


26
185
Fonte: 1854 – Fala de 20 abr. 1854, anexo 2, p. 1; 1856 – Relatório de 27 fev. 1856, p. 39; 1858 – Relatório de 15 abr. 1858, p. 33; 1859 – Relatório de 7 mar. 1859. Quadros anexos A e B; 1860 – Relatório de 5 mar. 1860. Anexo E, p. 1-2; 1861 – Relatório de 4 mar. 1861. Anexo B, p. 3; 1862 – Relatório de 1 mar. 1862, p. 13-14; 1863 – Relatório de 4 mar. 1863, p. 28; 1964 – Relatório de 24 fev. 1864. Anexo D, p. 2 e 11; 1865 – Relatório de 1 mar. 1865, p. 6-7; 1866 – Fala de 20 jan. 1866, p. 8 e 10; 1867 – Relatório de 21 jan. 1867, p. 28; 1868 – Fala de 2 mar. 1868, p. 15-16; 1869 – Fala de 1 mar. 1869, p. 20 e 22; 1870 – Fala de 4 mar. 1870, p. 28-29; 1871 – Relatório de 11 mai. 1871, p. 58; 1872 – Relatório 11 mar. 1872. Anexo (Relatório da Instrução Pública) p. 19, 38, 42, 43.
Obs. A – Inclui as três aulas (francês, inglês e latim) do Liceu de São Cristóvão; B – Inclui as oito aulas pertencentes aos dois internatos (Estância e Laranjeiras); C – Números deduzidos. Nos relatórios, há erro nas somas; 47 e 7 aparecem, respectivamente, como  43 e 8; D – A partir desse ano, o ensino secundário ganha outra figuração. Já funcionam o curso noturno (cinco aulas), o curso secundário do Atheneu (oito aulas), além das três aulas avulsas mantidas em Estância e Laranjeiras.

Esse crescimento, provavelmente, interferiu no processo de construção da identidade profissional do professor. A assertiva tanto vale para o papel exercido pelo expressivo contingente de professores no estabelecimento de normas, rotinas e, quem sabe, direitos, como para o regramento dos seus diretos e deveres pelo Estado, levando-se em conta o significativo peso que representava a categoria na despesa geral da província. Cabe então, observar a movimentação desse Estado em relação a esse grupamento profissional no que diz respeito à regulamentação da vida útil do funcionário professor, do destino, e dos benefícios desse trabalhador após o cumprimento da sua jornada. Esse exame, de onde pode surgir algum traço de distintividade da categoria professor, é empreendido mediante a análise do rito administrativo da aposentadoria.

População docente do aparelho estatal
Aposentadorias
Quem aposentava, como se adquiria o direito ao descanso remunerado? Para Cândido Augusto Pereira Franco (1880), esse papel cabia às Assembléias provinciais. Elas estabeleceriam as regras e condições para que se verificassem as aposentadorias e jubilações. Mas, não poderiam "aposentar e jubilar por si ou por autorização à Presidência certas e determinadas pessoas" (p. 37 n). Na prática, porém, a Assembléia Provincial de Sergipe exorbitou as suas funções concedendo e revendo aposentadorias e jubilações de determinados empregados como se pode observar no quadro n. 1, em anexo. As duas possibilidades de jubilação – por "ato legislativo" e por "ato da presidência" – podem ser constatadas a partir do cotejo dos nomes registrados na legislação provincial com os nomes contidos nos relatórios e falas dos presidentes de província.[4]
Aqui é preciso abrir parênteses para esclarecer a distinção entre os termos jubilação e aposentadoria. Na legislação específica, jubilação é a expressão utilizada para o ato administrativo que recai sobre os professores. Tem o mesmo sentido de aposentadoria. Este, por sua vez, é utilizado quando o caso envolve "o empregado público".[5] Então, o professor não seria empregado público? Era uma categoria especial na burocracia da província? Ainda não sabemos. É certo, porém, que essa distintividade entre professores e os "demais servidores" tende a avançar para além da simples nomenclatura entre 1851 e 1872, datas limites das principais Resoluções acerca do rito administrativo.
As primeiras tentativas de organizar a passagem dos professores para o quadro dos inativos remunerados foram estabelecidas nos anos 1830. Os critérios para o gozo do benefício com proventos integrais eram o cumprimento de mais de vinte anos de trabalho e a prova de impedimento físico para a função. Esta inabilidade, todavia, não era pré-requisito para a jubilação daqueles professores que tivessem ultrapassado vinte e cinco anos de magistério.
Havia ainda a modalidade dos proventos proporcionais. Caso o professor cumprisse mais de doze anos, provasse o impedimento para o exercício das suas funções, lhe seria concedida a metade do ordenado como jubilação (Lei de 5 de março de 1835).
Três anos depois, a imprecisão da regra "mais de 20 anos" era corrigida com a expressão "tempo efetivo de 20 anos completos" (Decreto n. 15, de 20 de março de 1838). Mas, a possibilidade de jubilação proporcional, sem comprovar a inabilidade física, parecia representar um problema para a administração. Já em 1840, o presidente Wenceslau de Oliveira Belo alertava a própria Assembléia para o perigo de em pouco tempo o número de "jubilados" superar a quantidade de professores "em efetivo serviço" (Relatório, 11 jan. 1840, p. 30). O procedimento administrativo, provavelmente, dava-se de forma automática. Nesse mesmo ano, porém, a jubilação passou a ser requerida à Assembléia Provincial (Resolução n. 31, de 28 de janeiro). Ficou, também, aberta a possibilidade de o professor passar para a inatividade, em caso de impedimento físico, independentemente do seu tempo de serviço.
Nos anos 1850, as normas sobre jubilações foram estendidas aos demais servidores públicos. Ganharam direito de se aposentar os oficiais da Secretaria da Presidência (Resolução n. 290, de 27 de abril de 1850), o inspetor, o contador, o procurador e os demais empregados, tanto da Tesouraria como das mesas de rendas (Resolução n. 291, de 27 de abril de 1850). Assim, "professores" e "empregados públicos" poderiam se aposentar com proventos integrais se tivessem exercido vinte e cinco anos de trabalho ininterrupto ou mais em suas funções. A jubilação proporcional era permitida, desde que os professores cumprissem dez anos de trabalho, descontados os períodos de licenças para tratar de interesse particular que por ventura houvessem gozado (Resolução n. 314, de 7 de março de 1851).
Além de cumpridos os prazos para a obtenção do benefício, o solicitante teria que "convencer de sua incapacidade física ou moral" – a incapacidade moral é a novidade dessa norma – sem o que não lhe seria concedida a jubilação (Artigo 4º). Mas, se após vinte e cinco anos fossem considerados capazes, física e mentalmente, eles deveriam continuar em suas funções, recebendo, "além do ordenado por inteiro, mais uma gratificação pecuniária correspondente à 5ª parte de seus vencimentos" (Artigo 5º).
Em 1854, no exercício do Presidente Inácio Barbosa, a Assembléia Provincial promoveu várias mudanças nas regras sobre as aposentadorias e jubilações. Ficou mais difícil ir para casa descansar ou migrar para outro emprego público. De início, ampliou-se o prazo de carência, de vinte e cinco para trinta anos. A ordem dos critérios também mudou e isso é significativo. Agora, é a observância da incapacidade física e moral que aparece em primeiro lugar. A debilidade do "servidor" deveria ser "provada por meio de um exame perante o Presidente da província, por facultativos nomeados pelo mesmo Presidente: decidindo no caso de divergência um terceiro do mesmo modo nomeado" (Artigo 4º).
Já aposentado, o empregado seria sumariamente demitido, não sendo permitido também a sua recontratação "para empregos de simples gratificação ou porcentagem", tampouco o acúmulo de "duas ou mais aposentadorias de qualquer natureza." (Cf. Artigos 6º e 7º). Os professores, todavia, estavam livres dessas novas regras. Tal resolução somente seria aplicada "aos demais empregados provinciais, atuais e futuros" (Artigo 10). Estes permaneceriam na ativa, pelo menos, cinco anos a mais que o tempo de trabalho estipulado para os docentes.
No início da mesma década, para manter afastados do serviço público os professores "inábeis, indolentes e desconceituados", o presidente José Antônio de Oliveira e Silva sugeriu restrições na lei que concedia vitaliciedade imediata á admissão do empregado. A nomeação definitiva, segundo Silva, seria precedida de "minuciosas indagações a que o presidente da província [deveria] proceder para verificar a idoneidade prática do professor provisoriamente nomeado" (Relatório, 8 mar. 1852, p. 19). Tais considerações foram acatadas em 1858, quando a vitaliciedade passou a ser permitida somente após cinco anos do início do contrato. Criava-se, dessa forma, uma espécie de estágio probatório que, no entanto, deveria ser contabilizada para efeito de jubilação. O tempo de trabalho exercido como professor adjunto[6] também possuía o mesmo valor que os cinco anos do citado estágio (cf. Resolução n. 422, de 28 de abril de 1855; Lei n. 508, de 16 de junho de 1858).
O tempo efetivo de trabalho também foi preocupação do presidente Cincinato Pinto da Silva. Para ele, a superposição de normas provinciais sobre o tema da jubilação causavam "o inconveniente de na mesma Repartição, e até no mesmo emprego, serem aposentados, com ordenado inteiro, indivíduos com 20, 25 e 30 anos de serviço." Assim, defendia o presidente que a Assembléia mantivesse sob o mesmo regime professores e empregados provinciais. Isso significava trabalho efetivo de no mínimo trinta anos e prova de incapacidade física e moral para o recebimento do ordenado integral. Mas, qual a razão para eliminar a diferença entre professores e empregados? Pelo simples motivo de que, "afora algumas exceções, é o magistério aqui uma especulação, e não um sacerdócio". Além disso, aposentados e jubilados representavam grande despesa para os cofres da província: "E como não ser assim, quando há dois e mais aposentados no mesmo emprego, exercendo quase todos outros cargos, pagos pelo cofre geral ou provincial? (Relatório, 1 mar. 1865, p. 8-9).
Os sucessores de Cincinato Silva também se pronunciaram a respeito. Ângelo Francisco Ramos sugeriu a fusão das resoluções que regiam aposentadorias e jubilações: "entendo que deve haver uma lei, que marque um prazo para aposentadorias sem distinção de classes e regras, que sejam observadas, sem distinção de pessoas" (Relatório, 20 jan. 1866, p. 12). As várias resoluções sobre o tema davam origem a diferentes interpretações sobre o tempo de serviço, dizia o presidente Evaristo Ferreira da Veiga. Para acabar com as dúvidas, o mesmo apostava na criação de uma nova lei de aposentadorias e jubilações que revogasse as demais e estabelecesse um tempo "de vinte e cinco anos com ordenado por inteiro, depois de provada a incapacidade física e moral" (Relatório, 01 mar. 1869, p. 54).
Pelo que registraram as leis, as indicações dos citados presidentes não foram acatadas. Todavia as dificuldades enfrentadas com aumento do número de beneficiários das aposentadorias e jubilações e as baixas na arrecadação provincial parecem ter sido decisivos no reforço do rigor das regras, promovido no início dos anos 1870. A resolução n. 943 (30 de abril de 1872), por exemplo, é iniciada com a exclusão de "gratificações" do cálculo do benefício. Conta-se apenas o "ordenado". A impossibilidade física e moral foi definida – é aquela que resulta do padecimento de moléstia incurável, ou reputada tal que inabilite para o exercício do emprego" – e surge a expressão "exame médico". Os descontos no tempo de serviço (por faltas, licenças etc.) são melhor descriminados e mantêm-se as restrições para o acúmulo de aposentadorias em "empregos provinciais de qualquer natureza", como também o "acúmulo de vencimentos provenientes de novo emprego com os da aposentadoria".
Grande novidade dessa resolução, entretanto, seria a criação de "uma caixa de reserva", cujos fundos e rendimentos seriam "destinados às aposentadorias dos servidores públicos" (Artigo 15). As rendas desse fundo seriam constituídas, em sua maior parte, pelo "imposto" sobre os aposentados e jubilados (5% a partir do segundo ano de benefício), sobre os "vencimentos de todos os funcionários públicos" (2% por um período nunca superior a quatro anos), sobre o "provimento de empregados provinciais no primeiro ano de exercício" (5%), e , por fim, uma contribuição anual de 2:000$000 por dez anos, efetuada pela Província. A intenção dos gestores, com esse fundo, era extinguir em doze meses o pagamento de aposentadorias por meio dos cofres provinciais.
Os professores jubilados, na fria letra da resolução, contribuiriam pelo resto das suas vidas, enquanto os funcionários da ativa, somente por quatro anos remeteriam ao fundo. Seria um duro golpe nos rendimentos de quem tanto contribuiu para a instrução dos sergipanos e o aperfeiçoamento do Estado. Todavia, uma cláusula da norma das aposentadorias, em relação aos professores, permanecera incólume; justamente a que tratava do tempo de serviço para a jubilação. Por ela, os proventos integrais, relativos ao último posto alcançado pelo professor (último emprego, desde que exercido por no mínimo quatro anos) poderiam ser adquiridos com vinte e cinco anos de efetivo serviço docente, ao contrário dos trinta anos obrigatórios para os demais "funcionários públicos". Igual direito – vencimentos integrais aos vinte e cinco anos de trabalho – seria estendido aos funcionários militares – oficiais do Corpo Policial da Província – a partir de 1878, com a entrada em vigor da Resolução n. 1035, de 26 de março de 1876.[7]
Da norma ao fato
As conseqüências das normas expostas acima podem ser acompanhadas por intermédio dos relatórios dos presidentes de província e, principalmente dos próprios atos da Assembléia Provincial que, como já foi assinalado, normatizava, autorizava e confirmavam os atos dos presidentes e aposentavam, por vontade própria, alguns professores e funcionários. Houve casos em que o presidente, discordando do mérito da aposentadoria ou dos valores estabelecidos pela Assembléia, devolveu a resolução á casa legislativa. Mantida a resolução na pelos deputados provinciais, o presidente não sancionava e remetia o problema ao Conselho de Estado, dando início, dessa forma, a um longo e demorado processo em torno da aposentadoria do servidor.
Desconsiderando tais acidentes e analisando apenas a produção da Assembléia Legislativa Provincial, os números coletados entre 1841 e 1880 indicam que a quantidade de jubilações representou 51,5% do total de aposentadorias e jubilações registradas pelas leis e resoluções emitidas pela casa.
Tabela n. 2
Número de empregados provinciais jubilados e aposentados por ato da
ssembléia Legislativa Provincial (1841/1880)

41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
71/75
76/80
Total

Jubilados

7
9
1
18
4
3
9
6
57
Aposentados
1
5
3
9
5
11
4
9
47
Total
8
14
4
27
9
14
13
15
104
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


Para efeito de comparação, distribuídos em quinquênios, os números de aposentados e jubilados apresentam seu ápice no período 1856/1860, quando foram liberadas nove aposentadorias e dezoito jubilações. Ainda não arriscamos explicações para esse fato. Mas, não podemos descartar a hipótese de que tais funcionários e professores fossem parte do contingente admitido nos anos 1830, quando a legislação sobre o emprego provincial começou a ganhar maior nitidez e/ou, ainda, aventar a ocorrência de uma ampla reforma administrativa nos setores da arrecadação e da instrução pública nos cinco anos referidos.
Entre os aposentados pela Assembléia, o maior número tem origem nos órgãos ligados à fazenda, seguidos pela Secretaria do Governo e pelo Corpo Policial da Província. Da Tesouraria e Recebedoria, aposentaram-se contadores, inspetores, arquivistas, administradores de renda, escriturários, agentes fiscais e guardas conferentes, ficando os maiores ordenados – descontadas as vantagens de cada caso – com as funções de contador da Tesouraria Provincial (1859) e de administrador da Mesa de Rendas (1959). Ambos chegaram a 1:200$000 (um conto e duzentos mil réis).
Claro que tais valores só ganham significado quando postos em relação a outros. Por isso, é necessário registrar as quantias autorizadas para as aposentadorias de outras categorias. O inspetor da Instrução Pública (1865), Guilherme Pereira Rebelo, e o diretor geral da Instrução pública (1877), Tomaz Diogo Leopoldo, foram aposentados com ordenados de 1:000$000 e 1:200$000, respectivamente. O secretário do governo (1841) e o chefe de seção da mesma secretaria, José Diniz Vilas-Boas, obtiveram vencimentos de 1:000$000. Pelo nível salarial e pelas datas pode-se ainda conjecturar que tais postos constituíram o mais alto grau hierárquico da burocracia provincial. E, ainda, apesar do lapso de tempo de quatro décadas, pelo menos, no topo da prirâmide, não parece ter havido grandes alterações nos valores estipulados para as aposentadorias. Nesse período, apenas o inspetor da Tesouraria Provincial, Joaquim José de Oliveira, extrapolou a média salarial, sendo aposentado, em 1864, com ordenado no valor de 1:500$000 réis. Sobre os outros níveis hierárquicos e suas faixas salariais as informações são fragmentárias e não permitem, ainda, maiores considerações.
Tabela n. 3
Setores de atuação dos funcionários aposentados por ato da
Assembléia Legislativa Provincial de Sergipe (1841/1880)
Setores
41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
71/75
76/80
Total

Assembléia Provincial







1

2
Governo
1
4
1
2
2
1
1

12
Fazenda

1
1
7
2
4
1
8
24
Segurança








5
Instrução Pública




1


1
2
Outros





1
1

2
Total
1
5
3
9
5
11
4
9
47
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


Vê-se, pela tabela número três, que da Instrução Pública, apenas dois funcionários foram aposentados. Isso pode ser indício do reduzido número de empregados na atividade-meio desse setor. É possível também que tais empregados tenham ascendido na carreira pública, obtendo aposentadoria por outras áreas da burocracia. No extremo oposto, na atividade-fim, entretanto, os números indicam que a instrução pública pode ter sido, efetivamente, o segundo maior empregador do Estado. Nada menos que cinqüenta e sete jubilações foram legitimadas pela Assembléia Legislativa Provincial entre 1841 e 1880 (cf. Tabela n. 2).
Dados para um perfil do jubilado
Na prática, como se justificava o pedido de jubilação?
As jubilações decorriam, principalmente, da solicitação do próprio professor, após cumpridas as exigências legais já citadas. O início do rito também poderia caber ao presidente quando informado, pelo inspetor geral ou pelo diretor da Instrução, sobre a "incapacidade moral" de determinado professor para gerir uma classe. Esse impedimento poderia ser o "tédio" ou mesmo sintomas de esclerose manifestados pelo docente. Por outro lado, as constantes reorientações das políticas de instrução também acarretavam a extinção de cadeiras e a conseqüente aposentadoria dos seus titulares. Outros motivos como o contingenciamento de despesas, o apadrinhamento e até a perseguição política não estão descartados. os resultados numéricos dessas justificativas e solicitações encontram-se dispostos na tabela abaixo.
Tabela n. 4
Número de professores públicos provinciais jubilados por atos legislativos e
executivos quanto ao tipo de instrução ministrada (1836/1870)

36/40
41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
Total
Instrução primária
3
4
9
4
17
2
6
45
Instrução secundária
4
4
1

6
3
1
19
Não identificada     




4

1
5
Total
7
8
10
4
27
5
8
69
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


Para a construção de um perfil do jubilado do período, deve-se levar em conta não apenas os números fornecidos pela Assembléia Provincial. É preciso adicionar-lhes os dados contidos nos relatórios e falas, referentes á jubilações por ato do presidente da província. Feitas as somas, constata-se, primeiramente, que 65 % das jubilações tinham origem nas aulas do ensino elementar e 27,5 % do ensino secundário.
Tabela n. 5
Número de professores públicos provinciais jubilados por atos
legislativos e executivos quanto ao sexo (1836/1870)

36/40
41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
Total
Sexo feminino
2
1
3
1
4

3
14
Sexo masculino
4
7
7
3
15
5
5
46
Não identificado     
1



8


9
Total
7
8
10
4
27
5
8
69
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


Os dados da variável gênero demonstram que 66,7 % dos jubilados eram do sexo masculino. Esse número, todavia só deve ganhar sentido após a revisão da estatística dos professores em efetivo serviço, quando poder-se-á comparar, proporcionalmente, homens e mulheres na ativa e jubilados para daí, produzir-se alguma consideração.
Tabela n. 6
Jubilações concedidas por atos legislativos e presidenciais
segundo o tipo de remuneração (1836/1870)

36/40
41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
Total
Jubilação c/ ordenado integral

2
4

4
2
2
14
Jubilação c/ ordenado proporcional

4
5
2
16

2
29
Opção não identificada
7
2
1
2
7
3
4
26
Total
7
8
10
4
27
5
8
69
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


O tipo de remuneração autorizada é outro dado importante para esse perfil. Os números sobre a jubilação proporcional, opção de 42,4 % das solicitações (apesar do alto número de opões não identificadas), podem reforçar a hipótese de que tais atos ocorriam devido às constantes supressões de cadeiras. Foram cinqüenta e uma extinções para um número de vinte e sete jubilações proporcionais no período 1841/1870. Todavia, novamente, a pesquisa apresenta mais questões do que respostas. Qual seria média de vida estipulada para o sergipano dessa época? Há possibilidades de calculá-la? Quantos anos vivia um professor? Conseguiria o professor cumprir a sua jornada de vinte e cinco anos de efetivo trabalho em sala de aula, já que no século XIX o trabalho docente dava-se, realmente, em contado direto e contínuo com os alunos, entre as quatro paredes da escola?
Tabela n. 7
Licenças para estudos, concedidas aos professores públicos pela
Assembléia Provincial de Sergipe (1831/1880)

31/35
36/40
41/45
46/50
51/55
56/60
61/65
66/70
71/75
76/80
Total

Magistério




1
2





3
Clero

1
4
2
1



1
1
10
Prof. liberais



1
2
2
2
2
1
7
17
Outros










21
Total

1
4
4
5
2
2
2
2
8
51
Fonte: FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880]. (volumes 1 e 2).


Uma outra hipótese sobre os motivos para a predominância de jubilações proporcionais pode ser construída com o auxílio do exame dos pedidos e concessões de licença para prosseguir estudos fora da província. Em tal sentido, novamente os professores assumem a dianteira sobre as demais categorias do funcionalismo público. Entre 1836 e 1880, 56% das licenças autorizadas pela Assembléia couberam aos docentes. Entretanto, apesar de terem sido expedidas para a continuidade de estudos, dos trinta professores autorizados a afastarem-se de suas funções, apenas três optaram por cursos nos liceus (bacharel em Artes e Letras e professor de História e Geografia). A grande maioria solicitou licença para estudar nos seminários (dez) e nas academias espalhadas pelo Império que formavam médicos, farmacêuticos e advogados (dezessete). Para esses últimos, entre 1846 e 1880, o ingresso nas carreiras liberais era o projeto de vida imediato. Um plano que poderia ser concretizado com o apoio do Estado.
Este estudo, como alertado na introdução, não apresenta conclusões. É o início de uma série de sondagens sobre o papel do Estado no processo de profissionalização do professor. As primeiras leituras aqui expostas indicam que a ocupação de ministrar a instrução não se transformou em profissão de maneira imediata, com a ampliação dos serviços públicos de educação em meados do século XIX. O processo foi tortuoso, cheio de marchas e contra-marchas, sobretudo, acerca das representações que os inspetores gerais construíram dos professores e impuseram à comunidade e aos próprios representados. Exitou-se entre uma função técnica – o artífice – e um trabalho humanitário – o sacerdócio; uma atividade cara às mulheres, por conta de alguns dotes "inerentes" ao belo-sexo – a paciência, o amor maternal – ou estritamente compatível com a robustez física do homem; uma classe de inábeis e oportunistas, ou um nicho de homens probos e devotados à civilização dos costumes em Sergipe. Para avançar no conhecimento desse professor e da sua trajetória como categoria profissional, os dados organizados devem fazer sentido quando cruzados a outras informações obtidas em fontes de natureza diversa das que aqui foram utilizadas. Por hora, constatamos apenas que a discussão sobre o nome do rito da aposentadoria, o tempo de serviço, o sexo do professor, o tipo de aula ministrada e de remuneração obtida, bem como os expedientes empregados para sobreviver e ascender no serviço público podem contribuir bastante, até mesmo, para confrontar as representações construídas pelos inspetores e presidentes de província do século XIX.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. A aposentadoria do professor provincial: Sergipe – 1834/1880. In: XVI ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE E NORDESTE, 2003, Aracaju. Anais do XVI Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe/Núcleo de Pós-Graduação em Educação, 2003.

Fontes consultadas
Relatórios dos presidentes da província de Sergipe – 1837/1871
FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis provinciais de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Tipografia de F. das Chagas Lima, [1880].

Referências bibliográficas
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CARVALHO, José Murilo de. Burocracia, vocação de todos. In.: A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981. p. 111-131.
CATANI, Denice Bárbara. Estudos de História da profissão docente. In.: 500 anos de Educação no Brasil. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 585-599.
COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro (1822/1930). Rio de Janeiro: Record, 1999.
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Notas
[1] Profissionalização com o sentido de “processo pelo qual ocupações adquirem status de profissão (Coelho, 1999, p. 260).
[2] Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais abrangente sobre o perfil do professor no século XIX, em Sergipe, desenvolvida conjuntamente com o Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento (NPGED/DHI/UFS).
Agradeço a leitura atenta e as sugestões da colega Rosiley Souto (EPHS/PUC-SP), que muito me auxiliaram no refinamento do objeto, não sendo a mesma responsável, claro, pelas imperfeições que o trabalho possa apresentar.
[3] Muito diferente foi a atuação da província nas áreas de higiene e saúde públicas, onde a burocracia provincial somente estruturou-se com a mudança do regime. Foi na década de 1890 que se criou a Inspetoria de Higiene, sendo nomeados os delegados de saúde para todos os municípios. Em 1898, compunham a repartição o inspetor, um amanuense, cinco enfermeiros e um porteiro/contínuo. Na primeira metade do século XIX, as ações nessa área estavam a cargo das câmaras municipais (normatizadas pelos códigos de postura) e do provedor de saúe, nomeado pelo Imperador (Cf. Santana, 1997, p. 31 e 86).
[4] Há claro indício dessa distinção no Relatório do Inspetor Geral de Aulas Paulo Autran da Mata e Albuquerque Júnior, à página 4 (Cf. Relatório de Manuel da Cunha Galvão, 27 abr. 1859).
[5] A distinção aposentadoria/jubilação permanece abonada em dicionários dos anos 1970 e 1990. Em Caldas Aulete (1977), aposentadoria é hospedagem. Aposentar é “dispensar do serviço conservando o ordenado por inteiro ou parcial; reformar; jubilar”. Jubilar é “conceder a aposentadoria ou jubilação a um professor” (Aulete, 1977, p. 295, v. 1 e p. 2061, v. 3). Em Holanda (1986), jubilação significa “aposentadoria (honrosa, por via de regra) de professor”. Também nessa edição, já se registra o sentido atual mais conhecido: “desligamento ou afastamento de um aluno da universidade” (Holanda, 1986, p. 991).
[6] A figura do professor adjunto estava prescrita na legislação que reformou a instrução pública em 1858.  Eles não poderiam exceder, em toda a província, o número de seis e receberiam uma gratificação de 16$000 a 20$000 por mês. Para ser nomeado como professor adjunto era preciso ser maior de dezesseis anos, ter atuação por dois anos como alunos mestres e habilitação obtida por exame junto ao Inspetor Geral.  (cf. Lei n. 508, 16 jun. 1858, cap. 1, art. 5-8).
[7] As últimas normas analisadas (Regulamento da Instrução pública, aprovado em 1877, Resolução n. 1079, 5 de maio) mantêm os critérios já apresentados. Para os proventos integrais, vinte e cinco anos de trabalho e prova de incapacidade física. Para a jubilação proporcional, mais de dez anos de serviço e prova de incapacidade física. E, para os que após os vinte e cinco anos permanecessem em atividade, haveria uma gratificação de 25% sobre o seu ordenado.