quarta-feira, 1 de março de 2000

A "Casa de Sergipe" (3): historiografia e identidade na Revista do IHGS (1913/1929)


A experiência do IHGS: um modelo e vários projetos (Capítulo 3)
Em linhas gerais, a instituição do IHGS não difere muito do modelo inspirador da maioria das associações congêneres do Brasil: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A experiência do IHGB[1] remete a uma representação institucional de base iluminista que orientou a fundação de várias academias na Europa nos séculos XVII e XVIII. Esse mesmo modelo inspirou a criação de algumas instituições científico-literárias no século XVIII no Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais[2], mas foi a partir da abdicação de Pedro I que o “espírito de sociabilidade” ganhou vigor, sendo criadas mais de cem agremiações científicas, políticas e industriais no Brasil, tendo como espelho o movimento academicista da França e especialmente de Paris.[3]
O modelo iluminista não se prendeu somente à forma “acadêmica” de organização, mas também a uma postura em relação à manipulação do conhecimento. A estratégia adotada é o “esclarecimento, em primeiro lugar, daqueles que ocupam o topo da pirâmide social, que por sua vez encarregar-se-ão do esclarecimento do resto da sociedade.” A herança iluminista também esteve presente na concepção de história adotada pelos fundadores do IHGB: uma escrita da história linear e hegemonicamente marcada pela idéia de progresso[4] e uma historiografia marcada pela tradição clássica – a história como mestra da vida – que procurava abrir caminhos para o processo de ocidentalização do Brasil recém-nascido, em vigor desde o projeto inicial da instituição até os últimos anos do Império.[5]
O modelo adotado pelo IHGB também prescrevia a adoção de uma ética não oficial e, por isso mesmo, neutra em relação a disputas de natureza político partidárias. Os marcos desse modelo (parâmetros iluministas, experiência sócio-institucional oriunda do Institut Historique de Paris) e as relações estreitas entre o seu quadro social e o aparato burocrático do Estado forçosamente orientariam as práticas desenvolvidas pelo IHGB. A partir desses elementos, constituiu-se um projeto institucional (científico) estreitamente ligado a um projeto político imperial que procurou “dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a, contudo, numa tradição de civilização e progresso.” As principais diretrizes para o desenvolvimento dos trabalhos do IHGB em seu período inicial foram “a coleta e publicação de documentos relevantes para a história do Brasil e o incentivo, ao ensino público, de estudos de natureza histórica.” [6]
Diretrizes semelhantes às do IHGB foram também estabelecidas para o IHGS. É o que se pode abstrair dos discursos autorizados do primeiro ano de atuação do grêmio sergipano. Não apenas um, mas três anteprojetos foram esboçados para o Instituto recém-criado. O primeiro foi anunciado por Florentino Menezes. Partiu desse jovem acadêmico de medicina, aos 26 anos de idade, a iniciativa de reunir no prédio do Tribunal da Relação os 22 homens que deram origem ao IHGS. Durante a primeira sessão, Florentino expôs as funções de uma instituição dessa natureza, o momento propício e também esboçou que tipo de práticas orientariam o IHGS.
Segundo Florentino, a fundação do Instituto em 1912 era plenamente oportuna e necessária. Oportuna pelo grande processo de “melhoramentos materiais e intelectuais" pelos quais passava o Estado e principalmente a capital, Aracaju. As evoluções material e intelectual eram intercomplementares e não havia, na mentalidade da época, como desenvolver uma, sem o correspondente revigoramento da segunda. Além disso, o Instituto era necessário; ele concorreria para o progresso intelectual de Sergipe através da “distinção” dos seus grandes sábios, consagrados somente pelas academias de outros Estados e países. Com isso, o idealizador registrava uma das marcas do movimento intelectual sergipano: o caráter migrante e o reconhecimento dos seus filhos por parte de sumidades e de associações literárias tanto no Brasil quanto em países-berço da “civilização” como a Alemanha e a França.
Uma outra razão para a fundação da instituição estaria ligada a uma espécie de “complexo de inferioridade”, econômica e, sobretudo, territorial que acompanhou os discursos sobre o local desde a sua emancipação administrativa. O pequenino Estado via-se em desvantagem mesmo em relação a outros Estados de porte semelhante como Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os três já possuíam Institutos e por que não Sergipe, já que enfrentava as mesmas adversidades dos três citados?
A nova instituição, segundo Florentino, teria o papel de guardar as nossas tradições, a “alma dos povos”, o fator que distingue uma sociedade organizada de um povo em estado anárquico, decadente. O IHGS deveria ser a associação científica responsável pela promoção de estudos em torno de uma história renovada e de uma geografia utilitária. A primeira seria “não mais uma simples enumeração dos fatos do passado” e sim “a escada por onde sobem os povos”, e a geografia, um saber indispensável nas relações comerciais e intelectuais entre os povos.[7] Cinco anos mais tarde, protestando contra a omissão da categoria de sócio-fundador na reforma dos estatutos da casa, Florentino reafirmou o projeto idealizado de instituição: o IHGS era ainda entendido como o templo da história e da ciência. Um lugar isento de paixões e ódios, o ambiente ideal para a liberdade de ação e de pensamento; o lugar da justiça, da guarda dos mortos ilustres (intelectuais) que permaneceram dominando os vivos, orientando as ações dos intelectuais freqüentadores da casa.[8]
O presidente da nova agremiação, sugerido pelo idealizador e aclamado pelos presentes, o Desembargador João da Silva Mello, também expôs a sua idéia de Instituto. O “templo” foi também a metáfora utilizada. A exemplo dos demais institutos, como explicita o autor, o IHGS seria “uma escola onde se professa a lei eterna da perfectibilidade humana, - onde ressoam as vozes proféticas desses místicos colaboradores do progresso."[9] João da Silva Mello priorizou os estudos históricos, afirmando que a nova casa deveria reunir fontes para a historiografia do Brasil e de Sergipe; deveria auxiliar aqueles que se dispusessem a estudar a história “em nome da verdade e das conveniências do estado”. Mas não importa o tipo de conhecimento a ser cultivado. Tanto faz a interpretação orientada pelas idéias lineares como circulares acerca da experiência humana. A escrita da história poderia simplesmente configurar-se na “biografia do gênero humano”. No Instituto, segundo o autor, não haveria lugar para polêmicas fossem elas filosóficas ou político-partidárias.
A fundação do IHGS esteve sintonizada com os novos tempos que se anunciavam. Era preciso não perder o bonde da história, não ser um retardatário diante da aceleração do progresso, da ciência. A função desse tipo de associação foi, por conseguinte, altamente estratégica. Para João da Silva Melo, os Institutos eram instrumento de civilização. “Indicar a trajetória do progresso e da civilização dos povos é reconhecer a ação reividicadora dos Institutos."[10] Como que provando essa função, adianta o autor, estiveram os Institutos sempre a festejar o que de melhor a civilização tinha produzido: a caridade, o trabalho assalariado, a liberdade (o fim do trabalho escravo) e a paz.
As “palavras de início” de Prado Sampaio divergiram um pouco dos dois discursos anteriores. Ele foi muito mais incisivo quanto às finalidades, os novos objetos e abordagens científicas que deveriam orientar a entidade. Em sua opinião, não era responsabilidade do Instituto “aclarar pontos obscuros ou recantos crepusculares, porventura ainda existentes nos desvãos do nosso Teatro e História ... mas criar o estudo da Antropogeografia sergipana à luz do moderno critério da Sciencia Social.”[11] Foi a relação homem/meio físico que o interessou. Esta relação também foi fruto das discussões entre as propostas das ciências naturais e humanas e o alardeado fim da dicotomia homem/natureza. O projeto Ratzeliano, nesse movimento, seria o referencial por excelência a ser aplicado nos trabalhos da instituição.
A história deveria também ser renovada na opinião de Prado Sampaio. Não poderia mais constituir-se em “uma infinda comemoração de batalhas, ao desfile secular de dinastias sepultas (...) o que o esse estudo está no momento a compreender, é todo o evoluir das ciências, das letras, das artes, das indústrias, das religiões, que são as criações fundamentais da humanidade.” [12] Essa história estaria dentro do projeto da Antropogeografia, preparatório ao estudo da sociopsicologia dos povos (o povo sergipano em particular) “chamada a dar a última palavra sobre a solução do problema da adaptabilidade de certas raças aos elementos especiais do solo.”[13]
Para Sampaio, o Instituto foi fruto do nosso processo civilizatório. Uma demonstração da nossa maturidade intelectual. A sua fundação apresentava-se como fato expontâneo. Foi o marco do momento “em que a nossa inteligência se julgou apta a colaborar no grande problema da correlação existencial entre a natureza e o homem".
Os três discursos iniciais tornaram clara a presença marcante de utopias iluministas que atravessaram todo o século XIX e alcançaram o XX, em pleno vigor. Elementos desse modelo, apropriados pela maioria das associações científico-literárias criadas no Brasil nos séculos XVIII e XIX, estiveram presentes desde o próprio título (Instituto), hierarquia e estrutura interna (um grupo fixo de sócios, o trabalho em comissões) até às “profissões de fé” que caracterizaram os mais notáveis filósofos franceses do chamado século das luzes. Os ilustrados membros do Instituto consideravam-se desde a fundação como os reais difusores da verdade, os principais combatentes do preconceito. Imbuídos desse credo, anunciaram as leis da natureza como gestoras do mundo moral, a vida social como continuação da vida orgânica e física. Acreditaram na perfectibilidade do homem, viram na historiografia a oportunidade de aprender com a experiência do passado e orientar a ética futura e ainda, a mais significativa de todas essas características, acreditaram que a sociedade sergipana, principalmente, estaria fadada ao progresso e à civilização.Se se pode pensar o IHGB como inspirador do modelo iluminista projetado para o IHGS, não se pode deixar de constatar que o lugar social, completamente diferenciado, vai influir decididamente nas práticas institucionais e na consolidação (ou não) dos projetos pensados de início para o grêmio sergipano. Um dos mais evidentes distanciamentos entre as duas associações esteve ligado aos referenciais teóricos e às novas concepções de história e geografia adotadas pelo grêmio local. Como foi explicitado nos parágrafos anteriores, o modelo institucional francês, adotado no IHGS, já estava embebido de influências comteanas (em sua vertente religiosa) e do cientificismo alemão, configurado nas teses de Haeckel e Ratzel, enquanto que o IHGB entrava no século XX um pouco reticente quanto ao emprego de teorias e métodos “naturalistas” na sua tarefa de recolher e narrar a experiência da “nação brasileira”.
O outro ponto a ser evidenciado decorre dos motivos da fundação do grêmio local. O projeto inicial do IHGB estava plenamente sintonizado com a política estabilizadora e centralista das primeiras décadas do Império brasileiro. Previa-se a implantação de uma rede de instituições em todas as províncias que serviriam como coletores de fontes a serem enviadas ao Rio de Janeiro. Ao IHGB caberia a escrita da história nacional.[14] A ausência da província de Sergipe nessa teia instituída no século XIX não é tão fácil de justificar e não me aventuro a por um fim à questão. Fica por enquanto estabelecida a hipótese da subordinação econômico-administrativa de Sergipe à Bahia (e por isso, da insuficiência do movimento intelectual) e do caráter migrante dos seus filhos letrados. Apesar dessa hipótese, a presença do IHGS na primeira década do século XX no circuito dos demais Institutos brasileiros não deve ser encarada como participação retardatária no plano inicial do IHGB já que esse mesmo projeto se havia enfraquecido com a vitória do novo regime em 1889. O nascimento do IHGS deve ser encarado como um projeto da periferia em relação ao centro, um esforço de reafirmação da identidade dos pequenos Estados no bojo da experiência federativa: o IHGS é, pois, um projeto republicano, diametralmente oposto à estratégia inicial do IHGB.
Isso pode ser evidenciado desde a composição do quadro social do grêmio até as tarefas em que se atreveu a entabular para a construção da representação chamada Sergipe (trabalhos de organização da memória e de pesquisa em torno da afirmação da soberania local, onde o nacional tem grande relevo, embora, como a soma de “pátrias” autônomas trabalhando em reciprocidade).
Sergipe, no momento da fundação do grêmio, era uma das muitas “pátrias” que experimentava a função de satélite na “República oligárquica”. Premido pela dependência econômica em relação aos capitalistas cariocas e baianos, pela incapacidade de modernização inerentes à estrutura fundiária e à fragilidade de sua atividade industrial,[15] e pela fraca representatividade política (população pouco alfabetizada, reduzido número de eleitores e de parlamentares), o Estado gravitava, com outros menores, em torno de lideranças como Pinheiro Machado, para contrapor-se aos interesses dos fortes Estados cafeicultores e minimizar os problemas advindos do federalismo. 
A obediência ao poder central e os acordos de cúpula[16], alicerçados no coronelismo, marcaram a sucessão dos governadores e a eleição dos representantes sergipanos. Outra característica do período foi a vigência do monopartidarismo. Conta Ibarê Dantas que os próprios partidos políticos eram orientados muito mais em torno de lideranças que propriamente de doutrinas.[17] “Parece ter havido, no período 1905/1920, uma certa estagnação institucional. Sem a participação de concorrentes ou quaisquer outros estímulos, tanto as convenções como as eleições se tornaram práticas meramente formais com o Presidente do Estado (ou chefe político que controlava os quadros de representação), ocupando a direção do ritual.”[18]
Tais práticas resultaram na predominância de três oligarquias que, fundeadas principalmente no tradicionalismo dos produtores de açúcar, revezaram-se no comando do Estado por todo o período 1900/1930:[19] Olímpio Campos (1899/1911); Oliveira Valadão/Pereira Lobo/Gracho Cardoso (1911/1926); e Manoel Correia Dantas (1927/1930). Entre estes, ao lado e/ou submissos aos grandes coronéis, estavam os criadores/mediadores e, até mesmo, os agentes engajados em projetos de intervenção no social, os “doutores que ficaram”, os que foram bem sucedidos nas disputas por cargos, ajudas de custo, proteção política para escrever livremente sobre o que pensavam, em suma os que se acomodaram[20] “à fechadíssima luta da política estadual”. Como bem explicitou Terezinha Oliva: “Aqueles que ficavam, ou se haviam acomodado a um emprego público ou eram as cabeças pensantes dos violentos artigos, manifestos e estratégia na luta que as hostes dissidentes empreendiam contra o governo” estimulados pelos vários ‘expatriados’ do Rio de Janeiro.[21]
Intelectuais residentes, “radicados” e “expatriados” interagiam sempre e com um discurso marcado pela ênfase no progresso econômico, na “evolução” cultural de Sergipe (melhoria dos costumes, renovação na atividade política e literária, etc.). Entre estes contam-se principalmente pessoas de renome como Felisbelo Freire, Silvio Romero, João Ribeiro, inicialmente e, depois, Gilberto Amado e Carvalho Neto. A eles, pode-se aplicar com propriedade o exposto por Terezinha Oliva a respeito de Fausto Cardoso: “aos que não se acomodavam ao jogo da política local, restava a aventura de tentar projetar-se fora da terra e impor-se então como candidatos à representação sergipana no Congresso.”[22]
Filhos da mesma situação, os radicados também estiveram migrando politicamente de uma facção à outra. Parte significativa dos sócios fundadores e efetivos dos primeiros anos do IHGS pode ser identificada com o olimpismo, como o exemplo de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda[23], Manoel Batista Itajai (vice-Governador do Estado – 1908), Apulcro Mota[24] (olimpista até 1902; vice-presidente do Estado – 1899/1902) juízes, desembargadores representantes dos “cabaús”[25]. Também há muitos exemplos de republicanos puros, faustistas como Gumersindo Bessa e Luiz José da Costa Filho, José Maria Moreira Guimarães; valadonistas como Prado Sampaio; republicanos “históricos” como Carvalho Lima Júnior; e regeneradores da República como Ávila Lima.
Apesar das limitações do Estado oligárquico, os intelectuais do Instituto também participaram dos raros movimentos que puseram em questão as práticas políticas vigentes. Vários foram os tipos inventariados por Ibarê Dantas[26]. As dissidências oligárquicas configuradas na “Revolta de Fausto Cardoso” (1906), apoiada por Luís José da Costa Filho, e a “reação republicana” (1921) engajada na campanha de Nilo Peçanha para presidente da República, da qual participaram os sócios efetivos Amintas José Jorge (presidente do IHGS), Luís José da Costa Filho e o próprio grupo familiar de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda. Combativas foram as campanhas pela “moralização dos costumes políticos” desencadeadas por movimentos reformistas liberais, agregando intelectuais em torno da campanha civilista (1910 e 1919) e da propaganda pelo voto secreto (1923). Do primeiro, engajado na campanha pró Rui Barbosa, participou o sócio efetivo Apulcro Mota. O segundo foi liderado pelo fundador do Instituto, Florentino Menezes e ganhou expressivo apoio de intelectuais e de toda a imprensa. “No calor da propaganda, atribuía-se ao voto secreto muitos benefícios: acabaria com as oligarquias; evitaria a vitória dos governos desonestos, despóticos e salvaria o país da bancarrota que se aproximava. Resolveria o problema das forças partidárias, elevaria a moral do Brasil, faria das eleições uma verdade.”[27] Compuseram a diretoria do Centro de Propaganda pelo voto secreto (1923), além do próprio Florentino, alguns sócios fundadores do IHGS como Manuel dos Passos de Oliveira Teles (juiz de Direito de Aracaju), Alcebíades Correia Paes (médico, diretor do Ateneu) e os sócios efetivos Amintas José Jorge, Clodomir Silva e Édson de Oliveira Ribeiro.
Nos movimentos reformistas autoritários, mais uma vez estiveram envolvidos os jornalistas Costa Filho e Édison de Oliveira Ribeiro, defendendo em júri muitos dos participantes da revolta tenentista de 1924, e Amintas Jorge e Clodomir Silva que junto aos professores Artur Fortes e Abdias Bezerra (ex-alunos expulsos da Escola Militar no Rio de Janeiro) engajaram-se na “Aliança Liberal” (1929).[28] A mais contundente crítica às práticas oligárquicas foi desfechada com a propaganda socialista desencadeada a partir da fundação do Centro Socialista Sergipano (1918). A instituição, também fundada por Florentino Menezes, simpatizava com a experiência russa, embora pregasse um socialismo onde fossem mantidos a pátria e a família. Da Diretoria do Centro participaram também os sócios fundadores Alcebíades Correia Paes, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, os sócios efetivos Epifânio da Fonseca Dória, Francisco de Monteiro Filho.
Os estudos que tratam do movimento político da República Velha sugerem, então, que as formas de se pensar a política e de promover intervenções no social estiveram sempre limitadas pelo Estado oligárquico. Assim, a experiência dos mediadores/criadores, principalmente dos sócios do IHGS, foi marcada por tutelagens, adesões, rompimentos, acordos que resultaram em freqüentes mudanças de facções, partidos ou grupos oligárquicos; foi, enfim, a luta pela sobrevivência política. O projeto republicano esposado pelos sócios do IHGS visou, por assim dizer, até o final da década de 1930, incorporar novos progressos, fossem eles políticos, artísticos, científicos ou tecnológicos, mantendo, entretanto, o prestígio dos mandatários do antigo regime, o “patronato rural.” O Instituto somente pôde congregar tantos homens e opiniões em contingências tão diferenciadas por ter se configurado em “templo” da ciência, da “neutralidade” (liberdade) político-partidária. No período de fundação da casa e nas duas décadas seguintes, a política foi apartada da ciência, surpreendentemente em um período de dominação cientificista.
A “ciência” da fundação
Mas falar em projeto republicano não significa reduzir a prática acadêmica – reflexão sobre o novo caráter (científico) da história e da geografia – ao plano político das oligarquias em voga. Um não foi, e não poderia ter sido somente, espelho do outro. Se há um desejo de poder, (sobrevivendo, fazendo valer a sua opinião sobre a dos outros, livrando-se das decadências de status e econômica), há também uma demanda pelo saber. E é justamente esse "recuo" do político em provimento do “científico” operado no seio do IHGS que vai permitir uma reflexão dos intelectuais locais sobre a organização das formas de conhecer.
O projeto científico esboçado para o IHGS no momento de sua fundação foi, pelas várias razões anteriormente citadas, tributário da Escola do Recife. Esse movimento, jocosamente nomeado como Escola teuto sergipana,[29] liderado por Tobias Barreto e Silvio Romero, tentou dotar o país de um pensamento filosófico e introduzir o estudo da sociedade brasileira em bases científicas. O “componente essencial da doutrina” filosófica da Escola do Recife centrou-se em três pontos: a crítica ao ecletismo espiritualista, corrente dominante no período 1840/1875; a crítica à filosofia católica – em sua primeira fase, 1850/1870, denominada por Silvio Romero de reação católica; e a crítica à face ortodoxa do positivismo.[30]
Quanto à orientação teórica impressa, variou com os ciclos da Escola e estes, por sua vez, foram condicionados à contribuição individual dos líderes do movimento. Limitando-me somente à contribuição dos dois mais importantes membros, posso – correndo os riscos de todo o reducionismo, é claro – afirmar que Tobias Barreto rompeu com o ecletismo espiritualista em 1868, aderindo parcialmente ao positivismo de Comte; superou o comtismo com o monismo de Haeckel em 1880 e a este reformou através das idéias de Noiré em 1884. Silvio Romero passou do espiritualismo de Jouffroy ao positivismo em 1868; marcando diferenças com Tobias Barreto por volta de 1875, aproximou-se do materialismo de Büchner e Vogt e do transformismo de Haeckel, e por meio destes, chegou ao transformismo de Darwin, não se afastando porém do positivismo de Comte – classificação das ciências e da filosofia da história. Entre 1876 e 1885 Silvio Romero aplicou-se na transformação do positivismo, ainda sem rejeitá-lo totalmente, ampliando o transformismo de Darwin e Haeckel; em 1888 já é spenceriano convicto, e em 1909 trabalha com as teses de Le Play, H. de Tourville, Edmond Demolins, P. Rousiers, A. de Preville, P. Bureau.[31]
Este esboço das trajetórias é útil para que se tenha uma noção da variedade de autores e da profusão de “ismos” que deve ter suscitado a Escola em todos os lugares atingidos por sua influência. Através dos bacharéis formados na Faculdade de Direito do Recife ou simplesmente pelo acompanhamento das querelas que provocou, as idéias da Escola migraram para a Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Sergipe. Na Faculdade de Medicina da Bahia, o médico Guedes Cabral, em 1876, já incorporava teorias materialistas de Darwin, Huxley, Broca, Longet, Büchner e Moleschott em sua tese Funções do cérebro. Mas foi na Faculdade de Direito que as idéias de Tobias Barreto foram adotadas, através do spenceriano Almáchio Diniz. No Ceará os ex-alunos do Recife empenharam-se na crítica literária e em suas conferências já citavam Comte, Buckle, Taine, Spencer. Deste grupo de discussão participavam Araripe Júnior, Amaro Cavalcante Melo e João Lopes. Fundada a Faculdade de Direito do Ceará, os dois discípulos do Recife, Antonio Adolfo Coelho de Arruda e Manuel Soriano de Albuquerque, consolidaram essa influência. No Rio de Janeiro destacaram-se Fausto Cardoso e Graça Aranha junto com Silvio Romero, emigrado desde 1876.[32]
Em Sergipe não foi diferente. As doutrinas da Escola formaram uma geração inteira de bacharéis e com dois agravantes. Primeiro, o Estado localizava-se entre os pólos disseminadores de conhecimento, usufruindo, portanto, das faculdades de Recife e Salvador. Os bacharéis tanto em medicina quanto em direito acabaram se apropriando das idéias em graus diferenciados, é claro, dos dois centros ao mesmo tempo.[33] Depois, o fato de pelo menos quatro dos dez líderes da Escola do Recife terem nascido em Sergipe: Tobias Barreto, Silvio Romero, Fausto Cardoso e Gumersindo Bessa. Além desses, podem ser citados como sergipanos componentes do “segundo escalão” da escola Tito Lívio de Castro, Felisbelo Freire, Manuel dos Passos de Oliveira Teles, Joaquim do Prado Sampaio e João da Silva Melo.[34]
Portanto, não fica difícil compreender como e por que o IHGS, fundado por 18 titulados em direito e medicina,[35] alguns dos quais ex-alunos de Tobias Barreto e/ou amigos pessoais de Silvio Romero, tenha herdado e prosseguido com os referenciais teóricos disseminados pela Escola. Mais que uma defesa de posição, havia a luta pela memória dos sergipanos ilustres, um trunfo identitário em relação aos demais Estados.
A apropriação das idéias cientificistas por parte dos bacharéis sergipanos não se deu pari passu às transformações do pensamento de Tobias Barreto e Silvio Romero. Os referenciais teóricos que enformariam as discussões sobre filosofia e ciência circunscreveram-se ao período 1870/1890. Não foi tanto o combate à ortodoxia positivista, mas a postura anticlerical que ocupou a seara intelectual no início do século XX em Sergipe. Assim, de todo o ideário cientificista da Escola do Recife, os bacharéis fundadores do IHGS apropriaram-se com maior vigor da obra Ernest Haeckel[36], Herbert Spencer e F. Ratzel. O sucesso desses autores no final da década de 1910 em Sergipe denunciou a efetiva influência que o pensamento renovado brasileiro dos anos 1870 recebeu da França e da Alemanha. Segundo Tobias Barreto, na Alemanha, após a crise da metafísica desencadeada com a morte de Hegel, assistiu-se à “um notável surto das ciências naturais”. Por volta de 1860, iniciou-se um movimento conciliador entre as ciências naturais e a filosofia principalmente com as publicações de Haeckel, Helmholtz, Zeller, entre outros.[37] Para Cruz Costa, esses ilustres representantes do “materialismo vulgar” praticavam “uma espécie de idolatria pela ciência desprovida do necessário senso crítico (...). Esperavam todos, parece, nessa época, encontrar na ciência um instrumento que congregasse os homens como os unira no passado a religião.” O próprio Haeckel foi considerado um notável vulgarizador. Sua obra Enigmas do universo (1899) que, segundo Cruz Costa, teria grande repercussão em público desprovido de erudição histórico-filosófica,[38] foi um documento-chave para a compreensão da “filosofia empírica” ou do “empirismo filosófico” esboçado no período. Mas em que consistiria esse “materialismo vulgar” difundido pelo naturalista alemão?

Haeckel não partiu inicialmente da filosofia, especializou-se nos estudos sobre zoologia. Foi assenhorando-se dos métodos das ciências naturais, dos princípios desenvolvidos por Lamarck[39] e Darwin[40], e das conquistas efetuadas pela Paleontologia, Anatomia Comparada e Embriologia, estabelecendo, assim, as bases do seu monismo mecanicista, ou seja, a idéia de que todo o universo é acessível aos nossos meios de investigação: todos os fenômenos físicos ou morais, são regidos por leis fixas e imutáveis, o universo é um todo unitário, um monon.[41] O monismo de Haeckel foi, ao mesmo tempo, uma teoria do conhecimento e uma filosofia. Uma teoria fundada no paradigma biológico (lei da conservação da matéria e da energia e lei da substância) na descoberta que o conhecimento da verdade, “fim de toda a ciência, é um fenômeno natural fisiológico” adquirido a posteriori através da experiência. É também uma filosofia no sentido de sistematizadora dos todos conhecimentos obtidos a partir de estudos especializados. Uma espécie de rainha das ciências. Ciência e filosofia compartilharam, portanto, os mesmos objetivos – a busca da verdade, e métodos – experiência/especulação, análise/síntese, indução/dedução. Filosofia e ciência também conservaram permanente combate a um só inimigo – o dualismo expresso pela metafísica kanteana e os seus sub-produtos: conhecimentos a priori, sentimento, fé e revelação. Por isso, a máxima continuamente repetida nas obras de Haeckel: “toda ciência da natureza é filosofia e toda a filosofia verdadeira é uma ciência natural.”

A segunda referência adotada no período, Herbert Spencer (1820-1903), também partiu dos estudos da biologia, especificamente das investigações efetuadas por Wolf e Von Baer sobre o desenvolvimento de embriões (animais e vegetais). Constatações sobre a passagem da estrutura homogênea para a estrutura heterogênea (de sementes e ovos) levaram Spencer a demonstrar que “a lei do desenvolvimento orgânico, formulada pelos fisiólogos alemães, é a lei de todo o progresso.”[42] A reestruturação da biologia proporcionada pela demonstração dos princípios da descendência e da seleção natural deram fôlego ao evolucionismo spenceriano assim como estimularam Ernest Haeckel a propagar a chamada filosofia da natureza.[43] Mas foi o empirista inglês quem desenvolveu um modelo de análise mais apropriado à explicação dos fenômenos sociais. Embora tenha sido empregada de forma dispersa, a teoria de Spencer, sintetizada na idéia de um progresso determinado pelas funções orgânicas, era bastante cara a alguns intelectuais sergipanos e, aparentemente, não contradizia o monismo desenvolvido por Haeckel, já que do mesmo modo que ocorre na natureza (nascimento do sistema solar, da terra) e no mundo orgânico o progresso verificava-se também na sociedade (tribo/civilização, coletivismo/divisão social do trabalho), [44] na linguagem (verbos e substantivos/variação de substantivos, tempos e modos verbais) e na constituição da arte em geral (pintura/escultura-arquitetura, linguagem e sons/música, poesia e dança).
Outra significativa referência teórica cultivada no período de fundação do IHGS, também citada nos projetos iniciais para a instituição, foram as idéias de Friedrich Ratzel, formuladas em torno da Antropogeografia. Essa obra constituiu a terceira parte do plano ratzeliano para a Geografia (as demais eram a Geografia física e a Biogeografia). Um empreendimento interdisciplinar, criador de uma teoria da história (o progresso da humanidade vinculado à relação trabalho humano/fertilidade do solo). A Antropogeografia mereceu maior atenção de Ratzel e foi também o produto que lhe deu notoriedade. Publicada nos anos 1882 e 1891, elegeu as influências das condições naturais sobre o homem como principal objeto. A este, prioritariamente relativista, estava subordinado o estudo da distribuição das sociedades sobre a terra e da formação de territórios. O método, centrado no modelo das ciências naturais, entendia a geografia como ciência da observação e da indução. Havia, portanto, entre a formulação do objeto e do estabelecimento do método um complexo problema: a antropogeografia “visava realizar um projeto teórico romântico” – a idéia de progresso, a interação homem/meio de Herder e Ritter, “com um instrumental positivista” – a unicidade metodológica, o objetivismo comteano, o evolucionismo de Lamarck e Darwin, o ecologismo de Haeckel.[45]

Além dos pressupostos de Haeckel, Spencer e Ratzel, as teorias sociológicas de Tarde, Le Bom e Palante também fizeram eco no início da década de 1910. De alcance um pouco mais restrito, ao que parece, circunscrevendo-se apenas às obras publicadas pelo fundador do Instituto, Florentino Menezes, os estudos de G. Palante prescreviam “leis de conservação social, unidade social, adaptação vital e solidariedade social. Sua sociologia, entendida como psicologia social, preocupava-se em “investigar como as inserções das consciências individuais intervinham na formação e evolução da consciência social, e como inversamente esta consciência social atuava nas individuais.”[46]

A despeito da relativa atualização com algumas teorias em voga na Europa, não foi especificamente a discussão epistemológica sobre sociologia, biologia ou geografia que predominou nos debates promovidos pelos intelectuais em Sergipe. As querelas restritas ao campo científico propriamente ditas, como explicitado por Jackson da Silva Lima, tematizaram principalmente a distinção entre ciência e filosofia e a defesa do monismo haeckeliano (1909/1910). Os principais debates foram proporcionados pelas disputas entre o Padre João de Matos Freire de Carvalho e o bacharel Ávila Lima, entre este e o bacharel Ascendino Argolo. Um e outro reviveram confrontos ocorridos na Europa entre partidários das explicações naturalista e cristã sobre os grandes problemas da filosofia, agora da ciência. Aqui como lá, estavam em jogo a metafísica x ciência experimental, origem x evolução, Moisés x Haeckel. Não é tanto a ciência que é contestada mas a ciência de caráter ateu. Tanto o é, que em uma dessas polêmicas, o Padre João de Matos utilizou-se das afirmações do pensador Rousseau, do astrônomo Hervé Faie, do matemático Augusto Cauchy, Corneille Racine, La Bruguére, Bossuet, Bourdalon, Fenelon, e Ampere. Até mesmo a constituição majoritariamente católica da "Academia Francesa" foi utilizada como argumento contrário ao naturalismo ateu.[47] O ponto central dessas discussões (fé/ciência) somente seria modificado formalmente com o conflito teórico-metodológico envolvendo a Pedagogia (1914) e a emergência da propaganda socialista (1918).

Ainda assim, houve tentativas de desenvolver e estender as propostas cientificistas aos domínios específicos não contemplados pelos mentores originais. Coube a Fausto Cardoso estabelecer uma “ciência” do Direito em bases mecanicistas. Seu livro Concepção monística do universo, além de anunciar estudos sobre o equilíbrio das forças sociais (que constitui o Direito) a serem desenvolvidos em Cosmos do Direito e da Moral, apresentou uma síntese das principais proposições haeckelianas. Esse resumo didático serviu, inclusive, como iniciação à obra do alemão para alguns intelectuais da terra. Ainda mais significativos foram os seus artigos da Revista Brasileira, “na qual, traçando uma panorâmica da historiografia, criticou a visão comtiana e afirmou suas esperanças na História como ciência. Acreditava que o progresso e a conquista da liberdade eram metas da História e via na luta de classes um componente necessário do processo histórico.”[48] Partindo do monismo, Fausto Cardoso chegou a cunhar uma “lei” cujo enunciado prescreve que “a história de cada sociedade, seja qual for a sua posição na escala histórica em geral, é uma recapitulação em miniatura, abreviada, das fases anteriores da história universal.”[49]

Outra tentativa de aplicação do materialismo de forma um tanto difusa foi posta em prática por Prado Sampaio. Melhor mesmo fez Florentino Menezes que, através da crítica à sociologia clássica, "procurou elaborar um modelo de sociedade para o futuro baseado no grau de evolução social. Mesclando ideais socialistas a conceitos positivistas e evolucionistas, imaginou uma pretensa sociedade futurista, talvez uma Florentinópolis."[50]

Apesar do predomínio dos bacharéis em Direito em Sergipe, os médicos foram os primeiros a demarcarem espaço institucional através da fundação da Revista médica de Sergipe. O periódico representava a “classe” dos médicos, dentistas e farmacêuticos e o seu organizador, Helvécio de Andrade, estava plenamente consciente da principal função do veículo: “é pela fundação de revistas que se elevam as classes científicas”. A afirmação da medicina como “ciência da vida” como “ciência de experiências custosas e de observação meticulosa... ciência ao mesmo tempo do físico e do moral”,[51] demonstram os subprodutos do credo cientificista: a demarcação do ofício (a especialização do conhecimento) e a disputa pela cura da sociedade,[52] para os médicos, especialmente, entendida como um organismo. Os médicos, farmacêuticos e dentistas ainda contavam um fator à frente dos bacharéis: a natureza do seu trabalho fornecia uma das poucas possibilidades de aplicação, por excelência, dos supostos pregados pelo cientificismo, a única atividade que permitia a prática de pesquisa em laboratório.

Seja entre os bacharéis em direito e medicina, militares, engenheiros ou autodidatas, a idéia de ciência em voga no período de fundação do grêmio foi majoritariamente “moderna” e positiva. Uma ciência de caráter utilitário, centrada nos métodos hipotético-dedutivo e hipotético-indutivo, desenvolvida através da experiência e da observação. A idéia do conseqüente sempre melhor que o antecedente, submetida à noção de percurso contínuo, ambas sintetizadas nas expressões “evolução” e “progresso” e a crença na perfeita representação do real e na objetividade explicitam a “modernidade” presente nos “cientistas” do Instituto.

Em relação à ciência histórica, pretendia-se, com a emergência do evolucionismo, que ela ganhasse uma nova dimensão[53] pois só seria possível “conhecer” qualquer que fosse o objeto em questão, através da transição do antes e depois, do antigo e o moderno. Apesar dessa importância, limitada pelas dificuldades de operacionalização do método naturalista, a historiografia continuou sendo produto de uma “quase ciência” ou de uma ciência “que se faz” na opinião de dois importantes referenciais teóricos do período (Fausto Cardoso e Silvio Romero). É interessante, agora, freqüentar o interior do IHGS, verificar a sua estrutura administrativa, examinar suas práticas acadêmicas e conhecer como e se foram efetivados os tais pressupostos cientificistas em sua experiência institucional.

Estrutura e funcionamento do Instituto

A idéia de fundação do Instituto partiu do acadêmico de medicina Florentino Menezes que providenciou o convite aos intelectuais e o espaço para a reunião, o salão do pavimento superior do Tribunal da Relação onde funcionava o Clube Esperanto. Florentino também indicou o primeiro presidente da instituição, o desembargador João da Silva Melo orientado, provavelmente, pelo seu auxiliar e/ou tutor imediato na efetivação do projeto, o também desembargador Manoel Caldas Barreto Neto. Da mesma forma, o acadêmico compôs a comissão organizadora dos estatutos da qual participaram Barreto Neto e o então professor de História universal do Atheneu Sergipense, Alfredo Cabral.[54]

O modelo do IHGS não diferiu em muitos traços do instituído pelas agremiações congêneres. Isso pode ser observado pelo que foi estabelecido como finalidades da casa nos estatutos de 1912. Em primeiro lugar, uma preocupação heurística: “verificar, coligir, arquivar e publicar”. Depois, a tarefa de construir narrativas pedagógicas, biografias de nacionais e estrangeiros destacados pelos serviços prestados a Sergipe. O intercâmbio com academias e sociedades literárias e científicas, uma tarefa inerente à qualquer instituição que preze pela atualização dos seus trabalhos, e a publicação de uma revista instituidora de uma linguagem científica foram a terceira e quarta finalidades. Por fim instrumentalização das atividades dos intelectuais através da organização de um museu e uma biblioteca, beneficiando, assim, a instituição e a sociedade como um todo.

Na verdade, não foi o modelo em si, mas a sua execução que marcou diferenças entre os Institutos. As diferenças entre o “dito” e o “feito” apontaram o conflito entre os vários projetos em jogo. Cito, por hora, apenas um exemplo: um dos objetos do conhecimento sobre o qual deveria atuar a heurística eram os indígenas. Ao lado das efemérides, distribuição geográfica, “curiosidades arqueológicas” e o folclore, a etnografia e as línguas indígenas seriam objetos de interesse imediato do Instituto. Os “usos e costumes” dos indígenas, também objetos de arte e arqueologia estavam inseridos como monumentos representativos da história de Sergipe e dignos de pertencerem ao museu a ser criado.[55] Entretanto, por um erro tipográfico, talvez, o segundo número da Revista do IHGS omitiu a etnografia e as línguas indígenas do capítulo primeiro do Estatuto. O número três do mesmo periódico, além de manter o erro anterior, exclui a cultura indígena do futuro museu e ambos, as fontes sobre os índios e os registros tornados monumentos, deixam de configurar (juntamente com as curiosidades arqueológicas, etnografia e o folclore) objeto e objetivo do IHGS após a reforma estatutária de 1917.
Os novos estatutos (1917) são mais sintéticos e menos descritivos quanto aos objetivos. Transformaram em atividade-meio a organização de museu e biblioteca e a publicação de uma revista. A nova casa estabeleceu-se, estatutariamente, numa agência de civismo integrada ao processo desenvolvimentista dominante na sociedade da época. Com essa plasticidade, o Instituto parecia estar distanciando-se de uma espécie de saber erudito (recolher, organizar, publicar) “desinteressado” próximo das sociedades científicas dos séculos XVIII e XIX. O IHGS afastava-se um pouco mais do papel atribuído à “Sessão de Arquivo” da Biblioteca Provincial – a guarda de originais ou cópias de mapas e relações estatísticas, notícia de descobertas de produtos da história natural, mineralogia, e botânica” – mas não perdia o interesse pelo “aumento e progresso da agricultura, comércio, indústria, navegação ciência e artes”, estabelecidas para a mesma instituição do século passado.[56] Os novos fins projetavam uma instituição mais “ecumênica” (quanto aos estatutos disciplinares), cumprindo a função efetiva de instrumento de progresso e civilização da pátria local, atribuição que permanece nos estatutos até a década de 1990. Em suma, ao IHGS, em 1917 cabe “promover o estudo, animar o desenvolvimento intelectual e cívico do povo sergipano, o conhecimento da geografia e da história em todos os seus ramos e aplicações à vida social, política e econômica do país, especializando seus trabalhos concernentes ao Estado de Sergipe.”[57]
As mudanças estatutárias não implicaram, todavia, em transformações significativas no quadro social, na estrutura administrativa e nas práticas acadêmicas do IHGS. É certo que em relação à forma de recrutamento dos futuros sócios efetivos, os que possuíam o direito de voto e de exercerem cargos, aumentou a exigência de uma para cinco assinaturas dos já associados. O Instituto tornou-se então mais seletivo. Entretanto, além da maioridade de vinte e um anos e dos “títulos de recomendação social” exigidos, os trabalhos científicos ou literários não eram condição necessária para a admissão. A diferença entre produtores literários e não-literários poderia, talvez, ser firmada pela existência da categoria de sócio honorário, somente acessível às “pessoas de saber e distinta representação ou” que já tivessem publicado alguma obra biográfica ou erudita (transcrições, inventários) de memórias ou crônicas. Para tanto, não importava a procedência. Nos três anos iniciais da instituição foram contemplados como sócios honorários vários intelectuais residentes em Montevidéo, Bogotá, Costa Rica, Panamá, Arequipa e Cuzco (Peru), Buenos Aires, Oruro (Bolívia), Santiago e La Paz. Entre os brasileiros agraciados, podem ser identificados muitos intelectuais influentes nos estudos da história, geografia e direito, como: Conde Afonso Celso, Barão Homem de Melo, José Artur Boiteux, Teodoro Sampaio, Clóvis Beviláqua, Liberato Bitencourt, Manoel Bonfim e Olavo Bilac.[58] Em 1917 o título de sócio honorário ficou ainda mais restrito, sendo pré-requisito a assinatura de pelo menos vinte sócios efetivos, mas a brecha do "ou" ainda permanecia aberta tornando a honraria um valorizado ato da política. Assim, com essa relativa flexibilidade no critério para a admissão, predominou, tanto entre os sócios fundadores quanto entre sócios efetivos, a presença dos bacharéis (49%)[59] e de grandes negociantes chamados à época de coronéis (19%). Esses eram seguidos de perto pelos militares de alta patente (15%), os que provavelmente possuíam o magistério como atividade única (5%) e os sacerdotes católicos (5%).[60]
A presença dos negociantes no quadro social denuncia o grande poder simbólico exercido pela instituição. Fazer parte da única academia científica do período era sinal de prestígio. Um título do Instituto enobrecia o currículo dos que desejavam destacar-se ou manter o status quo. Era uma espécie de certificado de refinamento intelectual. Os mais influentes “capitalistas” foram sócios efetivos no período 1912/1930, a exemplo dos coronéis José Correia Paes, Gentil Tavares da Mota e Francino de Andrade Melo. Os dois últimos foram proprietários dos jornais Diário da Manhã. e O Imparcial, respectivamente. Francino Melo, um dos homens mais ricos do Estado,[61] esteve envolvido, inclusive, com a efetivação das obras de saneamento da capital[62], foi um dos responsáveis pelas reformas na Biblioteca Pública em 1914[63], além de investir na implantação do sistema de transportes através de bondes. Também fizeram parte dos primeiros quadros sociais do IHGS os negociantes influentes no comércio da capital, diretores da Associação Comercial de Sergipe (1910, 1911 e anos subsequentes): o bacharel Manuel Thomaz Gomes da Silva e os coronéis José da Silva Ribeiro, Terêncio de Oliveira Sampaio, Jacundino Vicente de Souza Filho e Sabino Ribeiro.[64]
Esse prestígio advinha também do fato de a instituição ter se transformado em reduto de magistrados. Fizeram parte dela, como sócios fundadores, os desembargadores Álvaro Teles de Menezes, Antônio Teixeira Fontes, João da Silva Melo, João Maynard e os Juizes Alexandre Lobão, Joaquim do Prado Sampaio Leite e Francisco Carneiro Nobre de Lacerda. Os demais, excetuando-se Zacarias Correia Paes e Pedro Sotero Machado, militavam como bacharéis. A repetição de nomes sugere também no Instituto, como no movimento econômico e fundiário,[65] o intenso inter-relacionamento familiar. As famílias Teles de Menezes (Manoel, Álvaro e Florentino) e Correia Paes (Alcebíades, José e Zacarias) como fundadores do Instituto são um exemplo claro dessa característica no Estado.
A essa categoria, sócios fundadores, pertenceram vinte dois ou vinte e quatro homens, os que supostamente teriam participado da primeira reunião no salão do Tribunal da Relação. As controvérsias sobre o número, bem como sobre os participantes da lista oferecem indícios de uma troca de sócios após lavrada a ata de fundação. Os nomes de Alexandre Lobão e Gentil Tavares[66] foram deliberadamente omitidos em detrimento de Francino de Andrade Melo e do professor de Geografia Geral e de Corografia do Brasil do Atheneu (1912) o também médico José Moreira de Magalhães. Essa prestigiosa categoria, de participação tão disputada, foi extinta com as reformas de 1917, mesmo antes do desaparecimento físico dos seus ocupantes.[67]
Além de fundador, efetivo ou honorário, havia a possibilidade de participar do Instituto como sócio correspondente ou benemérito. O último era reservado aos que prestassem “relevantíssimos serviços ao Instituto ou” que a este fizessem donativos “de importância nunca superior a dois contos de réis.”[68] À categoria de correspondentes passariam todos os efetivos que mudassem o domicílio para outro Estado ou país.[69] E esse quadro era composto em sua maioria por sergipanos emigrados temporariamente: parlamentares, funcionários públicos, acadêmicos, professores, militares e comerciantes residentes no Rio de Janeiro. Dos colaboradores não sergipanos há notas sobre as filiações, entre outros, do pensador Almachio Diniz (BA), do historiador Braz do Hermenegildo do Amaral (BA), e do coronel Delmiro Gouvea (AL). Em agosto de 1916, período de plena ascensão das suas atividades o então presidente do IHGS, Caldas Barreto Neto, anunciava que o Instituto possuía sócios "em todos os países da América do Sul, em alguns da América Central e do Norte, e em muitos da Europa."[70]
As rotinas administrativas do Instituto sofreram algumas alterações com as mudanças do estatuto de 1917. Em termos gerais, a diretoria, particularmente o presidente, acumulou mais poderes com o alongamento do mandato (de um para dois anos) e o fim do artigo que prescrevia a tomada de decisões somente através de maioria absoluta de voto sobre os membros presentes.[71] Por essa nova ordenação, o IHGS foi regido todo o período através de uma diretoria, com funções eminentemente administrativas e representativas, e por seis comissões permanentes: Fazenda e orçamento, História, Geografia, Autógrafos e Redação da Revista.
O presidente efetivamente liderava a diretoria. Longe de ser apenas um cargo decorativo, o seu ocupante nomeava sócios e/ou comissões para representar o Instituto em congressos científicos, sugeria matérias para a discussão e organizava a pauta dos trabalhos. Figurativo era o cargo de Presidente honorário do Instituto, pertencente ao presidente do Estado. Ao secretário geral, entre outras atribuições, cabia a direção, fiscalização e execução dos serviços de catalogação e inventário da biblioteca, arquivo e museu. Desses dois últimos encarregava-se diretamente o segundo secretário. Compunham ainda a diretoria um tesoureiro e o orador, responsável pelos discursos de recepção dos novos sócios, da condução das sessões aniversárias e pelo elogio dos sócios falecidos. Outros cargos, como o de bibliotecário, completavam o quadro administrativo do Instituto. Para este não havia eleição. Um funcionário remunerado encarregava-se dos trabalhos com a biblioteca.[72]
As comissões permanentes mantinham relações diferenciadas com a diretoria. Daquelas não poderia participar nenhum membro eleito para esta última. As comissões de fazenda e orçamento, por exemplo, exerciam papel fiscalizador em relação ao balancete da receita e despesa da tesouraria. As comissões de História, Geografia e Autógrafos eram pareceristas a respeito do material remetido pela diretoria (manuscritos e publicações). A comissão de Admissão de sócios, da mesma forma, era responsável pelos pareceres sobre as propostas de entrada de sócios. Cabia aos membros dessa comissão a pesquisa sobre a “individualidade do candidato, de suas condições de idoneidade e conveniência de sua aceitação”, embora, nas atas do período não haja indícios da recusa de alguma proposta analisada. Quanto à comissão de Redação da Revista, esta possuía poder deliberativo sobre a recolha de trabalhos com vistas à publicação no periódico oficial da casa. Os membros de todas as comissões permanentes eram eleitos por voto secreto dos sócios domiciliados no Estado juntamente com os da diretoria geralmente uma semana antes do aniversário do Instituto, seis de agosto. Em caso de vacância, o presidente tinha o poder de nomear o substituto.
O funcionamento do Instituto era financiado em parte pelos próprios sócios através das várias modalidades de taxas estabelecidas nos estatutos. Do sócio efetivo, a jóia cobrada no ato de admissão, rendia 10$000, a expedição do diploma – 5$000, e a anuidade 12$000. Cada sócio correspondente contribuía com 25$000 de jóia e o sócio benemérito, a partir de dois contos de réis. Além da contribuição social o Instituto usufruía do privilégio de ser reconhecido como de utilidade pública desde 09/09/1915, o que lhe valia uma subvenção estadual “nunca inferior” a 1:200$000.[73] O IHGS foi a primeira instituição científico-literária privada de que se tem notícia a ser auxiliada, declarada e oficialmente, pelo Estado. Foi o único beneficiado entre os anos 1917 e 1920. Mas se tomadas como base as diversas leis de fixação de despesas, subvencionando entidades congêneres, verificar-se-á que os valores estipulados para o IHGS variaram de 20 a 40% anuais, sendo restante do orçamento reservado para cinco outras instituições. No conjunto dos valores, no período 1921/1930, se considerada como efetivamente cumprida a lei, o rateio seria o seguinte: IHGS – 33%; Liga Sergipense contra o Analfabetismo – 22%; Centro Sergipano (RJ) – 21%; Centro Operário – 15%; Gabinete de Leitura de Maruim – 6% e Clube Literário Silvio Romero – 2%. Essas taxas podem indicar o IHGS como um grande privilegiado, mas é importante esclarecer que todas as subvenções juntas (de todas as entidades beneficiadas) até 1930 pouco ultrapassavam à metade da verba liberada para o custeio da Biblioteca Pública no mesmo período. E note-se que a verba da Biblioteca nunca ultrapassou os 4% dos gastos com a Instrução Pública no Estado no período 1917/1929.
Havia, no entanto, outros modos de financiar a instituição que não somente através do auxílio em dinheiro. A mesma lei estadual que estabelecia subvenção também garantia a impressão da Revista Trimensal do Instituto por meio da Tipografia Oficial. E mais ainda, dotava a instituição de “um prédio apropriado para o seu funcionamento”. A lei também previa que, enquanto não se providenciasse a compra do prédio, o Instituto funcionaria em edifício designado pelo Governo. No final dos anos vinte, os próprios membros seguiram em caravanas pelos vários municípios do Estado em busca de donativos para a construção da sede[74] e parecem ter conseguido apoio em Laranjeiras, Maroim, Estância, Riachuelo. As Atas do Instituto indicam a que houve tentativas de angariar recursos financeiros e até um terreno para a construção da sede junto ao Governo Federal e a Intendência de Aracaju.[75] Outro tipo de doação, livros e objetos diversos, esses bem mais freqüentes, era provido pelos próprios sócios e simpatizantes para a constituição do arquivo, museu e biblioteca da instituição. 
Algumas práticas acadêmicas
As práticas acadêmicas efetivam-se nas sessões realizadas. Ao longo dos 18 anos estudados, ocorreram aproximadamente 270 reuniões e a distribuição anual desses encontros foi um importante indicador do fluxo e refluxo das atividades do grêmio.
A freqüência com que os sócios se reuniam pode ser representada por um linha que inicia a ascendência em 1912 apontando momentos de intensa atividade em 1915 e 1916 decaindo lentamente até o seu ponto mais crítico em 1924, quando foram registradas apenas seis sessões. Os sintomas de "decadência" foram denunciados por Moreira Guimarães que do Rio de Janeiro felicitava o Almirante Amintas Jorge por ter assumido a direção da casa: "tem almirante no leme, e almirante de verdade. De maneira que Sergipe há de ver o seu Instituto à altura que lhe cabe."[76] Mas não era somente um problema de direção administrativa. O próprio Prado Sampaio, entusiasta da candidatura de Amintas Jorge, depositava no caráter sergipano, "refratário ao espírito de associação" os motivos do arrefecimento dos trabalhos da instituição. "O favor público", justificava Sampaio, "quasi só tem brilhado pela ausencia. É de ver quão pequena tem sido a comparência pública às suas sessões, realizadas em homenagem a datas nacionaes ou do Estado."[77] O certo é que após esse período e com a administração liderada pelo Almirante Amintas Jorge, o número de sessões voltou a crescer. Em 1925, o IHGS marcou sua fase mais intensa, chegando a promover 27 reuniões, mas logo voltou a decair progressivamente até 1930 quando reuniram-se apenas em quatro ocasiões.
Partindo do conteúdo das Atas da Instituição pode-se conjeturar que as sessões do IHGS deveriam ocupar um tempo variável entre uma e até três horas. Estatutariamente (1917) as reuniões deveriam ser mensais, mas foram comuns as sessões da diretoria duas ou mais vezes em um mesmo mês. Entre 1912 e 1915, foi costume reunir-se às 13 horas - algumas vezes ainda pela manhã (9 ou 12 horas). A partir dessa data, talvez pela instalação dos serviços de luz elétrica na cidade, as reuniões passaram a ocorrer à noite às 18, 19 ou no máximo 20 horas. As conferências propriamente ditas não ultrapassavam os 80 minutos.
Os locais de encontro também variaram nesse período. Mas as práticas em espaços internos dominaram o cotidiano da entidade. Raros foram os momentos de exposição externa, descontando-se aqui as inaugurações de prédios públicos e levantamento de estátuas. Em geral, as reuniões do grêmio eram sediadas nos salões cedidos pelos próprios filiados. Assim, de 1912 a [1917] o Instituto ocupou o salão nobre do Tribunal da Relação (hoje, Arquivo do Poder Judiciário), de 1918 a 1922 em edifício provisório, alugado pelo Governo do Estado na Praça Fausto Cardoso (rua Maruim), de 1923 até a inauguração da sede própria em 1939, entre a sede na rua Maruim, a praça Coronel José do Faro e prédio da Biblioteca Pública.[78]
Uma das poucas informações que pode ser gerada sobre o público dessas reuniões está nos jornais. Quando comentada a afluência das pessoas aos eventos do grêmio, havia uma preocupação clássica dos redatores em indicar a presença de pessoas de "todas as classes sociais", um clichê certamente. Citado nominalmente, esse público restringe-se aos representantes máximos dos poderes políticos em voga: o presidente do Estado, o bispo, o intendente, o delegado e ainda, dependendo do regime político da ocasião, o interventor, o chefe do estado de sítio, o comandante da representação local do Exército. Mas algumas atas, principalmente as das sessões comemorativas, indicaram também a presença constante de um outro tipo de público. Voluntária ou por compulsoriamente, não se sabe ao certo. Mas um publico fiel a esse tipo de evento era formado por estudantes da Escola Normal, do Colégio Tobias Barreto, da Liga Sergipense contra o Analfabetismo e de Grupos escolares, instituições com localização relativamente próximas ao IHGS. Os alunos eram trazidos pelos mestres que também eram sócios do Instituto. A presença desses estudantes nas sessões comemorativas era anunciada; principalmente, quando o tema em foco versava sobre datas maiores do Estado de Sergipe: o 14 de Julho e o 24 de Outubro. O evento que comemorou 14 de julho de 1913 dá uma amostra bastante representativa do perfil de assistentes desse tipo de sessão e da forma hierárquica vigente na sociedade do período. Além dos sócios que ao IHGS compareceram, foram citados em ata os representantes do Presidente da república, do Presidente do Senado Federal, Deputados federais, militares de alta patente, e os representante dos periódicos locais. Em síntese, governo, igreja, escola, e imprensa são o público genérico das sessões comemorativas tanto ordinárias quanto extraordinárias do IHGS.
Estatutariamente, vários tipos de sessão foram registrados. Nos primeiros anos as reuniões foram classificadas como ordinárias, extraordinárias e solenes[79]. Essas últimas aconteciam uma vez por ano, no dia 6 de agosto, e tinham a função de comemorar o aniversário do Instituto. Nessa mesma sessão, previam os estatutos de 1912 que seriam realizado, o elogio aos mortos durante o ano administrativo que findava, a exposição do relatório de atividades, e a listagem das obras ofertadas ao Instituto e, por fim, a posse da diretoria eleita. As sessões ordinárias eram realizadas no dia 6 de cada mês. Para que uma reunião ordinária fosse iniciada, bastava apenas a presença do presidente, 1º e 2º secretários e alguns sócios completando corum mínimo de oito. Com as reformas estatutárias de 1917 foram também prescritas as sessões de assembléia geral, aniversárias e as de “comemoração de qualquer acontecimento notável”.[80] Apesar dessa modificação, o que se pôde perceber na prática da Instituição foi o predomínio das três primeiras: as sessões de aniversário do IHGS, as sessões ordinárias e extraordinárias.
As reuniões mais numerosas, as ordinárias e extraordinárias, funcionaram em acordo com o estabelecido nos Estatutos de 1917. Serviram para tratar “exclusivamente os negócios literários ou científicos do Instituto, discutindo-se e votando-se os pareceres das comissões.”[81] Através do exame dos seus conteúdos, expressos nas atas do Instituto, pude extrair um protocolo de funcionamento onde cada sessão seguia mais ou menos essa ordem: 1ª parte – fala do presidente anunciando os motivos da reunião; leitura da correspondência recebida; leitura da listagem de publicações, iconografia e peças tridimencionais doadas à Instituição; 2ª parte – votação de pareceres das Comissões; apresentação de propostas para novos sócios. Para as reuniões extraordinárias era mantida a seqüência da primeira parte enquanto a última, reservada aos discursos: discursos de posse de um novo sócio, de recepção a um visitante “ilustre” – geralmente um militar, um político, um intelectual; ou uma conferência alusiva à data comemorativa.
Verticalizando um pouco mais o estudo dessas práticas, pude extrair, através dos trabalhos desenvolvidos na segunda parte das reuniões, algumas das principais rotinas/produtos da Instituição: a formação de comissões, os discursos, e as conferências. O trabalho nas Comissões Permanentes já foi tratado em tópico anterior. Mas são as comissões não estatutárias, formadas a partir das demandas ordinárias da Instituição que ofereceram os indícios mais representativos acerca do trabalho coletivo na “casa da sciência”. Essas comissões, quase 50 ao todo, possuíam vida efêmera e originaram-se dos mais diversos motivos diluídos ao longo dos 18 anos em estudo. Desde a necessidade de produção de textos para a história de Sergipe até a recepção de uma autoridade política na estação ferroviária da Capital, tudo eram razões para a formação de uma comissão.
Entre as funções mais recorrentes desses grupos temporários de trabalho estavam as tarefas de representação da entidade. Assim, o IHGS esteve presente tanto na inauguração de edificações públicas – início da construção do Asilo Rio Branco (1913), na inauguração do Prédio da Biblioteca Pública (1914), quanto na posse dos Presidentes do Estado, nas homenagens pós morte prestadas a dirigentes políticos e intelectuais. O Instituto também elegeu comissão para representá-lo na comemoração dos 50 anos do Gabinete de Leitura de Maruim (1927) e na posse da diretoria da Academia Sergipana de Letras. Da mesma forma, e com empenho semelhante, participou de homenagens promovidas pelo Estado, freqüentou funerais, transmitiu pêsames, visitou sócios doentes, recebeu e acompanhou visitantes ou nativos recém-chegados a Aracaju. Entre os que receberam “os votos de feliz e boa viagem” estavam os Presidentes eleitos do Estado – Pereira Lobo (1918), Gracho Cardoso (1922), o Governador da Bahia, J. J. Seabra (1913), os historiadores Braz do Amaral (1914), Rocha Pombo (1917), Ivo do Prado (1917), os presidentes do próprio Instituto – Caldas Barreto (1920) e Nobre de Lacerda (1931), e o Monsenhor Adalberto Sobral.
O trabalho das comissões também incluía a arrecadação de fundos para o financiamento de homenagens e, ainda, a preparação de eventos comemorativos locais ou a representação local de eventos científicos nacionais como o XX Congresso Internacional de Americanistas (1919) ou os Congressos nacionais de Geografia (1915, 1916, 1919, 1922).[82]
Entretanto, em números bastante reduzidos, lastimavelmente, estavam as atividades ligadas à produção textual. Descontando-se as comissões eleitas para a elaboração dos Estatutos do IHGS, e ainda o exame do mapa geográfico do Estado, elaborado por Ávila Lima (1918)[83], tem-se conhecimento apenas de duas comissões para esse fim. A primeira, tentou produzir verbetes que fariam parte do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnológico do Brasil, um projeto organizado por Ramiz Galvão no Rio de Janeiro dentro das comemorações do Centenário da Independência do Brasil. As tarefas dessa comissão foram divididos entre M. P. de Oliveira Teles (história de Sergipe), Carvalho Lima Júnior (geografia), Prado Sampaio (etnografia), [Ávila Lima] (biografias), todos sob a supervisão geral de Armindo Guaraná. De todos os trabalhos, apenas têm-se notícias do texto de Prado Sampaio, apresentado em sessão de 06/02/1918 e enviado dias depois à comissão responsável pelo Dicionário.[84]
Um outro produto que teria se revelado uma importante contribuição à historiografia de/sobre Sergipe, caso fosse concluído, foi a distribuição de trabalhos para os sócios no sentido de construir narrativas "cuja tese [era] a seguinte: Origem da fundação, seus limites e conseqüentes desenvolvimentos de uma Cidade ou vila deste Estado, com os seus principais acontecimentos.” Na mesma sessão, em 11/02/1917, declarou [o presidente do IHGS] que “esses trabalhos seriam pronunciados em conferencia [e] elaborados em forma de crônicas e ambos publicados na Revista do Instituto".[85] Procurava-se, dessa forma, suprir as deficiências das sínteses conhecidas. A iniciativa demonstrava a necessidade de produzir historiografia partindo do interior de Estado, através de pequenas monografias. Para José Calazans, a iniciativa de estudar as cidades e vilas do Estado fora adotada possivelmente “tendo em vista o que se preconizava para o V Congresso de Geografia a realizar-se em Salvador, onde o sodalício estaria representado.[86] Dos 23 trabalhos projetados tem-se apenas conhecimento da publicação de duas monografias: Município e cidade de Simão Dias (1927) de Francisco Antônio Carvalho Lima Júnior e história do Município de Santa Luzia (1929) de Vicente Olino.[87]
A última comissão encarregada da produção de textos foi efetivada em 1929 em um período de franco refluxo das atividades da casa. Em sessão de 6 de agosto, ficou acordado entre os presentes que os sócios Rocha Lima, Franco Freire, Florentino Menezes e Costa Filho, juntamente com a Comissão Permanente de História seriam encarregados de escrever a História e Geografia de Sergipe. Desse trabalho não colhi nenhuma notícia.
Além das rotinas/produtos, constituídos através da formação de comissões temporárias, as sessões do IHGS eram também o foro privilegiado de dois outros gêneros significativos: as conferências e os discursos. A freqüência destes acompanhou a variação da quantidade de sessões. Foram aproximadamente 150 discursos ao longo dos 18 anos estudados. Lamentavelmente, o conteúdo da grande maioria dos discursos está perdido para sempre. Embora vários tenham sido impressos e distribuídos entre os presentes durante as solenidades, ou remetidos aos periódicos locais, tudo o que sobrou dessas peças só pode ser acessado através de algumas transcrições na Revista, em pequenas notas jornalísticas, e na citação dos próprios sócios em réplicas congratulando-se, agradecendo ou protestando. Ainda assim, através das Atas do próprio Instituto, foi possível recuperar os títulos e os nomes dos oradores possibilitando a construção de um perfil do que se discutia cotidianamente nas sessões do Grêmio.
Discursar era a atividade básica em uma sessão. Uma tarefa protocolar. Além disso, constituía o ofício de parte significativa dos dirigentes do Instituto, os bacharéis em Direito. Era, portanto, esperado que um terço dessa produção estivesse voltada para os agradecimentos por eleição da diretoria, aceitação da proposta de associação na entidade, na homenagem aos mortos, e ainda, no rotineiro trabalho de recepcionar novos sócios e visitantes ilustres. Com essa função ocupavam a tribuna com maior freqüência os presidentes e oradores oficiais da instituição. Entre os primeiros é notável a participação dos presidentes Amintas Jorge e Caldas Barreto como 10 e 12 atuações. Os oradores Prado Sampaio, Edson Ribeiro, Clodomir Silva e Hunald Cardoso vem em seguida com 10, 8, 8, e 7 discursos respectivamente. Não necessariamente ligados à tarefa de recepção aos sócios também tiveram eco as falas de Manoel do Passos de Oliveira Teles e de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda. Todos esses foram responsáveis por mais de um terço dos discursos nas sessões do IHGS. O restante engrossou a tarefa protocolar do agradecimento efetuado pelos recém-associados.
Os nomes citados são mesmo campeões da oratória no IHGS mas não chegam a ofuscar o brilho do presidente de honra da Instituição Manoel Joaquim Pereira Lobo que no espaço de 4 anos (1919/1922) realizou aproximadamente 13 intervenções, configurando-se como o mais ativo presidente de honra do período em foco e, por conseguinte, o mais presente dos governantes do Estado às reuniões do grêmio.
Além dessa função tipicamente protocolar, o "discurso" cumpria a função literária propriamente dita e nesse sentido confundia-se, tanto na forma quanto no conteúdo, com outro gênero freqüente, a "conferência." Para Prado Sampaio, o discurso deveria ser "breve e preciso, e principalmente apresentar-se à apreciação do auditório como um trabalho de arte, deixando em relevo um traço da personalidade do seu autor, em vibrante síntese intelectual e emotiva." A temática, pelo menos na gestão do Desembargador João da Silva Melo, visaria, preferencialmente, homenagear "aqueles que nos precederam na morte, deixando na vida sulco indelével de sua terrena peregrinação."[88] Assim, proferidos tanto nas sessões ordinárias quanto nas solenes, tais peças configuraram um produto voltado para os elogios às personalidades dignas de nota: governantes nacionais como Washington Luiz, Pinheiro Machado, Pedro II; governantes locais e ao mesmo tempo presidentes de honra da Instituição - Siqueira de Menezes e Manoel Valadão; intelectuais como Rui Barbosa, Silvio Romero, o pintor Horácio Hora e o poeta Hermes Fontes. Os próprios sócios do Instituto, falecidos ou não, eram também tematizados durante tais homenagens. Os maiores alvos de discursos, membros do IHGS, tiveram uma produção destacada durante as duas primeira décadas desse século. São os casos de Ivo do Prado, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Felisbelo Freire e Armindo Guaraná. Lá também figuraram os administradores da casa como Amintas Jorge, Caldas Barreto e Barreto Neto.
Ainda dentro dessa semelhança com a "conferência", em terceiro lugar no número de ocorrências (10), surge o IHGS como tema. Desse são enfatizados principalmente a função e importância no cenário intelectual sergipano. Logo a seguir, e surpreendentemente próximo aos discursos de freqüência residual como educação pública (4) e questão dos limites (3), encontram-se as efemérides. As sete referências às grandes datas comemorativas tematizam a Bandeira Nacional, o descobrimento da América, as Independências do Brasil e de Sergipe, e as Revoluções Francesa e Pernambucana.
As "conferências" ocuparam aproximadamente o espaço de cinqüenta sessões. Mais de dois terços dessas sessões foram extraordinárias, havendo uma verdadeira preparação tanto do autor quanto da platéia para esses eventos. As conferências eram marcadas com antecedência de meses até. Eram indicadas - conferência e conferencista - pelo próprio presidente ou por proposta dos sócios em reunião ordinária. Entre 1915 e 1926 são inúmeras as ocorrências em Ata de marcação de conferência ou informe sobre a preparação das mesmas. Dela se incumbiram, em sua maioria, os sergipanos residentes no Estado. Aqui, em relação ao produto conferência há uma sensível mudança no perfil dos palestrantes. Saem de cena os presidentes e oradores abrindo espaço para nomes como Ávila Lima, Enock Santiago, Helvecio de Andrade, Moreira Guimarães, Manoel dos Passos de Oliveira Teles e os já por demais citados Prado Sampaio e Costa Filho. É oportuno destacar que esse grupo de sete sócios é responsável por 50% de todas as conferências sendo que as demais (28) são proferidas por 28 oradores. Outro fato a destacar é a fertilíssima participação do Costa Filho tanto nos discursos como na exposição de conferências. Em termos de atuação esse jornalista representa para as sessões do IHGS o que o advogado Prado Sampaio foi para a Revista do IHGS.
Nesse gênero, é possível notar a participação de alguns forasteiros não somente em termos de naturalidade, mas em relação às questões tematizadas, a estranheza que causaram tais eventos no cotidiano do Instituto. São os casos das conferências de Edmundo Gutierres (1915); Frei Pedro Sizig (1926), Braz do Amaral (1914), e Luduvico Schwenhagem (dezembro de 1925, janeiro de 1926). O primeiro tratou da importância da solidariedade entre Argentina, Brasil e Chile (A. B. C.) para as demais Repúblicas da América do Sul (1915); a conferência do Frei Pedro Sizig - "Que significa Cristo para o Brasil" enfocou a decadência da religião, da falta de educação religiosa inclusive no Brasil (1926) e Braz do Amaral defendeu interesses baianos na questão de limites com Sergipe. As conferências do cientista austríaco Ludwig Shwennhagen circunscreveram-se no périplo realizado nas décadas de 1910 e 1920 por vários Estados do Nordeste em defesa do "mito fenício" como explicação para a pré-história brasileira.[89] Em Aracaju o autor divulgou a tese de que o "descobrimento do Brasil" ocorrera em 1100 A.C. e a colonização fora obra de uma associação entre povos fenícios e tupis. A tese, certamente, não era desconhecida dos membros do IHGS. Vários curiosos e eruditos já haviam manifestado interesse pela experiência dos homens que antecederam à chegada dos europeus. Institutos históricos como os do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e Alagoas já publicavam no mesmo período alguns trabalhos sobre "raças pré-históricas", índios, registros rupestres, língua, cerâmica, cemitérios, cultos, mitos e lendas indígenas. No IHGS, como se constatará no próximo capítulo, a temática da pré-história ou mesmo dos índios pós-cabralinos é quase inexistente.[90] E mesmo as teses de Shwennhagen (ou notas tomadas por algum assistente) que ocuparam duas noites no Instituto Histórico não foram publicadas na Revista. Entre os sócios do IHGS Ludwig Shwennhagen só ganhará um adepto declarado na década de 1950, o historiador Sebrão Sobrinho. Está em Laudas da história do Aracaju a tese de que a capital de Sergipe fora colonizada por fenícios. Para Sobrinho as provas que fenícios e "engenheiros egípcios" haviam fundado Aracaju estão na existência dos "longos aterros para deter as águas do mar" e nas fusões entre línguas clássicas e o tupi que deram origem a alguns vocábulos de emprego local.[91]
Claro que outros visitantes ilustres diretamente ligados à produção historiográfica tiveram passagem pelo Estado. Os historiadores Homem de Melo,[92] Rocha Pombo[93] estiveram presentes às sessões, foram homenageados e ensaiaram falas no Instituto, mas parece que tais visitas não interferiram nos projetos locais. Ao contrário, os discursos de recepção reafirmam as concepções cientificistas em curso na interpretação da experiência local. As visitas serviram muito mais como atestados de consagração do grêmio, perante as instituições congêneres, como legítimo “templo da ciência”. Assim, embora as conferências pudessem ser caracterizadas como produtos especificamente voltados para uma espécie de atividade-fim do instituto (discussão, disseminação de conhecimento), os conferencistas não fugiram aos temas privilegiados pelos discursos, freqüentes nas sessões ordinárias. Por isso, os agentes destacados na política como Sebastião Gaspar de Almeida Boto, Inácio Barbosa, Fausto Cardoso, Pedro II; os intelectuais Rui Barbosa, Tobias Barreto e Silvio Romero, o herói de guerra Francisco Camerino ,e o “cientista” Muniz de Souza continuaram sendo alvo de estudos biobibliográficos expostos nas conferências.
As efemérides ocupam 10% do total de sessões. As Revoluções Francesa e Pernambucana, a Independência de Sergipe, a vitória do 2 de Julho na Bahia, o 21 de abril "de Tiradentes", e a "descoberta da América" continuaram merecendo atenção. Mas as conferências abordaram também, por interferência da direção da entidade em um determinado período - Almirante Amintas Jorge -, as Batalhas de Tuiuti e Riachuelo. O Estado de Sergipe, através de questões que envolveram a agricultura, folclore, intelectuais, território, [descrições] do baixo São Francisco e Serra de Itabaiana, foi o terceiro objeto mais freqüente (8), ficando como temas residuais a educação pública (3), limites entre Sergipe e Bahia (3), pré-história brasileira (2), história da homeopatia, religião, guerra e socialismo, todos com uma referência cada.
A função social do Instituto
Tema residual, tanto nos discursos quanto nas conferências não quer dizer sem relevância, haja vista que o resultado do exame estatístico relativo às conferências não reflete o conjunto das atividades do Instituto e omite o engajamento da instituição em sua função social mais significativa: ser “a voz dos sergipanos”, traduzir o “sentimento” destes nos diferentes momentos de sua experiência como “povo” autônomo. Logo, temas residuais não dizem muito sobre a tarefa do grêmio na construção da representação chamada Sergipe, seja assegurando o espaço (luta pelo território), organizando uma memória comum (estátuas, datas, símbolos pátrios) ou, ainda, desencadeando e estimulando o poderoso e “inevitável” processo civilizatório: campanhas pela instrução pública e estímulo às atividades científico-literárias (instrumentalização através da montagem da biblioteca, arquivo, museu e revista).

Demarcar o território
A questão de limites territoriais entre Bahia e Sergipe data do início do século XVIII, estando em disputa vasta porção de terra localizada a oeste e ao sul do Estado de Sergipe. Segundo Carvalho Lima Júnior, não se trata de conflito de limites geográficos, sobre os quais não há contestação do legítimo direito de Sergipe, principalmente, quanto às terras localizadas entre os rios Real e Itapicuru. A questão envolveu sempre problemas de jurisdição eclesiástica e jurídica. As contendas ocorreram quase sempre em virtude das conveniências pessoais dos párocos sertanejos ou foram provocadas pelos ouvidores da Bahia, com apoio do Vice-Rei em benefício da comodidade dos povoadores da zona litigiosa.[94] A questão desenrolou-se durante os períodos colonial e imperial, gerando farta documentação entre Representações da Assembléia Provincial e Assembléia Geral, correspondência entre os presidentes de Sergipe e Bahia, e reclamações ao Ministério do Império.
A luta pelo território requeria a eleição de instrumentos e metodologias para justificar o melhor critério de posse. Neste sentido, os vocacionados para a pesquisa histórico-geográfica tinham papel fundamental. Ainda durante o Império surgiram as primeiras encomendas do Governo. Assim, o exercício da revisão bibliográfica, do estudo de mapas, de fontes arquivísticas, do depoimento oral e o auto-relato daqueles que foram incumbidos das pesquisas impulsionou, talvez, o nosso primeiro surto historiográfico, resultando nos trabalhos do bacharel Martinho de Freitas Garcez,[95] Descrição sinoptica da província de Sergipe (1860), do coronel José Zacarias de Carvalho (artigos no Correio Sergipense,1861), e do Dr. Joaquim José de Oliveira[96], Memória (1864). É importante registrar que no mesmo ano em que veio a lume a Descrição sinoptica.. de Martinho Freitas Garcêz (1860) a Assembléia Provincial anunciava autorização para "quando a Província estivesse desobrigada de compromissos, dar 4:000$000 a quem no prazo de dez anos, apresentasse a mais completa História de Sergipe, a juizo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro."[97]
Com a instalação da República, as províncias passaram a unidades federadas e, apesar de todas as desigualdades sócio-econômico-territoriais, ampliou-se, entre legisladores e literatos, a possibilidade de criação de um “Estado” sergipano efetivamente autônomo. Um Estado baseado/justificado por uma comunidade de interesses julgada pelos intelectuais como pré-existente ao período republicano e fundada em atributos partilhados pelos moradores do lugar, tais como: nome próprio coletivo, território ou terra de origem, memórias históricas, produtos culturais, e projetos para o futuro.[98]
De todos os atributos listados, a fixação dos primevos limites territoriais era o principal entrave à concretização da utopia “sergipense”. Contudo, apesar de a Constituição de 1891 ter avançado na questão da descentralização política do Brasil, a situação territorial da região não foi modificada devido ao predomínio político dos grandes Estados. Segundo Lima Júnior, a manutenção do contraditório “direito adquirido” em pleno momento revolucionário, desencadeado pela proclamação da República, alegado, nesse caso em particular, pela Bahia, foi o principal motivo para o insucesso da causa “pátria”. Mesmo assim, sucessivos governos locais continuaram investindo em soluções pacíficas seja através do Congresso Nacional, seja em tentativas de arbitramento ou em pesquisas locais sobre a questão. Fruto desses esforços, teve origem, logo no início dos 1900, a monografia Sergipe e Bahia: questão de limites, escrita pelo padre João de Matos Freire de Carvalho[99].
Fundado o IHGS, a luta pelas terras apossadas pela Bahia ganhou novo fôlego e teve reforçado o seu caráter de questão patriótica. No mesmo período, o presidente de Sergipe, general Siqueira de Menezes, em gesto extremo, ocupou as localidades de Saco e Apertado de Pedras até então sob o domínio baiano. Siqueira de Menezes obteve voto de congratulação do Instituto pela forma com que encarou a questão e na mesma sessão (07/10/1913) o presidente da casa, desembargador Caldas Barreto Neto, sacramentou a participação do grêmio na contenda com a formação de comissão específica para estudar o caso. Em 1916, esse mesmo presidente apelou ao general Oliveira Valadão para pôr em execução a Lei 672, de 10 de novembro de 1914 que permitiria o financiamento da pesquisa sobre a questão em arquivos portugueses. Valadão também se engajou na luta designando o sócio Carvalho Lima Júnior para pesquisar documentos comprobatórios dos direitos de Sergipe nos próprios Arquivos públicos da Bahia.[100]
A questão dos limites esteve em pauta no IHGS nos anos 1913, 1914, 1916, 1917, 1918 e 1920. Foi um dos raríssimos temas a gerar polêmica no cotidiano da casa. Não entre baianos e sergipanos, já que durante a conferência do representante oficial da Bahia (o historiador Brás do Amaral) a platéia praticamente emudeceu pois estava desaparelhada para criticar os documentos apresentados pelo visitante.[101] A polêmica em causa foi motivada pela conferência (21/04/1918) do sócio Ávila Lima, defendendo o rio Real como o verdadeiro limite sul com a Bahia, posição tomada anteriormente por Felisbelo Freire em História de Sergipe (1891).[102] Esse fato gerou protestos e contra-protestos, ganhou a imprensa e motivou mais pesquisas sobre o tema, cujas conclusões foram apresentadas em seguida pelo também sócio Elias Montalvão.
Do ambiente interno a questão de limites migrou para os Congressos científicos da área de Geografia. Os embates passaram a se dar então entre baianos e sergipanos. O primeiro que se tem notícia ocorreu por ocasião do 5º Congresso Brasileiro de Geografia em Salvador. A disputa aconteceu entre José Rodrigues da Costa Dória e Brás do Amaral motivado por uma memória, produzida pelo historiador baiano, intitulada Município do Patrocínio do Coité.[103] No Congresso Brasileiro de Geografia e Belo Horizonte (1918), a escrita se repetiu, sendo o Estado representado dessa vez por Manuel dos Passos de Oliveira Teles. O assunto continuou unificando governo e intelectuais sergipanos, pois já em 1919, o governo abriu crédito de 8:000$000 para publicação da pesquisa de Carvalho Lima Júnior sobre o tema.[104] Metade da subvenção destinada ao IHGS para o exercício do mesmo ano também esteve atrelada à coleta de documentos sobre os limites Sergipe-Bahia.[105] Em 1920 foi a vez do General Ivo do Prado representar Sergipe em uma conferência sobre limites interestaduais convocada pelo Ministério da justiça.[106] Durante todos esses eventos a supremacia política da Bahia, tanto nos congressos científicos quanto nos parlamentos, determinou o adiamento de uma solução definitiva para a questão.
A tarefa do IHGS, em relação ao caso dos limites estendeu-se para além do período em estudo. Quando no Sudeste do país, já se repensava a viabilidade do modelo federativo[107] diante da efervescência política nacional e da tentativa de destruição das velhas oligarquias que dominaram a República Velha, o Instituto insistia no cumprimento de um dos seus projetos iniciais. Acreditava-se que aquele seria o momento ideal, pois não deveria, a Bahia, utilizar-se do seu poderio em nível legislativo, as Câmaras estavam fechadas. Em 1931, uma reunião do grêmio especificamente destinada a colher subsídios para o encaminhamento de soluções, lamentava a lentidão do “governo revolucionário” em resolver o caso e colhia dos sócios duas importantes sugestões: a ocupação do território em litígio através da nomeação de autoridades policiais, administrativas e judiciais, proposta por Prado Sampaio; e a saída pacífica (o arbitramento por exemplo), mediada pelo “governo provisório da República”, idéia apresentada pelo desembargador Gervásio Prata.[108] Vencida a segunda, tratou o Instituto de autorizar ao proponente a elaboração de um Memorial, contendo todas as provas e justificativas do pleito sergipano e, com a assinatura da diretoria do grêmio, encaminhar o referido documento ao interventor federal tenente Augusto Maynard Gomes[109]. Essa tentativa também fracassou. Segundo Fraga Lima, não era interesse de Getúlio Vargas indispor-se com o interventor da Bahia que muito lhe havia auxiliado com tropas durante a Revolução Constitucionalista de 1932. "Foi posta uma pedra em cima indicando que o destino era nada resolver."[110]
O engajamento do Instituto nessa questão durante as décadas de 1910 e 1920 envolveu seus sócios mais preocupados com a pesquisa histórica, tais como: Carvalho Lima Júnior, Elias Montalvão, Prado Sampaio, Manuel dos Passos de Oliveira Teles, padre João Matos Freire de Carvalho, Adolfo Ávila Lima e Ivo do Prado. Se os resultados das investigações não foram suficientes para reaver as terras, serviram para preencher lacunas sobre a vivência de “sergipanos”, principalmente relativa ao período colonial, e fizeram valer/notar a importância dos estudos históricos como saber especializado para a sociedade de então.[111]
Estabelecer uma memória comum
O projeto de fundação de um Estado autônomo requereria também do IHGS algumas propostas homogeinizadoras para a construção de uma memória comum. E isso foi prontamente providenciado no momento em que se comemoravam os 100 anos de emancipação política da tutela da Bahia. Ações nesse sentido foram gestadas na "Comissão Executiva das Festas do 1º Centenário, instalada pelo Instituto em 09/02/1919. Entre os atos dessa comissão estavam a consolidação do 24 de outubro como uma espécie de data de nascimento do Estado, a ereção de uma estátua do "imortal" sergipano Tobias Barreto de Menezes[112], publicação do Álbum Ilustrado de Sergipe e a confecção da Bandeira Estadual.[113]
De todas as ações, a questão do "nascimento" do Estado em 1820 não conseguiu unanimidade entre os sócios do IHGS. A data escolhida (24 de outubro) era justificada como o dia em que a suposta notícia da emancipação (Decreto de D. João VI de 08/07/1820) haveria chegado na então capital São Cristóvão. No ano do Centenário as duas datas eram feriados instituídos pelo governo: o 24 de outubro legitimado pela lei da Assembléia Provincial em 1839 e o 8 de Julho, por Lei de 1897.[114] Para Barreto Neto a primeira data já estava legitimada pela "tradição". Data sagrada "para o sentimento nativista dos nossos patrícios." Sua comemoração, iniciada em 1836, somente foi possível após o abrandamento dos conflitos entre lusitanos e antilusitanos ou ainda entre emancipacionistas e defensores da submissão à Bahia.
Lima Júnior era contrário à comemoração do 24 de outubro e pelo menos por duas vezes (1918 e 1919) antes do Centenário manifestou sua opinião. "É um erro da tradição apanhado em 1836 quando pela primeira vez solenizou-se esta data em São Cristóvão, pregando ao púlpito o célebre orador sacro, músico, poeta e filósofo, Frei Santa Cecília, dizendo-se ser aniversário da emancipação de Sergipe. Nada existe que confirme esta suposição. Um artigo publicado há muitos anos por Mundim Pestana, declara ter sido a data em que chegou a São Cristóvão, a notícia da emancipação." A defesa da verdade histórica fundada em testemunhos documentais o motivou a sugerir que fosse festejado o "8 de julho, data do decreto de 1820, ou o 5 de março que foi mais proveitoso, posse do 1º Presidente da Província, Brigadeiro Manoel Fernandes Silveira."[115]
Se a posição crítica de Lima Júnior não gerou polêmicas que merecessem registros o mesmo não aconteceu em relação ao conterrâneo João Ribeiro. O renomado historiador também não via fundamentação histórica no 24 de outubro. Considerava-o "um acontecimento nocivo" já que a Bahia deu-lhe a independência – igual àquela que os senhores de escravos 'convieram em dar aos velhos de mais de 60 anos'... Essa independência que apenas deu [a Sergipe] esta glória: 'a de ser o menor, o anão da irmandade republicana'.[116] Comentando o fato, Múcio Leão analisou a repercussão das afirmações de João Ribeiro entre os sergipanos, inclusive os que habitavam no Rio de Janeiro. "Pareceu-lhes, a eles, fanáticos de sua terra, que havia em João Ribeiro um iconoclasta da pior espécie. Apareceram artigos de jornal, violentos ou desabusados. João Ribeiro foi chamado de besta do apocalipse (sem o apocalipse – diz ele – para tirar o impropério a graça bíblica). O Instituto Histórico e Geográfico de Aracaju redigiu um protesto e pô-lo em ofício no correio. João Ribeiro recebe o ofício, ouve os doestos. E, com bom-humor, redige uma palinodia, para consolar a imaginação ardente de seus patrícios. Mas ele bem sabe, no íntimo, que a razão está consigo."[117]
Um ano depois desse infeliz acontecimento, a autonomia do Estado foi posta à prova. O Governo central indicou dois nomes completamente ausentes do movimento político de Sergipe para assumirem as vagas de governador e senador.[118] João Ribeiro foi à forra. Denunciou, nas entrelinhas, os vícios da oligarquia e do coronelismo e desdenhou do suposto projeto de reforço da autoestima efetivado pelo IHGS.
Bravos homens! Esclarecidos patrícios! Formidáveis contra um foliculário inócuo e salamalequialmente curvados diante da magestade que lhes estoura às barbas.
Tupã, Caramuru!
Chegou a divindade de longe, Deus ignotus, propício à gentilidade cabôcla.
Esse Deus, com um bacamarte de pederneira apanhado nos desvãos do Catête, e com um barril de pólvora escapo ao naufrágio, é bem o Júpiter mandado à fábula coaxante das rãs, sequiosas de um rei novo.
Se lhes faltar algum papel para a bucha dos foguetes e das girandolas festivas, cá está o ofício do Instituto, que recambiarei patrioticamente para maior lustre das festas da minha santa e amada terrinha.
Eu seu que há virtudes excelsas, como sejam o patriotismo e outros males sergipanos. Sei igualmente que Ciro de Azevedo não merece os doestos que vão atribuir a minha pena, que antes rabiscaria elogios ao homem, ao cidadão, ao intelectual e ao artista.
Não lamento os seus propósitos de salvar a pátria do bom General Lobo, celebrado injustamente por certos aspectos aritméticos da sua popularidade.
Lamento só o Instituto Histórico, que teve língua solta para me xingar e agora está entalado, engasgadíssimo com o bacamarte soberano.
Eu também (desculpem a modéstia) pertenço a vários e grandes Institutos, ao do Rio, ao de São Paulo, e ao do Ceará; esperava juntar a esses diplomas medíocres o do Instituto de Sergipe.
Perdi, porém a partida e confesso-me entristecido.
Meu admirável Instituto do Cotinguiba, não lasque mais protestos nem gaste papel com ofícios.
Coma socegado, engula com paciência mas não vomite na praça pública.
Não é assim que se escreve a história nem a geografia.[119]
Civilizar a sociedade
A terceira função social que o Instituto incorporou foi a missão de civilizar a comunidade local, contribuindo, assim, com o processo civilizatório da nação brasileira. Civilizar, dentro de uma perspectiva naturalista, significava distanciar o homem de sua animalidade original. Levá-lo à perfeição. Esse processo contínuo exigiria uma ação conjugada que contemplasse o homem em seus aspectos físicos, intelectivos e morais. Os dois últimos estavam ao alcance dos esforços do grêmio que trabalhou diretamente com questões de instrução e de culto aos bons exemplos, respeito e amor à família, sociedade e à pátria. Esse verdadeiro programa humanista foi posto em prática pelo IHGS desde a sua fundação, mas como a própria sociedade era constituída por “estágios diferenciados”, tanto em sua “esfera” intelectiva quanto moral, a tarefa civilizatória do Instituto foi efetivada de formas diferenciadas: a primeira, um pouco discutida até aqui, consistia no incentivo à produção e consumo de bens artístico-culturais elaborados. Sobre estes mantinham livre acesso os próprios sócios e os estudantes das principais escolas da capital. A segunda transformou o IHGS em um irradiador dos saberes básicos, responsáveis por retirar as “massas humanas” do pântano da ignorância. Foi com esse último objetivo que o grêmio engajou-se na fundação e desenvolvimento da Liga Sergipense contra o Analfabetismo.[120]
Ao fundar a Liga em 24/09/1916, o IHGS parece ter seguido a aclamação da proposta do já consagrado polígrafo Teodoro Sampaio, apresentada no 5º Congresso Brasileiro de Geografia.[121] A idéia foi transmitida pelo representante sergipano no referido congresso, Luiz José da Costa Filho, o mesmo que indicou para o primeiro presidente da entidade o bacharel Ávila Lima. Passados alguns dias da fundação, Moreira Guimarães saudava a iniciativa dos sergipanos em reduzir o número de “novos escravos” às vésperas do centenário da emancipação política do Estado e da Independência nacional.[122] A situação era considerada vexatória para os ilustrados cidadãos componentes do grêmio. O próprio Ávila Lima em seu discurso de posse chegou a apresentar estatísticas alarmantes sobre o analfabetismo no Brasil. Cerca de 83% da população estava fora da escola o que deixava o país à frente apenas da Bolívia e da Venezuela entre os Estados latino-americanos. A falta de escolarização primária da maioria da população era encarada como uma verdadeira moléstia social, a responsável pela proliferação do crime.[123]
Mesmo quando o debate parecia refluir diante dos acontecimentos da 1ª Guerra Mundial, o IHGS levantou a questão do analfabetismo, promovendo conferência com o Dr. José Rodrigues da Costa Dória, ex-governador do Estado e professor da Faculdade de Medicina da Bahia. O conferencista "engrossou o coro" dos que afirmavam ser o analfabetismo um problema de segurança nacional. Uma chaga que impedia ao cidadão desde prazeres mais simplórios como degustar um romance, fazer valer seus direitos, até mesmo a manejar armas dentro de uma guerra como a que se desenrolava naquele momento. Entusiasta da pedagogia de Pestalozzi e Froebel, Rodrigues Dória fez apologia às idéias desenvolvidas em universidades norte-americanas. A sua tese afirmava que para extirpar o analfabetismo deveria se tornar real e objetivo o ensino, isto é, preparar professores, entender os mecanismos do desenvolvimento das crianças (aplicação da ciência pedagógica) e disseminar o ensino por toda parte (através do concurso público para professores e da instituição obrigatória da educação primária).[124]
Essas e outras justificativas, impulsionadas por um certo "entusiasmo pela educação",[125] fizeram com que os sócios da casa se engajassem no progresso da nova instituição que ganhou grande impulso no meio social. Os intelectuais mobilizaram-se através da promoção de festas e em busca de subvenções estatais.[126] Foram também seus principais dirigentes durante muitos anos como o presidente do IHGS, Almirante Amintas Jorge, Ítala Silva de Oliveira responsável pelos trabalhos da primeira sala aberta sob o teto do próprio IHGS (1ª secretária da Liga), major João Esteves da Silveira e Enock Santiago. Os “capitalistas” engajaram-se na campanha, patrocinando a abertura de salas em vários bairros de Aracaju. Três anos após a fundação da Liga já circulava o seu periódico oficial intitulado Pela Pátria. A Liga ganhou respaldo tanto da sociedade quanto dos poderes constituídos o que permitiu a ampliação dos trabalhos para cidades do interior do Estado como Santo Amaro, Barra dos Coqueiros e Estância. Por volta de 1921 a Liga inaugurou a sua décima segunda escola homenageando o professor Severiano Cardoso.
Desincumbiu-se o Instituto da missão civilizatória voltada para a produção e consumo de bens culturais “melhormente elaborados”, através da instalação dos equipamentos até então julgados como fundamentais: a formação da biblioteca, arquivo e museu. De acordo com o organograma de 1912, o museu do IHGS funcionaria como uma espécie de sessão da biblioteca, assim como o arquivo e da mesma maneira como estava estruturada a Biblioteca Pública Estadual. Seu acervo começou a ser composto através de doações dos próprios sócios, principalmente, a partir de 1913 e, por todo o período em análise a idéia de museu esteve ligada à formação de coleções de numismática e iconografia. As moedas foram doação constante e o seu valor era ‘justificado’ no anúncio da doação pela antigüidade e preciosidade. Ao lado destas, estavam as medalhas de ouro e prata, cunhadas em eventos onde o IHGS ou seus sócios estiveram presentes como as comemorações do Centenário da Revolução de 1817, Inconfidência mineira, Centenário da “Loja Capitular 6 de Março”, em Pernambuco, e ainda, o XX Congresso de Americanistas.
As coleções de fotografias formaram outro grupo de doações freqüentes. Os poucos anúncios sobre os retratados indicavam a presença de “cidadãos nacionais e estrangeiros” e parlamentares nacionais entre as imagens a serem conservadas. A circulação de fotografias entre os Institutos parece ter sido prática freqüente nos idos de 1910/1920. Era comum também a distribuição de cromos, retratando homenageados ao final de algumas sessões comemorativas.
A distinção entre objetos de museu e de arquivo não parece muito clara. A quantidade de “autógrafos” (originais) em base papel é mínima, comparada às doações de fotografias e medalhas. Alguns mapas e plantas ajudaram a compor o acervo de uma unidade esvaziada, sobretudo pela existência de um outro equipamento oficialmente destinado para tal fim: a Sessão de Arquivo da Biblioteca Pública. Não esqueçamos que esse setor do governo estadual era gerenciado pelo também sócio do IHGS, Epifânio da Fonseca Dória. E, ainda, foi da Sessão de Arquivo da Biblioteca que partiu a maior parte dos manuscritos publicados na Revista do Instituto.
O único indício de mudança de concepção em termos de museu foi registrado em 1918 por Manuel dos Passos de Oliveira Teles. De acordo com proposta assinada também por Florentino Menezes, o IHGS teria solicitado auxílio ao Governo estadual para realizar escavações e reconstituições de fósseis de “animais antediluvianos” encontrados nos municípios de Gararu e Aquidabã. A idéia era criar um museu de paleontologia. Essa proposta de Florentino e Manuel dos Passos foi, provavelmente, um desdobramento da doação “de ossos” efetuada pelo coronel Francisco Figueiredo, morador da cidade de Aquidabã. Da citada expedição ou do museu de paleontologia não há comentários posteriores nas Atas do IHGS.[127]
As mudanças estatutárias de 1917 que extinguiram a Comissão Permanente do Museu e Biblioteca colocaram as três unidades (arquivo, museu e biblioteca) sob a administração do Secretaria Geral, estando as duas primeiras aos cuidados do 2º Secretário, e a terceira, diretamente ligada ao Secretário geral. A ausência de sede própria e a própria tendência colecionista em vigor foram, talvez, os grandes responsáveis pelas ínfimas discussões sobre as necessidades e especificidades de cada uma dessas unidades. Arquivo, museu e biblioteca aparecem com funções idênticas: como local de culto (consagração na memória local) e repositório de fontes tornadas históricas (bibliográficas e manuscritas). Procurou-se então recolher toda espécie de “troféus” e relíquia, independentemente de sua configuração plástica, para reforçar a legitimidade da instituição como representação do sentimento pátrio: “a primeira bala disparada pelo destroyer Sergipe, quando em manobras na Inglaterra, doação do almirante Amintas Jorge; uma folhinha (calendário) que circulou durante o ano da Independência do Brasil; um diploma de bacharel emitido por universidade francesa a um sergipano em 1842; diplomas do poeta sergipano Hermes Fontes. Até pelo menos 1920 guardava-se a carabina de Francisco Camerino e a espada do Capitão Medeiro Chaves (combatentes na Guerra do Paraguai) e um ex-voto bastante especial: a cadeira do Bispo D. Quirino "com a inscrição do milagre com que foi ele beneficiado."[128].
O acervo da biblioteca formado por contínuas doações ao longo de 152 sessões é também um rico testemunho do dinamismo da instituição nas duas primeiras décadas de existência. Ele depõe sobre os laços estabelecidos com dezenas de associações congêneres e sobre a constante troca de saberes e opiniões. Dele fazem parte coleções inteiras das Revistas de diversos Institutos Históricos do país, dos mais importantes museus do período, com o Museu Paulista, o Museu Histórico Nacional e de Faculdades de Direito. Revistas de “cultura geral” como a Revue de deux mondes de grande prestígio na França por volta de 1900 também fizeram parte da Biblioteca da casa. Os jornais foram outro tipo de doação freqüente. A hemeroteca do IHGS guarda precioso acervo, principalmente da imprensa sergipana do século XIX e até relíquias como um exemplar do primeiro periódico que circulou no Estado. Os dicionários, almanaques e manuais, utilizados nos cursos de direito e medicina no início desse século foram também incorporados ao acervo por cessão de alguns dos seus ilustrados sócios.
Independentemente da “condição” sócio-cultural de sua comunidade alvo, o IHGS entendia como necessária a disseminação da pedagogia do bom exemplo, do culto aos símbolos pátrios o que, em síntese, redundava na construção de uma memória para o Estado republicano. Políticos e intelectuais foram os personagens privilegiados tanto na ereção de bustos, adquiridos através de subscrição popular ou doados por particulares, quanto na aposição de retratos. Desse primeiro tipo de homenagem foi alvo o então governador do Estado General José Siqueira de Menezes. Os atos de bravura desse “herói republicano” em Canudos, registrados por Euclides da Cunha em Os sertões, já seriam motivos suficientes para imortalizá-lo, mas os sócios do IHGS viram no empenho do governante em favor do progresso material e intelectual do Estado uma justificativa plausível para perpetuar no bronze a imagem de um grande exemplo a ser seguido.
Inácio Barbosa, fundador da cidade de Aracaju, foi outro personagem bastante festejado pelos sócios da casa. O ano de 1917 marcava os 62 anos da fundação da capital e, coincidentemente, enquanto o IHGB providenciava o traslado dos restos mortais de D. Pedro II para o Brasil, o IHGS fazia o mesmo com os restos mortais de Inácio Barbosa e Tobias Barreto em 1916.[129] É justamente nas homenagens a Barbosa que se pode perceber similitudes das práticas do Instituto com alguns dogmas explicitados no catecismo positivista.[130] Para Enock Santiago, a própria atitude de rememorar os mortos constitui em si uma ação pedagógica de grande valor, é um caráter civilizatório. Isso porque “os povos cultos não deixam nunca no olvido os seus maiores.”[131] Santiago afirmou ter a “convicção espiritual” de que o homenageado (Inácio Barbosa) o estava ouvindo no momento em que discursava. Já Prado Sampaio acreditava que da paixão (onde a religião encontra sua raiz antropológica) teria emergido “o sentimento da glorificação, culto dos deuses e dos heróis, o preito de justiça que é mister tributar aos bem-feitores dos povos, e cujas manifestações servem de pedra fundamental à religião da humanidade.”[132] Foram também alvo imortalizações no bronze, gesso ou no granizo o governador general Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão (1916), as figuras intelectuais de Silvio Romero (1916), Tobias Barreto (1920), general Ivo do Prado Montes Pires da França (1925) e o artista plástico Horário Hora (1927). No período estudado, o Barão do Rio Branco foi o único não sergipano selecionado para fazer residir permanentemente no ambiente do Instituto em forma de busto.
Descendo a hierarquia das formas de entronização, havia o costume de eternizar os bem-feitores através da aposição de retratos no salão principal da casa. Desse rito eram alvo os sócios do Instituto indicados pelos próprios colegas, sendo a maioria dos retratados homenageados ainda em vida. O mérito valia pelo empenho nos trabalhos da instituição ou mesmo pela relevância da obra literária e científica. Assim, tiveram seus retratos inaugurados os presidentes da casa Caldas Barreto Neto (1914), Amintas Jorge e João da Silva Melo (1917), os governadores do Estado Oliveira Valadão e José Rodrigues da Costa Dória, o presidente Nilo Peçanha (1917), o poeta Pedro Calazans (1917), os historiadores Rocha Pombo (1917) e Rafael Galanti (1918), o herói da Guerra do Paraguai, Francisco Camerino (1917), os sócios fundadores Armindo Guaraná e Manoel dos Passos de Oliveira Teles (1925). Também tiveram inaugurados os seus retratos: Antônio Garcindo Fernandes de Sá (1919), Antônio José da Silva Travassos (1917), Frederico Mariath (1916), Rui Barbosa e os heróis da Revolução de 1817 (1917).[133]
***
Depois de tratada a formação da representação “Sergipe” em seus aspectos da luta pelo território, organização da memória e civilização dos habitantes locais resta saber como se desencumbiu o IHGS de sua missão mais espinhosa, a tarefa de disseminar a “ciência” em solo pátrio. É preciso verificar, entre outras questões, qual a contribuição do Instituto para a formação de uma linguagem científica e, particularmente, qual o lugar da tradição cientificista para a concepção de uma escrita da história em Sergipe no início do século XX. Algumas respostas serão apresentadas no capítulo que se segue, partindo da análise do conjunto da produção da casa expressa através do seu veículo oficial, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, no intervalo compreendido entre a fundação do periódico (1913) e primeiro grande lapso de circulação (1929).
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. In: A "Casa de Sergipe": historiografia e identidade na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1913/1929). Rio de Janeiro, 2000. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://itamarfo.blogspot.com/2010/10/casa-de-sergipe-historiografia-e_6527.html



Para continuar a leitura:
SUMÁRIO
Resumo e Introdução
Capítulo I
Capítulo II
Movimento intelectual nas décadas de 1910 e 1920  
Capítulo III
A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
Capitulo IV
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 
Conclusão
Fontes
Referências bibliográficas

Notas:
[1] Para saber mais sobre o IHGB, além das auto-referências contidas em sua Revista, ver: Lacombe, Américo Jacobina. Introdução ao estudo da História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1973. p. 134-136; Serrano, Jonathas. História do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1968. p. 21; Rodrigues, José Honório. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In: A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. p. 37-40; Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989; Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988. Guimarães, Lúcia Maria Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). São Paulo, 1995. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo; Campos, Pedro Moacyr. Esboço da historiografia brasileira nos séculos XIX e XX. In: Glénisson, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 255-665. Diehl, Astor Antônio. O Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e a Ilustração: In: A cultura historiográfica brasileira: do IHGB aos anos 1930. Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990. p. 23-36; Schwarcz, Lilia Moritz. Os institutos históricos e geográficos: “Guardiões da história oficial”. In: O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 99-140;
[2] Pinheiro, José Feliciano Fernandes. Revista do IHGS, Rio de Janeiro, n. 1, v. 2, p. 77-86, abr./jun. 1839. apud. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... p. 24. Para João Ribeiro, tanto o IHGS quanto a ABL seriam os representantes mais regenerados e recentes das antigas arcádias e academias que floresceram em Portugal no século XVIII: “Tem, um e a outras, alguma coisa dos Seletos, dos Felizes e dos Esquecidos, ‘inpartibus’ e por não negar de todo, a linhagem avoenga.” Ribeiro, João. Max Fleiuss: páginas brasileiras. In: Leão, Múcio (Org.). Obras de João Ribeiro: Crítica – historiadores. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1961. p. 127.
[3] Sociedades fundadas no Brasil desde os tempos coloniais até o começo do atual reinado: memória lida nas seções do Instituto Histórico em 1884. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 71, n. 48, p. 265-332, 1885; Sobre as origens dos Institutos Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 317, p. 211-213, out./dez. 1997.
[4] Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 6 e 11.
[5] Guimarães, Manoel Luís Salgado. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... op. cit. p. 14. Ver também ecos da tradição clássica ainda no século XX em Meira, Silvio. A nobre missão dos Institutos Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 357, p. 213, jan./mar., 1982.
[6] Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 8 e 9.
[7] Menezes, Florentino. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 9-12, 1913.
[8] Ver discurso de Florentino Menezes em sessão do IHGS em 30 de julho de 1917. 2º Livro de Actas do IHGS: 1917-1931.
[9] Melo, João da Silva. Discurso proferido pelo Ex. Sr. Desembargador João da Silva Mello na sessão solene de 6 de agosto de 1913. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 78, 1914.
[10] Ibid.
[11] Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 24-25, 1913.
[12] Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 25, 1913.
[13] Ibid.
[14] “À idéia de transformar o IHGB em centro autorizado para a produção de um discurso sobre o Brasil, articulam-se inúmeras medidas tomadas no interior da instituição, tais como a sugestão feita e reunião realizada em 1842 de transformar sua biblioteca em depósito central obrigatório das obras publicadas no Brasil; o pedido aos presidentes de província do envio de seus relatórios anuais, interferindo assim na esfera de competência do Arquivo Nacional, criado no mesmo ao de 1838; ou ainda o plano de Januário da Cunha Barbosa de transformar o IHGB numa central de dados de natureza estatística, levantados nas diferentes províncias. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização... op. cit. p. 16. Ver também, do mesmo autor, A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e os temas de sua historiografia – 1839/1857: fazendo a história nacional. In: Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989. p. 36.
[15] Passos Subrinho, Josué Modesto dos. História Econômica de Sergipe (1850-1930). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1987. p. 96-97.
[16] Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 28-28.
[17] Dantas, José Ibarê da Costa. Os partidos políticos em Sergipe: 1889/1964. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 62.
[18] Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 30-31.
[19] Oliva, Terezinha Alves de. Os pequenos Estados na República oligárquica. In: Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a Revolta de Fausto Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1985. p. 17-26; Dantas, José Ibarê Costa. Estrutura de poder na primeira República. In: Revolução de 1930 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis. São Paulo: Cortêz; São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1983. p. 19-24.
[20] Um exemplo claro é registrado por Edilberto Campos que explicita o gosto do presidente Guilherme Campos “em ajudar os colegas jovens que o procuravam... Receberam atenções especiais Aníbal Freire, Gilberto Amado, Pedro de Oliveira Sobrinho, Francisco de Freitas Garcez, José Cupertino Dória, Armando Mesquita, Oscar Prata, Ávila Lima e outros contemporâneos de seu período governamental. Em 1907, Gilberto Amado, farmacêutico estudando Direito, foi até seu hóspede durante alguns meses no Palácio, antes de ir para Recife. Foi nomeado Fiscal do Banco de Sergipe, com ordenado de desembargador... Havia na administração duas classes que exigiam muito tato dos governantes: eram a das professôras e o contigente policial das cidades e vilas. Ai do presidente que tocasse numa delas sem ouvir o chefe local." [Campos, Edilberto. Dificuldades da política na aldeia. In: Crônicas... p. 73-74. v.5]. Ainda sobre os favores dos governantes é oportuno citar o trabalho dos dois "mecenas” do período republicano em Sergipe, registrado por Acrísio Torres: Martinho Garcez (governador em 1896/1899) protetor do poeta Hermes Fontes, e Olímpio Campos que tutelou Mendes de Aguiar (latinista maruinense e depois professor do Pedro II) e Gilberto Amado. Araújo, Acrísio Torres. Mecenas em Sergipe. Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999. p. 20-21.
[21] Oliva, op. cit. p. 48.
[22] Oliva, op. cit. p. 121.
[23] As reuniões políticas na calçada do palacete da rua de Pacatuba, propriedade de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda, bem como a importância política do juiz são citadas por: Amado, Gilberto. História da minha infância. p. 198; Sant’Ana, Tito Lívio. Os produbrutantes: memórias. Rio de Janeiro: Olímpica, 1979. p. 77; e pelo seu próprio filho – Lacerda Filho, Francisco Nobre de. Para esclarecimento do leitor. In: Lacerda, Francisco Nobre de. História da Independência. Brasília: Gráfica do Senado Federal, [19--]. p. 5-7 (Coleção Garimpos da História, v. 3).
[24] “Líder do grupo Garcez e vice-presidente do Estado." Oliva, T. A. Impasses... p. 99.
[25] “Os velhos políticos [do Partido Republicano Federal de Sergipe], muitos deles senhores de engenho, foram denominados, juntamente com os seus adeptos, de ‘Cabaús’, do nome do mel de engenho, enquanto os adversários tiveram o nome de ‘Pebas’ ou tatus.” Oliva, Terezinha Alves de. Estruturas de poder. In: Diana, M. Diniz (Coord.) et al. Textos para a história de Sergipe. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe/Banese, p. 141.
[26] Dantas, Ibarê. Os movimentos divergentes. In: Os partidos... p. 73-93.
[27] Dantas, Ibarê. Os partidos... p. 78.
[28] Dantas, Ibarê. O tenentismo... p. 137 e 207.
[29] Para Cruz Costa, a troca de amabilidades está relacionada a uma espécie de conflito Sul/Norte, católicos/infiéis. Essa disputa “vem desde os 70 quando o jornalista católico Carlos Laet, chamou à propaganda germanista dos dois sergipanos, de escola ‘teuto sergipana’. Em represália, estes últimos diriam que os intelectuais sulistas, presos à influência francesa, constituíam, por sua vez uma escola ‘galo-fluminense’ ”. Costa, Cruz. Um representante do “germanismo” no Brasil”: Tobias Barreto. Separata da Revista Filosófica, n. 15, p. 5, [19--].
[30] Paim, Antonio. A Filosofia da Escola do Recife. 2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 111-134.
[31] Paim, Antonio. A Filosofia... op. cit. , págs. 8, 10, 33-34, 36, 40, 41- 42, 46, 47, 135, 139 e 140.
[32] id., ibid., p. 68-72.
[33] “A primeira leva de discípulos sergipanos de Tobias Barreto veio da Faculdade de Medicina da Bahia, a partir de meados do ano de 1880, entre os quais se destacam cronologicamente Joviniano Romero e Felisbelo Freire... É por demais significativa a dedicatória do livro Estudos Alemães, em sua primeira edição: ‘Aos moços sergipanos que cursaram a Faculdade de Medicina da Bahia no ano próximo findo oferece o autor’ – datada de 1º de janeiro de 1883. No ano anterior os acadêmicos comprovincianos haviam homenageado Tobias Barreto com um mimo, tendo o mestre agradecido em carta de 5 de dezembro desse mesmo ano (1882)”. [Entre os tobiáticos da Faculdade de Medicina da Bahia também estão Rodrigues Dória e Helvécio de Andrade, ainda estudantes em 1882]. (...) “Já em 1881, Tobias é homenageado pela colônia sergipana de estudantes de Recife, quando esteve prestes a voltar para a terra natal, chegando a ser inclusive nomeado pelo Presidente da Província, Inglês de Souza, professor de língua e gramática alemã. Com a sua triunfal entrada na Faculdade de Direito, em 1882, cresceu o grupo de admiradores conterrâneos, dentre os quais sobressaíram Fausto Cardoso, Prado Sampaio, Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira Teles.” Lima, Jackson da Silva. Os estudos... op. cit. p. 73, 74, 77.
[34] Mercadante, Paulo. Prefácio. In: Freire, Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis: Vozes; Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977. p. 11-18.
[35] São 24 o número total de sócios entre os quais: 18 bacharéis de direito e medicina, e 3 militares de alta patente.
[36] Sobre Ernest Haeckel (1834/?) é bastante elucidativa essa apresentação inserida na tradução portuguesa de um dos textos que lhe deram fama, Os enigmas do universo. “A sua obra principal é a História da criação dos seres organizados. Vem, a seguir, pela ordem da importância científica, a Antropogenia e a Filogenia sistemática. É aí que se condensa a sua teoria biológica. Mas os seus trabalhos mais conhecidos são os da vulgarização científica, Os enigmas do Universo em que o autor se propõe resolver as questões principais e o mundo mental e moral, o Monismo, Origem do Homem, Religião e Evolução e Maravilhas da Vida onde Haeckel continua o trabalho iniciado nos Enigmas. Nestes últimos trabalhos, Haeckel é o propagandista tenaz do livre-pensamento, um dos maiores combatentes dos erros e dos preconceitos doutrinários da Religião Católica.” Haeckel, Ernesto. Maravilhas da Vida. Porto: Chardron; Rio de Janeiro: Francisco Alves, [19--].
[37] Ver Barreto, Tobias. Recordações de Kant [?] apud. Paim, Antônio. A filosofia da Escola do Recife. 2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 122.
[38] Além de Haeckel são considerados como pertencentes à mesma tendência materialista os princípios difundidos por Karl Vogt – Fé no carvoeiro e a ciência – 1852, Jacob Moleschott, A circulação da vida – 1852, e Luis Büchner, Força e matéria. Costa, João Cruz. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 282.
[39] Teoria da descendência ou transformismo – Na Filosofia zoológica – 1806 “se encontrava explicada pela primeira vez a formação natural de inumeráveis formas orgânicas, classificadas com o nome de espécies. Lamarck concebia como determinada por duas funções fisiológicas: a adaptação e a hereditariedade.” Haeckel, Ernest. As maravilhas da vida. Porto: Livraria Chardron; Rio de Janeiro: Francisco Alves, [19--]. p. 349.
[40] A teoria de Lamarck foi completada pela idéia de seleção natural proposta por Darwin em 1859.
[41] Haeckel, E. apud. Cardoso, Fausto. Concepção monística do universo. Rio de Janeiro: Cia Tipográfica do Brasil, [19--]. p. 1 e 73.
[42] Spencer, Herbert. Do progresso: sua lei e sua causa. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939. p. 52; Ver também, do mesmo autor, Classificação das ciências. São Paulo: Cultura Moderna, [19--]. p. 93.
[43] Haeckel, Ernest. Maravilhas... op. cit. p. 85.
[44] Spencer, Herbert. Do progresso... op. cit. p. 28.
[45] Moraes, Antônio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990. p. 23.
[46] Silva, Adriana Elias Magno da. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido. São Paulo, 1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 64, 68.
[47] Ver principalmente o artigo “Deus na Evolução” de João de Matos Freire de Carvalho em O Estado de Sergipe nos dias 20, 22 e 26 de outubro de 1909. Para João de Matos os naturalistas não fundaram a ciência. A “ciência não pára e nem encalha na nebulosa: voa além, passa o infinito, pouza no Eterno e de lá exclama com os sábios pela vocação do ilustre naturalista sueco Lineu.” Estado de Sergipe, Aracaju, 20 out. 1909.
[48] Oliva, T. A. Impasses... p. 118.
[49] Cardoso, Fausto. Taxinomia social: ensaios. Rio de Janeiro: Moraes, 1898. p. 70, apud Oliva, T. A. Impasses... p. 118.
[50] Silva, Adriana Elias Magno. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido... p. 65. É importante assinalar que o materialismo haekeliano já vinha sendo propagandeado desde a última década do XIX como narra Francisco Alves a respeito de Felisbelo Freire: "...ao diplomar-se em medicina em 1882, ruma para Laranjeiras e lá se forma um divulgador entusiasta do evolucionismo e do republicanismo, fundando jornais e realizando conferências. Naquela cidade, formou um grupo de intelectuais pautado pela adesão às novas idéias.". Alves, Francisco José. Introdução ao pensamento histórico de Felisbelo Freire. São Cristóvão, 1993. p. 5 (mimeo). Ver também do mesmo autor: A divulgação do evolucionismo no Brasil: aspectos do pensamento de Felisbelo Freire. Cadernos UFS - História, São Cristóvão, v. 1, n. 3, p. 49-59.
[51] Revista médica de Sergipe, Aracaju, v. 1, p. 3-4, maio, 1911. Além de Helvecio de Andrade, diplomado na Bahia, compunham a equipe de redação desse periódico o médico Augusto Leite, o farmacêutico Francisco Travassos, formado em medicina e odontologia pelo Rio de Janeiro e Ouro Preto, respectivamente e o dentista Magalhães Carneiro, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia.
[52] "A sociedade civil, tal qual é hoje, difere muito em seus elementos predominantes, em suas tendências e aspirações, e em seus processos de aperfeiçoamento, daquela que encerrou o seu ciclo evolutivo com a mudança das instituições políticas do nosso país”. Andrade, Helvecio. Revista médica de Sergipe, Aracaju, n. 1, p. 3, maio, 1911.
[53] Em Tobias Barreto, estimulado pela idéia de evolução, a historiografia já cumpria papel fundamental. O Mestre “assumia o postulado de que só há ciência do que é passageiro. A ciência não tem, por assim dizer, objetos perenes. O homem, a natureza, o universo, tudo enfim que pode ser conhecido pela ciência somente pode ser compreendido na visão do nosso autor como fenômeno em transição permanente, continuamente, passando de uma condição a outra condição.” Nascimento, Jorge Carvalho. A cultura ocultada ou a influência alemã na cultura brasileira durante a Segunda metadedo século XIX. Londrina: UEL, 1999. p.174.
[54] O dinamismo de Florentino Menezes não implica em um total desapego às questões acadêmicas entre os intelectuais locais, mormente relativas à história e geografia. O próprio fundador afirmara em seu discurso inicial que era comum o reconhecimento do mérito intelectual de vários sergipanos por academias de outros Estados e países. Além disso, o constante fluxo dos políticos e artistas locais entre o Distrito Federal e Aracaju estreitava as relações entre instituições como o IHGB e a ABL. Antes da Fundação da "casa de Sergipe" Felisbelo Feire foi reconhecido pelo IHGB (1888) e Silvio Romero e João Ribeiro, da mesma forma, pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (1911). O próprio sócio-fundador Armindo Guaraná já havia publicado o seu "Catálogo de Jornais" na Revista do IHGB em 1908. Uma evidência de que as relações com o IHGB são anteriores à fundação do IHGS está na escolha de Guaraná e do Desembargador Evangelino Faro (também futuro sócio-fundador da casa) como membros da Comissão preparatório do 1º Congresso de História Nacional presidido por Ramiz Galvão. Ver Alves, Francisco José. A marcha da civilização... p. 77; Nunes, V. M. N., Freitas, I. e Cruz, G. Z. Q. Catálogo do acervo documental Museu da Casa de Cultura de João Ribeiro. Laranjeiras: Prefeitura Municipal de Laranjeiras, 1999; Ata da terceira sessão preparatória da Comissão executiva do 1º Congresso de história Nacional - 27/06/1913. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, primeira parte do tomo especial p. 7.
[55] Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 13-15, 1913.
[56] Sobre a sessão de Arquivo da Biblioteca Provincial ver a Lei 233 sancionada pelo presidente da Província em 16 de junho de 1848.
[57] Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 125, 1917.
[58] Mais de 50% dos sócios honorários registrados em 1915 eram compostos por sergipanos.
[59] Incluindo-se os desembargadores (6%).
[60] Não há informações sobre a formação de 7% dos sócios desse período. Revista do IHGS, Aracaju, n. 1, v. 1, 1913. p. 51-55. É importante salientar que não havia impedimento estatutário à participação de mulheres mas até 1915 apenas Ítala Silva de Oliveira e Leonor Teles de Menezes freqüentam a lista de sócios efetivos do IHGS.
[61] Tôrres, Acrísio. Crimes... p. 66.
[62] Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju... p. 25.
[63] Correio de Aracaju, 16 jul. 1914. p. 2.
[64] Ver Santos, Maria Nely. Associação Comercial de Sergipe: uma instituição centenária – 1872/1993. Aracaju: Associação Comercial de Sergipe, 1996. p. 70-73.
[65] Dantas, Ibarê. O Tenentismo... p. 45.
[66] Gentil Tavares da Motta tinha apenas 20 anos quando participou dessa reunião. Provavelmente não havia ainda ingressado na Escola Politécnica da Bahia onde formou-se em 1917. Ver Guaraná, A. Dicionário... p. 104.
[67] Florentino Menezes voltou a discursar no IHGS em 31/07/1917, cinco anos depois da fundação, para protestar contra a omissão dos sócios fundadores no estatuto reformado (1917). Alexandre Lobão e Gentil Tavares também protestaram contra a exclusão de suas assinaturas na Ata de Fundação do IHGS e na lista dos sócios fundadores. De acordo com a Assembléia ficou decidido que os reclamantes poderiam assinar a respectiva ata. Em 1920, seus nomes são incluídos na lista de sócios fundadores publicada no n. 9 da Revista.
[68] Estatutos de 1917.
[69] Para ser sócio correspondente bastava apenas a indicação de um sócio efetivo para que a proposta fosse encaminhada.
[70] Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório dos trabalhos e ocorrências do período social de 1915 a 1916. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 279, 1919.
[71] Artigo 10º do Estatuto de 1912.
[72] O cargo de bibliotecário foi criado em 6/01/1918. Foi ocupado entre outros por Aloísio de Costa Barros (1918). Talvez se trate do mesmo Álvaro da Costa Barros que pediu demissão em 1927. Ver Atas no IHGS de 06/1/1918 e 06/10/1927
[73] Pelo menos em um exercício o aumento dessa verba (1:200$000 dos 2:400$000) foi destinado a “angariar documentos relativos a Sergipe, notadamente de seus limites, dentro e fora do país.” Coleção de Leis e Decretos de 1919. Aracaju: Imprensa Oficial, 1920. p. 47. Em outra ocasião, não se sabe ainda o beneficiado, foi autorizada a abertura de crédito de 3:000$000 para “a aquisição de documentos relativos à história de Sergipe, sobretudo, de seus limites.” Coleção de Leis e Decretos de 1917. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918. p. 33.
[74] Ver Atas do IHGS referentes a 06/01/ e 06/06/1928.
[75] Ver Atas do IHGS referentes a 16/11/1926, 06/01/1928 e 30/07/1931.
[76] Guimarães, Moreira. Carta remetida à Amintas Jorge. Rio de Janeiro, 11, maio 1925. Publicada na Revista do IHGS, Aracaju, n. 10, p. 13-14, 1925.
[77] [Sampaio, Prado]. Advertência prévia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 7. 1925.
[78] "Quando entramos para a Diretoria do Instituto [1926], estava o sodalício sem casa, a despeito dos seus 14 anos devida e de existir uma lei estadual autorizando o Governo do Estado a dotá-lo de um prédio apropriado para o seu funcionamento (...) O pequeno acervo do Instituto fôra atirado a um recanto soturno da Biblioteca Pública do Estado, cujo edifício já era considerado insuficiente para guardar com segurança e bôa ordem o imenso cabedal bibliográfico, que sob nossa direção, já tinha adquirido a mesma Biblioteca. "Dória, Epifânio. Nosso atrazo. Revista do IHGS... v. 16, n. 21, p. 3-4, 1954.
[79] Ver capítulo VII dos Estatutos do IHGS aprovados em 27 de agosto de 1912.
[80] Capítulo V dos Estatutos do IHGS, aprovados em 26 de fevereiro de [1917].
[81] Ibid.
[82] A participação do Instituto nos congressos nacionais de Geografia é comentada no capítulo IV.
[83] O referido mapa foi aprovado pela Comissão do IHGS e pelo Conselho Superior de Instrução Pública do Estado em 1919.
[84] Ver Atas do IHGS de 06/10/1917, 06/02/1918, e 06/03/18. Ver também Barreto Neto, Caldas. Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 220, 1920.
[85] Livro de Atas do IHGS. n. 1, p. 179 v.
[86] Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana: Trabalho apresentado ao V Simpósio de História do Nordeste – Aracaju, agosto de 1973. In: Aracaju e outros temas sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: governo de Sergipe/Secretaria de Estado da Educação e Cultura/Fundação Estadual de Cultura, 1992. p. 21.
[87] Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Município e cidade de Simão dias: Notas Históricas. Revista do IHGS, Aracaju, v. 7, n. 12, p. 9-33, 1927; Olino, Vicente. História do Município de Santa Luzia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 9, n. 14, p. 93-101, 1929.
[88] Sampaio, Joaquim do Prado. Causas da expansão territorial sergipana e seus consectarios jurídico-sociais. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 255 e 257, 1919.
[89] O "mito fenício", uma das primeiras explicações sobre a origem do homem na América, "sempre foi claro à fase mitológica da Pré-história brasileira, particularmente no Nordeste, por uma curiosa série de coincidências. Para isso contribuíram a famosa e apócrifa inscrição fenícia da Paraíba, supostamente achada em 1872, e o deslumbramento com a cultura fenícia do alagoano Ladislau Netto, ao voltar dos seus estudos em Paris como discípulo de Ernest Renan, autoridade à época em arqueologia púnica. A inscrição a que me refiro foi achada no inexistente lugar de 'Pouzo Alto' no vale do Paraíba, por um também inexistente Joaquim Alves da Costa e que teria dela enviado uma cópia ao Marquês de Sapucahy, presidente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil." Martin, Gabriela. história da pré-história no Nordeste. In: Pré-história do Nordeste do Brasil. 3 ed. Recife: Editora da UFPE, 1999. p. 23-47.
[90] O interesse pelo tema nem sempre movimentou a pena dos historiadores locais. O próprio fundador da historiografia científica sobre Sergipe via com reservas os resultados das pesquisa sobre a pré-história no Brasil. Em sua História de Sergipe (1891) há somente duas conclusões sobre a pré-história: a população “brasílica” era mestiça (fruto do cruzamento de populações autóctones e extra-americanas) e, provavelmente, teria origem antidiluviana. "Em Sergipe, sempre infrutiferamente, procuramos alguns tumuli ou sambaquis, a fim de apreciarmos o grau de civilização da tribo indígena." [Freire, Felisbelo. História de Sergipe... op. cit., p. 20-24 e 38]. Na última década do século XIX, o interesse pela pré-história podia ser notado de maneira esparsa em Manuel dos Passos de Oliveira Teles que levantava a hipótese das margens do rio Poxim serem um repositório privilegiado de vestígios "megalithicos". [Teles, Manoel dos Passos de Oliveira. Sergipenses: escritos diversos. Aracaju: Antônio Xavier de Assis, 1903]. Na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe a pré-história continuou na obscuridade. O grêmio local não encarou o passado indígena como experiência relevante para a invenção da “sergipanidade”. A excessão fica por conta de Emygdio Caldas, tratando sumariamente da origem dos homens sulamericano, brasileiro e sergipano. Caldas, Emygdio. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 109-114, 1914.
[91] Sobrinho, Sebrão. Laudas da história do Aracaju. Aracaju: Regina, 1955. p. 65 e 480.
[92] Homem de Melo, historiador e geógrafo, esteve em Aracaju entre 10 e 13 de março de 1917. Além de receber título de sócio honorário do IHGS foi homenageado pelos professores do Ateneu e da Escola Normal, visitou gente da imprensa, capitalistas, instituições beneficentes e esportivas e o Hospital Santa Isabel. No IHGS palestrou sobre atuação parlamentar de Inácio Barbosa e provavelmente esclareceu dúvidas acerca do mapa de Sergipe. Notícias da imprensa sobre as homenagens prestadas ao Barão Homem de Mello. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 91-110, 1917.
[93] Rocha Pombo chegou a Sergipe em 10 de agosto de 1917 para uma visita de 22 dias. Conheceu autoridades, imprensa, visitou São Cristóvão e levou boas impressão dos intelectuais da terra: “a intelectualidade de Sergipe não se ressente muito da emigração de seus representantes mais notáveis... Ainda ficam por ali [em Sergipe] talentos muito dignos de fazerem honra à sua terra... Muitos desses, em meio mais vasto, far-se-iam figuras de primeiro plano”. Por toda a sua estada esteve acompanhado dos sócios Costa Filho e Carvalho Lima Júnior mas distribuiu elogios para Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Elias Montalvão, Armindo Guaraná e principalmente para o poeta Garcia Rosa. Ver Tôrres, Acrísio. Rocha Pombo em Sergipe. In: Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999. p. 222-225.
[94] “Efetivamente, isentos da sujeição sergipana, os fazendeiros e grandes proprietários exerciam impunemente o poderio de que gozavam como ‘caciques’ na sua ‘tribo’ ou senhores feudais, cada um dominando a sua ‘gleba’, sem responder a ninguém, a nenhuma autoridade, pelos atos criminosos, que praticavam”. Era natural, explica Lima Júnior, “a preferência dada por aqueles povos à dominação da Bahia, que, muito mais longe do que Sergipe, não podia a tempo e a hora levar a justiça e a lei àquelas paragens em uma época em que viviam a vida quase primitiva, onde os pequenos se haviam acostumado ao regimen de escravidão, e os grandes, acercados de malfeitores temiam naturalmente a ação do juiz na punição de seus crimes.” Lima Júnior, Carvalho. Limites entre Sergipe e Bahia: estudo histórico. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 41 e 10, 1914.
[95] Incumbido pelo presidente Manuel da Cunha Galvão.
[96] Incumbido pelo presidente Antônio Dias Coelho e Melo (depois Barão de Estância).
[97] Lei de 20 de abril de 1860. Ver Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho Lima. Memória sobre o Poder Legislativo em Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 142, 1919.
[98] Guibernau, Montserrat. Nacionalismos: o Estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 19... p. 56.; Smith, Antony. Identidade nacional. Porto: Gradiva, 19... p. 21-28.
[99] Carvalho, João de Matos Freire de. Sergipe e Bahia: questão de limites. Aracaju: O Estado de Sergipe, 1905.
[100] Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 290, 1919.
[101] O silêncio do público durante a conferência de Brás do Amaral, representante e advogado da Bahia na questão, foi assim interpretado por Prado Sampaio: “... antes de tudo seria bom notar que o público para ela [a conferência] convidado não se encontrava preparado para responder ao sr. Dr. Amaral sobre a autenticidade dos documentos apresentados nem resolver sobre a questão.” Oliveira Teles concorda com Prado Sampaio e lança um desafio ao conferencista: “...não quero negar-lhes a autenticidade [dos documentos apresentados], pois será mesmo descortesia para com o ilustre cavalheiro. Entendo, sim, que em questão de tal natureza abundante documentação pode degenerar e, no caso, é lícito anexar-se uma glosa ao ditado: cada documento terá suas nove faces. Toda questão consiste em serem eles oportunamente submetidos ao exame e à crítica perante o grande público. Porque os não publica o excelentísimo Dr. Amaral? Encontrará competentes nesta terra que possam discuti-los com critério...”. Sampaio, Prado e Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Questão de limites Bahia-Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2 n. 3, p. 77-79, 1914.
[102] Esse critério praticamente sacramentava a posse baiana sobre o território em litígio (fronteira meridional). O rio Real é até hoje o limite entre os dois Estados. É importante notar que mesmo depois de revisado em 1934 o mapa produzido por Ávila Lima e aprovado pelo IHGS em 1918 ainda contempla no lado oeste o "território contestado pela Bahia" incluindo no lado sergipano algumas cidades de relativa importância regional como Bom Conselho e Geremoabo.
[103] Costa Filho, Luiz José. Reminiscências e impressões do 5º Congresso Brasileiro de Geografia. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 123, 1917.
[104] Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. História dos limites entre Sergipe e Bahia. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918.
[105] Respectivamente, Decreto n. 690 de 18/07/1919 e Lei n. 790 de 14/11/1919. Coleção de Leis e Decretos de 1919. Aracaju: Imprensa Oficial, 1920.
[106] Ver Atas do IHGS relativos aos dias 12/08/1918 e 06/05/1920. Para Ivo do Prado, Sergipe possuía 112.000 km2 em 1845 e 23.250 km2 em 1908. No mesmo período a Bahia subiu de 426.425 km2 (1845) para 585.587 km2 (1908). A Bahia deteve o território sergipano não entregando o que foi determinado por D. João VI através de decreto em 08/07/1820 (confirmado pelo regente por Carta Régia de 05/12/1822) e anexando parte do que entregou durante o Império (entregou apenas dois terços do que deveria). Prado, Ivo. A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memória sobre a questão de limites (Congresso de Belo Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brasil, 1919. pp. 239, 247-248.
[107] Andrade aponta entre adeptos da estrutura federalista os intelectuais Maurício de Lacerda, Leônidas Rezende, Hermes Lima, Anísio Teixeira, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Almaquio Diniz; entre os centralistas são listados Everardo Beckhauser, Amadeu Amaral, Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Cassiano Ricardo, Monte Arrais e Azevedo Amaral. Andrade, Manuel Correia de; Andrade, Sandra Maria Correia de. A Federação brasileira: uma análise geopolítica e geo-social. São Paulo: Contexto, 1999. p. 57.
[108] Ver Ata do IHGS relativa ao dia 28/04/1931.
[109] Coincidentemente, o interventor era irmão do sócio fundador e também Secretário Geral da interventoria, desembargador João Maynard. O desembargador Gervásio Prata foi um dos principais coronéis entusiastas do regime de intervenção. Ver Dantas, Ibarê. Revolução de 1930 em Sergipe... p. 50 e 58.
[110] Lima, Fraga. Memórias do Desembargador Gervásio Prata... p. 151.
[111] O mais atualizado exame sobre a questão de limites encontra-se em Nunes, Maria Thetis. Sergipe colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 30-75.
[112] A estatuomania sergipana teve início com a homenagem aos dois mais importantes líderes políticos da República Velha: Fausto Cardoso (1912) e Olímpio Campos (na praça Benjamin Constant em 26/07/1916). Prosseguiu com o fundador da capital Aracaju, Inácio Barbosa (no Jardim Olímpio Campos, entre as antigas sedes do palácio do governo e da Assembléia em 17/03/1917) e o maior símbolo da inteligência sergipana, Tobias Barreto (na Praça Pinheiro Machado em 24 de outubro de 1920).
[113] Ver sobre a Bandeira: Revista do IHGS, v. 5, n. 9, p. 222; Correio de Aracaju, 26 out. 1920; Discurso de Manoel Dias Lima. Proferido da sacada do Edifício da Caixa Escolar Gracho Cardoso. Correio de Aracaju, 31 mai. 1921. Sobre o brasão: Araripe, Tristão. Brasões do Brasil. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 54, 1891.
[114] Lei da Assembléia Provincial de 9/02/1839. Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória do Poder... p. 32; Barreto Neto, Manuel Caldas. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 32, 1920.
[115] Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória sobre o poder... p. 114.
[116] Leão, Múcio. João Ribeiro: estudos críticos. Rio de Janeiro: Editorial Alba, 1934. p. 233-234.
[117] Ibid. p. 234. Grifos do autor.
[118] O Presidente da República Artur Bernardes influiu diretamente na indicação de Ciro Franklin de Azevedo e do maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves. Ambos foram eleitos. O diplomata Ciro de Azevedo, com votação inédita, faleceu antes de encerrar o mandato (24/10/1926 a 16/01/1927) e o maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves permaneceu no Senado entre 1924 e 1930. Ver Dantas, Ibarê. Os partidos... p. 67-68 e 316; O Tenentismo... p. 28-29. Figueiredo, Ariosvaldo. História política de Sergipe. Aracaju: ?, 1986. p. 459.
[119] Ribeiro, João. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25/07/1926. Apud. Leão, Múcio. João Ribeiro... p. 238.
[120] O IHGS também foi o responsável pela fundação da Cruz Vermelha em Sergipe (22/03/1918). A direção da sociedade era composta por homens e mulheres de posições destacadas no clero, política e economia local. A sociedade foi trazida a Sergipe pela baronesa Homem de Melo.
[121] Atas do IHGS de 24/09 e 06/10/1916; Barreto Neto, M. C. Relatório... Revista do IHGS, Aracaju, v. 4 n. 8, p. 295, 1919.
[122] Guimarães, Moreira. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 53-55, 1919.
[123] Lima, Ávila. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 269-276, 1919.
[124] Dória, José Rodrigues da Costa. Conferência lida no IHGS em noite de 23 de setembro de 1917. Revista do IHGS, Aracaju, v.4, n. 8, p. 213-250, 1919.
[125] "A partir de 1915 surpreende-se uma ampla campanha e uma multiplicidade de realizações configurando um novo momento significativo: o do entusiasmo pela educação. São idéias, planos e soluções oferecidos... Trata-se de um movimento de 'republicanização da República' pela difusão do processo educacional - movimento tipicamente estadual, de matiz nacionalista e principalmente voltado para a escola primária, a escola popular. (...)
Em síntese, os quadros do pensamento apresentam a seguinte formulacão: a ignorância reinante é a causa de todas as crises; a educação do povo é a base da organização social, portanto, o primeiro problema nacional; a difusão da instrução é a chave para a solução de todos os problemas políticos e outros." Nagle, Jorge. A Educação na primeira República. In: Fausto, Boris (org.) História Geral da civilização Brasileira: o Brasil republicano - sociedade e instituições (19889/1930). 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 262-263.
[126] Século XX, Aracaju, 14/07, 03, 10, 17 e 31/08, 28/09/1919.
[127] Ver Atas relativas aos dias: 06/01/1917 e 06/04/1918.
[128] Silva, Clodomir. Álbum... p. 120.
[129] Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 8, p. 386 e 391 1919.
[130] Mozart Soares assim explica a importância dos mortos para a religião positivista: “Reconhecendo a crescente influência do passado sobre o presente, como exemplo das gerações pretéritas sobre as vindouras, Comte estabeleceu a máxima a ser gravada no pórtico dos futuros templos da Religião do Amor Universal: ‘Os vivos serão sempre, cada vez mais necessariamente, governados pelos mortos. Observa-se que não há, nesta divisa, nenhum sentido sobrenatural; apenas a lembrança dos melhores exemplos que devemos consagrar e recolher, para com eles criar o futuro.” [Soares, Mozart Pereira. O Positivismo no Brasil: 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998. p. 79]. Para Augusto Comte “a Humanidade se compõe essencialmente dos mortos dignos de sobreviver, seus templos devem ser colocados no meio dos túmulos de elite.” Comte, Augusto. 5ª Conferência do Catecismo Positivista. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 133. (Col. Os Pensadores).
[131] Santiago, Enock. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 45, 1917.
[132] Sampaio, Prado. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 41, 1917.
[133] Entre os artistas que trabalharam diretamente com a produção memorialística do IHGS foram anunciados Rodolfo Bernardelli, para as esculturas e Guttman Bicho, para os retratos pintados.